No meu último dia de "férias" no Brasil, li a irretocável crônica de Antonio Caetano (mais uma!) publicada, hoje, 2 de Julho, no jornal "Tribuna da Imprensa". Solicitei autorização para reproduzi-la neste espaço. Permissão concedida, coloco junto os e-mails que trocamos, pois complementam o sentido do texto "oficial". No mais, recomendo a imprescindível visitação a www.cafeimpresso.com.br
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Grande Arnaldo-san!
Que saudade, rapaz! Uma maravilha vc aí pelos USA, longe desta decadência moral, intelectual e estética - aliás, é em lugares como o Brasil (e em tempos como o nosso) que a gente percebe que as dimensões moral, intelectual e estética são as faces de uma coisa só - o espírito talvez? Sim, talvez isso que a gente chama de espírito ou dimensão espiritual abarque esses três aspectos inseparáveis.
Eu penso muito em sair do Brasil. Apesar do passaporte europeu (por ser filho de português) não sinto a menor atração pela Europa. Iria para os USA, mas meu sonho mesmo é abrir um café na Nova Zelândia!
Eu gostei muito de "Sem Despedidas" tb. tem algo de confessional, claro, mas é tb um texto anti-eu, uma resposta a um tipo de literatura comum no Brasil q muito me irrita que é aquele estilo bukowskiano feito de pseudo epifanias alcoólicas fedendo a niilismo mal lavado.
A de hj é puro mau humor, desilusão, desencanto. Como disse no e-mail, acho que não tem mais jeito. Ou até tem, mas eu vou fazer 50 anos e não tenho mais saco pra ficar brigando pelo futuro dos outros. Eu quero o presente. No meu brasão está escrito: "De olho no ar pensando alto". É assim que quero viver: distraídamente concentrado. Quero paz genuína. Há dois anos estou meditando e certos valores estão se tornando cada vez mais essenciais para mim. Aliás, se quiser conhecer a meidtação q estou fazendo, faça uma busca no Google por "vipassana" "goenka" e talvez vc tb se interesse.
E, claro, óbvio, ver minha crônica reproduzida no seu site é algo q só vai me honrar e envaidecer. A única coisa q eu não perdoo é vc só agora me dizer q tem um site - mas sem nem me mandar o endereço!
Mande logo para eu incluí-lo entre os links do Café!
Abração!
AC
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Jazz Station Records wrote:
Antonio-san,
Konbanwa!
Leio sempre, com grande admiraçao, as suas crônicas. Mas as duas ultimas "passaram dos limites".
A da semana passada, "Sem despedidas", foi de uma sutileza belíssima. E esta q recebi hoje, num contexto completamente diferente, claro, é ainda mais excepcional.
Gostaria de te-la escrito, pois é exatamente assim que penso e me sinto em relação ao Brasil.
Passei o mês de Junho nesta terra estranha.
Rapaz...o q eu vi no Brasil durante estes 30 dias foi um pesadelo trash da pior espécie. Sua crônica resume tudo, parabéns. Por isso eu gostaria de poder reproduzi-la em meu blog, se vc permitir.
Abraçao,
Arnaldo
----- Original Message -----
From: Cafe Impresso
To: Arnaldo de Souteiro
Sent: Sunday, July 01, 2007 4:25 PM
Subject: Café Impresso - crônica do Antonio
Oi, pessoal:
Eu não sei se é realismo ou pessimismo, mas às vezes me parece claro que o Brasil enlouqueceu de vez, irremediavelmente. Dos dois critérios populares para o o diagnóstico da loucura, rasgando dinheiro já estamos há muito tempo. Quanto a comer merda... Bem, é questão de combinarmos se estamos falando literal ou simbolicamente. No sentido metafórico é evidente que sim, engolimos muita merda. No literal, há controvérsia.
Olhe à volta: não há uma liderança sequer! A política brasileira é dominada por uma gente lamentável sob qualquer critério, do estético ao moral. O voto em lista não passou, mas o simples fato de terem tentado já é gravíssimo.
