Sessões duplas de jazz em atraente série de DVDs
“Chega ao mercado nacional a série Double Time Jazz Collection”
Arnaldo DeSouteiro
“Chega ao mercado nacional a série Double Time Jazz Collection”
Arnaldo DeSouteiro
Artigo escrito em 25 de Junho de 2004 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"
Enquanto a venda de CDs segue despencando, vitimada por pirataria e febre de downloads via internet, o consumo de DVDs cresce a passos largos no mercado brasileiro. A quantidade de lançamentos aumenta a cada semana, não apenas em matéria de filmes, mas também na área de música – inclusive a jazzística. Uma das empresas mais ativas neste segmento, a gravadora paulista ST2 lança agora a série “Double Time Jazz Collection”, que aposta no formato “2 shows em 1 DVD” para conquistar mais consumidores. Sete títulos já estão nas lojas, a preços bem razoáveis, que variam entre R$ 47 e R$65. Na www.somlivre.com, sabe-se lá porque, o DVD de Chick Corea & Niacin custa R$ 64,40 enquanto o de Carmen McRae & Manhattan Transfer sai por R$ 50,90. Mais barato do que no próprio website da gravadora (www.st2.com.br), onde todos custam R$58,80. “Estamos preparando também uma caixa contendo os sete títulos-duplos da série. Cada DVD sairá 20% mais em conta na caixa do que se adquirido separadamente”, antecipa Cláudio Silberberg, um dos diretores da ST2.
Boas dobradinhas
Alguns títulos já haviam sido lançados individualmente. Outros, como o de Kimiko Itoh, a cantora de jazz mais popular do Japão, pela primeira vez ganham edição nacional. No geral, as dobradinhas funcionam bem, juntando artistas de estética similares, ou que pelo menos costumam agradar ao mesmo tipo de público, vide os tributos a John Coltrane e Bill Evans. Em alguns casos, porém, as uniões foram equivocadas. A viagem de Steve Gadd pelo soul-jazz combinaria mais com o energizado fusion do grupo Niacin, que acabou agrupado à arrojada homenagem de Chick Corea à Bud Powell, um dos mestres do bebop. Ainda assim, esta mistura não deixa de ter um lado positivo, se for absorvida por um público mais jovem, livre de preconceitos, que poderá saborear o melhor de cada vertente sem os antolhos usados pelos puristas.
O volume 1, “Chick Corea & Friends/Niacin Live!” (84m/57m), começa com o ultra-versátil Chick – até hoje perseguido por ter sido um dos maiores expoentes do fusion nos anos 70 – em contexto inteiramente acústico, durante a turnê “Remembering Bud Powell”. A performance magistral do pianista foi captada em dois concertos, em 1996. Nos primeiros quatro números – desencavando temas pouco regravados como “Glass enclosure” e “Dusk in sandi” –, filmados no Parthenon Tama, no Japão, ataca com Christian McBride (baixo), Roy Haynes (bateria), Kenny Garrett (sax-alto) e Wallace Roney (trompete), além da canja do vocalista Fred Johnson (omitido da ficha técnica da contracapa) em “Bud Powell”, composição de Corea originalmente lançada no antológico álbum em duo com Gary Burton para a ECM, ao vivo em Zurich, em 79.
Nos outros números, na Alemanha, Joshua Redman substitui Garrett, arrasando (no sax-tenor) na balada “I’ll keep loving you” apoiado apenas por piano e baixo. Na endemoniada recriação de “Un poco loco”, Roy Haynes, então com 70 anos, rouba a cena com solo demolidor. O show do power-trio Niacin, batizado “Blood, sweat & bears” (óbvio trocadilho com o lendário grupo Blood, Sweat & Tears), rola no Japão em 1997, onde o baterista Dennis Chambers desfruta de grande fama. Das dez faixas, oito nasceram como parcerias do organista John Novello (provocando faíscas no Hammond B3) com o baixista Billy Sheehan. As únicas releituras são as de “Birdland” (hit de Joe Zawinul para o Weather Report em 77) e “You Keep Me Hanging On”, sucesso do grupo The Supremes, safra 68.
No segundo volume, “Kenny Drew live at Brewhouse Jazz/An evening with Kimiko Itoh” (55m/87m), mais pepitas. Excelente pianista que nunca alcançou a glória merecida, Kenny Drew (1928-1993) lidera afiado trio, em 92, com Niels Pedersen (extraordinário baixista, sempre impressionando pela fluência nos solos) e Alvin Queen (baterista infalível, jamais apelando para exibicionismos gratuitos). Acompanhante de Lester Young, Charlie Parker e Dinah Washington, Drew começa destilando elegância em “In your own sweet way” (Brubeck), passa pelo standard “It might as well be spring” (tema de Rodgers & Hammerstein para o filme “State fair”, de 1945), esbanja balanço no calypso “St. Thomas” (Rollins), atinge o máximo de refinamento na elegante revisão de “It could happen to you”, e fecha a tampa com uma adaptação vibrante de “Hushabye”.
