Monday, May 28, 2007

Woody Shaw, Bob Brookmeyer, Ahmad Jamal etc









Jóias jazzísticas voltam ao mercado
"Nova safra de relançamentos conta com atraente material inédito"
Arnaldo DeSouteiro


Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 18 de Agosto de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

O mais recente pacote do selo Legacy, da Sony/BMG, comprova o empenho e o respeito que os diretores da companhia têm pelo jazz. Focalizando Ahmad Jamal, Dexter Gordon, Bob Brookmeyer, Woody Shaw, Art Blakey e Horace Silver, tais reedições chegam reembalados com grande esmero, remasterizados de forma impecável, trazendo faixas inéditas, novos textos e fotos raras nos livretos. Por isso, ao desembarcarem nas lojas esta semana, os seis títulos – até então inéditos em CD no mercado americano – por certo irão provocar consumo imediato e completo deleite nos jazzófilos que verdadeiramente se interessam por música, sem passar o tempo expressando desavergonhadamente o ódio à humanidade – provocado por inveja, recalque e complexos variados – através de blogs manipulados por repugnantes sub-seres.

Músico por quem Miles Davis jamais cansou de manifestar sua admiração, o pianista Ahmad Jamal é reverenciado também por outro estilista incomparável, Randy Weston, nas liner notes para “The complete Okeh & Epic recordings” (76m26s). As duas primeiras faixas (“Surrey with the fringe on top”, “Will you still be mine?”) datam de 25 de outubro de 1951. “Ahmad’s blues”, “A gal in Galico”, “Aki and Ukthay” e a adaptação de “Billy boy” são de 5 de maio de 52. As quinze faixas restantes, captadas na sessão de 25 de outubro de 55 nos famosos estúdios da Columbia na Rua 30, em NY, trazem Israel Crosby substituindo Eddie Calhoun no contrabaixo. Mas o guitarrista é sempre o mesmo nas vinte e uma faixas reunidas neste CD: o fenomenal Ray Crawford, que dá uma aula de “rhythm guitar” levando adiante o conceito de Charlie Christian, e sendo capaz de nos fazer não sentir falta de bateria.

Em alguns momentos (como em “Surrey with the fringe on top”, uma das prediletas de Miles), Ray soa como um baterista usando vassourinhas. Em outros (“Billy boy”, “Love for sale”, “Will you still be mine?”) sua guitarra vale por um bongô. O farto cardápio inclui, claro, “Poinciana”, o maior hit de Jamal, um dos destaques do disco ao lado de releituras deliciosas de “Autumn leaves”, “They can’t take that away from me”, “Old devil moon”, “It’s easy to remember” (pérola redescoberta nos anos 80 por Keith Jarrett), “Perfidia”, “Rica pulpa” e “The donkey serenade”. Em sua autobiografia, Miles não poupou elogios ao ídolo: “Ele me derrubou com sua noção de espaço, leveza de toque, sutileza e fraseado. Além disso, eu gostava das músicas que ele tocava...Sempre achei Ahmad Jamal um grande pianista, que nunca obteve o merecido reconhecimento. No verão de 1954, a influência dele sobre mim ainda não era tão grande quanto se tornou depois. Mas foi por causa dele que gravei “But not for me” numa sessão para a Prestige”, confessa.

Orgia percussiva

Item indispensável para bateristas e percussionistas de qualquer estilo, “Drum suíte” (65m21s), álbum singular na prolífica discografia de Art Blakey, traz três faixas extras: “L’il T” (também conhecida como “The third”) e dois takes de “The new message”. Autor das músicas, o trompetista Donald Byrd atua, em uma sessão em 25 de junho de 1956, ao lado de Ira Sullivan (sax tenor), Kenny Drew (piano) e Wilbur Ware (baixo). Vale dizer que o take 3 de “The new message” havia aparecido na compilação “Originally”, em 1981, mas em truncada edição, aqui dando o ar da graça na versão completa, sem cortes. Outra formação pouco badalada dos Jazz Messengers – Bill Hardman (trompete), Jackie McLean (sax alto), mais os hoje esquecidos Sam Dockery (piano) e Spanky DeBrest no baixo – gravou, seis meses depois, em 13 de dezembro, “Nica’s tempo” (de Gigi Gryce), “D’s Dilemma” (Mal Waldron) e “Just for Marty” (Hardman).