Gerações futuras? Todo mundo só pensa em ser funcionário público! Fico imaginando quando todos forem empregados do Estado quem pagará a conta? Ninguém, claro! Será a abolição da moeda e da economia. Já estamos perto: converse com qualquer pequeno ou médio empresário sobre a quantidade de impostos e propinas que ele é obrigado a pagar para sobreviver... O Estado "privatizado" pelos políticos é o "sócio" ainda minonitário de cada brasileiro empreeendedor. Quanto tempo para se tornar "majoritário"?
A "cultura da vitimização" perverteu a máxima jurídica: hoje no Brasil "Todo cidadão é inocente mesmo que se prove o contrário". Do senador ao assassino, do deputado ao traficante, do espancador de mulheres ao estelionatário todos os criminosos são vítimas - da família, da sociedade, do sistema, da imprensa, da genética.
No que isso vai dar, não sei.
Abraços e beijos,
Antonio
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O Brasil está louco - Antonio Caetano
Os meninos não deram sorte. A jovem mulata no ponto de ônibus não era uma prostituta, mas uma empregada doméstica. Pior, ela resolveu dar queixa, um motorista de táxi anotou a placa do carro, a polícia foi obrigada a agir e a coisa toda se precipitou. Até uma prostituta de verdade tomou coragem e foi dar queixa também. É muita falta de sorte.
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SÃO PAULO - Um bancário e a mulher foram assassinados na frente do filho de sete anos no Morumbi, zona sul da capital paulista. (...) o casal teria reagido a um assalto. O Honda Fit foi abordado por dois bandidos armados no semáforo (...). Os tiros atingiram as costas e o peito do bancário Glauber Alexandre Shiba Paiva, de 37 anos, e a cabeça de sua esposa, a dona-de-casa Marta Maria Sena de Oliveira, de 30 anos. O filho deles, Gabriel de 7 anos, estava no banco de trás do veículo e não foi atingido. Os dois criminosos fugiram sem levar nada.
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RIO - Um casal de oficiais da Aeronáutica, (...) foi baleado na noite de domingo, supostamente porque não atendeu a uma ordem de policiais do Regimento de Polícia Montada de Campo Grande para parar o carro. A major Larissa morreu, mas seu marido, o tenente Douglas, está fora de perigo. Os PMs estavam fora de sua jurisdição.
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RIO - Terminou com 19 mortos e treze pessoas feridas (...) a megaoperação realizada pela polícia quarta-feira, no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Treze corpos foram recolhidos pela própria polícia, e outros seis foram deixados à noite numa van em frente à 22ª DP (Penha). Entre os feridos, sete pessoas foram vítimas de balas perdidas, além de um policial e cinco traficantes atingidos.
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É, os meninos não deram mesmo sorte. É até capaz que continuem presos. Uma injustiça, claro. Afinal, eles só espancavam mulheres na rua nos fins de semana. Nunca mataram ninguém. E se roubavam, eram só coisas sem importância, tão sem importância como as mulheres que espancavam: celulares vagabundos, grana miúda, bijuterias. Puxa, com tanto senador solto por aí, tanto deputado, ex-ministro, secretário... Até homicida confesso! Que falta de sorte!
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BRASÍLIA - Dizendo-se constrangido e em meio a várias menções a Deus, o senador Joaquim Roriz (PMDB-DF), acusado de negociar a divisão R$ 2,2 milhões com o ex-presidente do Banco de Brasília Tarcísio Franklin de Moura, subiu à tribuna do Senado na tarde de quinta-feira e negou acordos com dinheiro público na gravação feita pela Polícia Civil do Distrito Federal.
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O país enlouqueceu. A matança é generalizada e a impunidade garantida. Cidadão, polícia, bandido, político, rico, pobre, homem, mulher, criança, idoso - tanto faz: qualquer um pode matar ou morrer. Todos são vítimas e algozes potenciais. Sob ameaça de morte, rouba-se qualquer coisa - celular velho, bicicleta usada, óculos de camelô, tênis falsificado.
O Brasil está louco. Tornou-se uma imensa colônia de psicopatas, catatônicos e idiotas delirantes. É, decididamente, os meninos não deram mesmo sorte.
Monday, July 2, 2007
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