O show de Kimiko Itoh documenta sua estréia em New York, em 94, acompanhada por um dream-team: Will Lee (baixo elétrico), Steve Gadd (bateria), Ralph MacDonald (congas & percussão), John Tropea (guitarra) e Ronnie Cuber (saxes soprano & barítono). Nenhuma armação oportunista, deve-se frisar. Este timaço gravou com a cantora na maioria de seus discos dos anos 80 e 90, fase em que Kimiko reinou soberana como a jazz-diva mais popular do Japão. Nos teclados, Soichi Noriki, o único a viajar de Tokyo especialmente para o show em NY, reproduz os arranjos do saudoso Richard Tee, quase todos na onda pop-jazz para canções pop tipo “New York state of mind” e “You’ve got a friend”. Mas há exceções na linha straight-ahead como “Just in time”, “All of me” e “Old devil moon”, além das Jobinianas “Dindi” e “No more blues”, versão de Jon Hendricks para “Chega de Saudade”, a mil por hora e com improvisos de todos os músicos.
Datados mesmo ficaram os vídeos “Live at Record Plant” (55m/45m), frutos de sessões de gravação realizadas no famoso estúdio, em 1985, perante uma platéia de yuppies. Embora um show seja atribuído à dupla Lee Ritenour & Dave Grusin, e outro ao grupo GRP All-Stars, ambos foram filmados no mesmo dia, com a mesma base de burocrática eficiência – Abe Laboriel no baixo, Carlos Vega na bateria e Larry Williams nos teclados. Tudo dentro do asséptico padrão GRP, caracterizado pelo abandono da energia criativa do fusion dos anos 70, substituída pela fórmula anêmica e pasteurizada depois rebatizada de smooth-jazz. Convidados: Ivan Lins, histriônico, canta “Arlequim desconhecido”, “Começar de novo”, e “Antes que seja tarde”; Diane Schurr solta o vozeirão em “Love dance” (de Ivan & Gilson Peranzzetta, letra de Paul Willams), “Reverend Lee” e “Amazing grace”; e Dave Valentin exibe seu arsenal de flautas num momento, digamos, new-age, na exótica “Awakening”.
Climas opostos
Na comparação entre os ingredientes esteticamente opostos encontrados em “Roots – Salute to the saxophone/The Gadd Gang – Digital Live” (56m/59m), o mainstream sai perdendo. Filmado no Brewhouse Theatre, “Roots” reúne quatro saxofonistas de segundo-time apoiados por desentrosada seção rítmica, formada pelo precocemente falecido pianista Don Pullen (escondido em arranjos quadradões), o simpático mas totalmente inexpressivo baixista Santi Debriano, e o veterano batera Idris Muhammad, de primeiríssima categoria, mas irreconhecível neste show decepcionante. O septeto completo aparece somente nos temas de abertura (“Never always”) e encerramento (“Lester leaps in”). As demais faixas trazem um saxofonista de cada vez, começando pelo canastrão Arthur Blythe no sax-alto estridente em “Parker’s mood”. Sam Rivers, decadente, esforça-se no tenor em “Body and soul”. Chico Freeman, também no tenor, homenageia seu pai Von Freeman, bem mais talentoso, em “After dark”. Nathan Davis (soprano) faz apática leitura da balada “You don’t know what love is”.
Tal atmosfera sorumbática contrasta com a pauleira alto-astral de “The Gadd Gang Live”, com o superbaterista Steve Gadd liderando Richard Tee (piano acústico & órgão Hammond), Eddie Gomez (contrabaixo, numa performance de arrepiar os cabelos de quem só conhece suas atuações com Bill Evans), Cornell Dupree (guitarra) e Ronnie Cuber (sax barítono) numa aventura pelo mundo do rhythm & blues e suas variantes. Co-produzido por Kiyoshi Itoh, foi gravado ao vivo num dos mais badalados clubes de jazz de Tokyo, o Pit Inn, no bairro de Roppongi, em junho de 1988. A bandaça finge que vai fazer um show jazzístico, abrindo os trabalhos com “Things ain’t what they used to be” (Mercer Ellington). Mas, em seguida, ataca de “I can’t turn you loose” (Otis Redding). A pauleira prossegue em “Watching the river flow” (Dylan), antes de mergulhar no universo da Motown via “My girl”, unida a “Them changes” do craque Buddy Miles. Com uma atitude tipo “estou tocando minhas músicas favoritas; algum problema?”, Steve passa por “Whiter shade of pale” (clássico do Procol Harum) e chega ao ponto alto da noite na performance de “Signed, sealed, delivered I’m yours” (Stevie Wonder), abrigando solos fantásticos de Cuber, Gomez (ninguém toca funk no baixo acústico tão bem quanto ele) e Gadd. No bis, o escracho final (no bom sentido), juntando “Honky tonk” (Bill Dodgett) com “I can’t stop loving you” (hino romântico de Ray Charles).