Porém, o principal atrativo do disco reside nas três primeiras faixas, a cargo de um grupo apropriadamente batizado “The Art Blakey Percussion Ensemble”, reunido em 22 de fevereiro de 1957. O líder desce o sarrafo sem dó nem piedade no cântico ritualístico “The sacrifice” (parceria com Sabu Martinez, que se esbalda nas congas e nos bongôs), “Cubano chant” (do pianista Ray Bryant) e “Oscalypso”, trocadilho feito pelo autor, Oscar Pettiford, lendária figura ouvida no violoncelo e no contrabaixo. Completando a orgiástica formação, aparecem o baterista Jo Jones (não confundir com Philly Joe Jones, como fazem os esclerosados do mensalinho de R$250) e os percussionistas Candido Camero (também dobrando nas congas) e Specs Wright (utilizando tímpanos e gongos), todos também soltando suas vozes. Com a devida autoridade no assunto, o batera Kenny Washington, ardoroso fã de Blakey, comenta toda essa explosão de ritmos afro-cubanos.

Gravado nos dias 2, 18 e 19 de julho de 1958, “Silver’s blue” (44m23s) traz o pianista da formação original dos Messengers, Horace Silver (eleito “pianista revelação de 1956” na votação dos críticos da Downbeat), liderando afiado quinteto de hard-bop com Hank Mobley no sax tenor, Donald Byrd no trompete, Doug Watkins no baixo e Art Taylor na bateria. Apesar da qualidade desta turma, o disco transcorre em fogo brando, ainda que com ótimos solos na faixa-título, na filosófica “To beat or not to beat” e na despretensiosa “Shoutin’ out”, todas de autoria do querido Horacio. Nas duas últimas, Joe Gordon e Kenny Clarke substituem Byrd e Taylor, respectivamente. Mobley, outro personagem injustiçado na história do jazz, assina “Hank’s tune”, mostrando-se em ótima forma nas releituras de “How long has this been going on?”, “I’ll know” e, belo fecho, “The night has a thousand eyes”. No livreto, Horace Ward Martin Tavares Silva, às vésperas de completar 77 anos, tece reflexões sobre a obra.

Refinamento e sutileza

Esnobado na edição de Setembro da Downbeat, recebendo apenas três estrelas, “Bob Brookmeyer & friends” (55m28s) merecia a cotação máxima de cinco. Que discaço! Não há uma falha sequer, e o nível de perfeccionismo é comprovado pelo fato de que na primeira sessão, apesar do timaço ali reunido em 25 de maio de 1964, nenhuma faixa gravada (leia-se ensaiada) chegou ao final, sendo abortada ao menor sinal de titubeio. No dia seguinte, a turminha (Herbie Hancock, Ron Carter, Elvin Jones, Gary Burton, Stan Getz) recrutada pelo grão-mestre do trombone de válvulas registrou três temas. Todos até então inéditos. Dois de Bob (“Time for two”, “Pretty girl”) e, com a canja do insuperável Tony Bennett, uma pungente versão para “Daydream” de Billy Strayhorn.

A parte previamente conhecida do álbum – oito faixas resultantes da sessão de 27 de maio, quando a integração já havia chegado ao ponto máximo – também soa fascinante, de atemporal poder de sedução. Rola um clima mágico, de intensa sofisticação, especialmente nas baladas. O tenor de Getz soa mais aveludado do que nunca, Burton toca com maturidade, e Hancock fornece uma “cama” perfeita para os solistas, adicionando comentários sempre pertinentes. Se a atuação de Ron Carter é previsível pelo toque econômico, seguro e aristocrático, a de Elvin Jones surpreende até os maiores conhecedores de sua obra, como Haroldo Jobim. Tido como um baterista barulhento por seus detratores, Elvin esbanja elegância e sutileza no decorrer de todo o disco, sem deixar de ser peça fundamental na engrenagem que faz de “Misty”, “Skylark”, “Who cares?”, “Jive hoot”, “Bracket”, “Sometime ago” (o tema do argentino Sergio Mihanovich adorado por Bill Evans, não o standard fusion de Chick Corea nos tempos do RTF), “The wrinkle” e “I’ve grown accustomed to her face”.

Sopros bárbaros

Passando para a década seguinte, a coleção se completa com dois petardos de 1978, gravados separadamente por dois até então grandes amigos que logo se tornariam inimigos – por causa de um “rabo de saia”, obviamente. Woody Shaw, que morreu quase na miséria, cego, com um braço amputado (atropelado por um trem ao cair de uma plataforma no metrô de NY) e vitimado pela AIDS devido ao uso de heroína, aos 44 anos (aparentando 60) em 1989, atravessava sua fase áurea. Com Miles temporariamente fora de cena e Freddie Hubbard desperdiçando seu talento numa carreira discográfica altamente irregular, Woody tornara-se “o trompetista” da Columbia. Tinha acabado de lançar sua obra-prima “Rosewood”, melhor LP do ano segundo os leitores da Downbeat, atração constante no programa “Noturno, Jazz & blues” comandado por Célio Alzer aos domingos na saudosa JB-AM. E foi comemorar com uma temporada no Village Vanguard.

Nas noites de 5 e 6 de agosto de 1978, quando a unidade móvel estacionou nos fundos da meca do mainstream-jazz em NY, Woody – tocando “cornet” e flugelhorn – subiu ao palco comandando Onaje Allen Gumbs (piano), Clint Houston (baixo), Victor Lewis (bateria) e Carter Jefferson (saxes soprano & tenor). Como diria Hermeto, “quebraram tudo”! Se “Stepping Stones: live at the Village Vanguard” (70m37s) já era excelente no formato de LP, em CD então, com duas faixas inéditas (“Blues for ball”, de McCoy Tyner, com mais de 17 minutos!, e a bela balada “All things being equal are not”, de Gumbs, movida a vassourinhas), nem se fala. Shaw, de fraseado peculiar, solista que sempre viajava por caminhos inesperados mas sem descambar para a experimentação gratuita, sai logo arrasando nas suas “Stepping stone” (com uma seção em sambão inflamado, Lewis emulando Dom Um Romão) e “In a capricornian way”, outra pauleira de contornos insuspeitos. Todos os músicos estavam no ápice de suas carreiras, como comentam nos textos o trombonista Steve Turre, o produtor Michael Cuscuna e o filho do líder, Woody Shaw III.

Apesar do imenso sucesso no exterior, nem “Rosewood” (taxado de “comercial” pelos puristas...ah, quanta ignorância!) nem “Stepping Stones” foram lançados no Brasil, porque um louco bicão, que aqui comandava o departamento de jazz da CBS naquela época, não “simpatizava” com Shaw. Os discos de Dexter Gordon tiveram melhor sorte por conta dos sonhos eróticos que o literalmente gigante tenorista despertava no bufão e sua corriola de guampudos. Todos hoje necessitando do tal mensalinho de R$250, objeto de deboche de todo o meio musical. Gordon nunca precisou mendigar doses de whisky, embora tenha tomado todas até morrer, no auge da fama, aos 67 anos, em 1990, depois da indicação ao Oscar como protagonista do filme “Round midnight” em 86.

Registrado entre 1 e 4 de maio de 1978, no velho estúdio da Columbia na Rua 30, em NY, “Manhattan symphonie” (70m17s) chegou a sair em LP no Brasil, com seis faixas e o texto original arruinado por uma tradução medonha, típica de quem aprendeu inglês com Araribóia. O CD, com novo texto do pianista George Cables, ganha duas bônus-tracks: “Ruby, my dear” (Monk), mais tarde aproveitada no álbum “Great encounters”, e um take inédito da romântica “Secret love” (Sammy Fain & Paul Francis Webster, vencedora do Oscar em 1953 via “Calamity Jane”, estrelado por Doris Day e Howard Keel) em inusitado andamento rápido. Outro tema de filme, “As time goes by” (da trilha de “Casablanca”), abre o disco, numa interpretação magistral de Dexter. O tenorista e seu infalível trio (Cables, o baixista Rufus Reid e o batera Eddie Gladen) seguem barbarizando por “Moment’s notice”, “Tanya”, “I told you so” (tema de Cables, numa levada de bossa-nova), ““LTD” (do próprio Gordon) e o standard “Body and soul”. Consumava-se a redenção do herói.

Legendas:
Woody Shaw ao vivo, no auge da forma e da fama
Art Blakey embarca numa trip afro-cubana em “Drum suíte”
Bob Brookmeyer lidera um timaço de all-stars

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