Para os amantes do jazz vocal, a grande pedida é o DVD “Carmen McRae - live in Tokyo/Manhattan Transfer - Vocalese live” (81m/80m), reunindo dois longos shows quase perfeitos. Ambos filmados em Tokyo, em 1986. A estilista Carmen coloca a platéia em transe através de emocionantes interpretações para standards como “My old flame”, “But not for me”, “Yesterdays” e Change partners”, demonstrando o talento ímpar de emérita baladista em “That old devil called love”, número-solo no qual se acompanha ao piano elétrico Rhodes. Assessorada nos demais temas por Pat Coil (piano), Bob Bowman (baixo) e Mark Pulice (bateria), escancara a paixão que nutria pela MPB através do samba-funk “Listen here” (“Bêbado”, tema de Marcio Rezende & Wagner Dias lançado por Leny Andrade em 85) e do abre-alas de Djavan, “Flor de lis”, rebatizado “Upside down”, ambos com letras em inglês de Regina Werneck. De Jobim, “Chega de saudade” e “Dindi”, as mesmas escolhidas por Kimiko Itoh.
Dois meses antes, o quarteto Manhattan Transfer botou abaixo o Nakano Sun Plaza Hall durante a turnê da obra-prima “Vocalese”, que faturou vários prêmios Grammy naquele ano. Tudo graças aos espetaculares desempenhos de Janis Siegel, Cheryl Bentyne, Tim Hauser e Alan Paul nos não menos irretocáveis arranjos para temas letrados pelo papa do vocalese, Jon Hendricks. De “Four brothers” a “Birdland”, passando por “Killer Joe”, “Airegin”, “Rambo”, e especialmente “Joy spring” e “Meet Benny Bailey”, nas quais Janis e Cheryl cantam, respectivamente, os solos originais de Clifford Brown e Bailey. Há algumas derrapadas para o pop meloso (“On the boulevard”, “Shaker song”), mas não chegam a macular o espetáculo.
No volume dedicado à amaldiçoada fusion, “Steps Ahead in Tokyo/Roy Ayers live at Brewhouse jazz” (93m52m), a pauleira do Steps em 86, calcada na fusão jazz-rock, leva vantagem sobre o lânguido acid-jazz praticado por Ayers em 93. O guitarrista Mike Stern e o tenorista Michael Brecker aprontam solos rascantes sobre a vigorosa base formada por Darryl Jones (baixista de Miles, Sting e Madonna), Steve Smith (ex-Journey, atual Vital Information) e Mike Mainieri (vibrafone/teclados), fundador do Steps, que já teve seis formações desde 1979 – a última, com o saudoso Bob Berg substituindo Brecker. Temas turbulentos como “Trains”, “Beirut” e “Cajun” evocam o Weather Report pós-Pastorius, mas o ponto alto acaba sendo a luminosa performance de Brecker no EWI (Electronic Wind Instrument, espécie de escaleta da era digital) na balada “In a sentimental mood”, de Duke Ellington.
Ressucitado graças aos DJs do “dancefloor jazz”, sampleado por figuras tipo Mary J. Blige e A Tribe Called Quest, o vibrafonista Roy Ayers sempre apostou na fusão do jazz com elementos do r&b e outras variantes da black-music, pagando um preço caro por esta opção. Neste show no Canadá, relembra “Mystic Voyage”, “Love will bring us together” e “Everybody loves the sunshine”, cujo groove foi reciclado pelos rappers do grupo Brand Nubian. Roy aproveita para homenagear Miles Davis, conseguindo, em seu vibrafone-MIDI chamado Kat, simular um som de trompete com surdina. Na banda, destacam-se o guitarrista Zachary Breaux e o batera Dennis Davis (Stevie Wonder, George Benson), que ainda apronta com o líder um duo vocal digno de Jadir de Castro & Eloir de Moraes na abordagem de “A night in Tunísia”.
Completando a série, o DVD-duplo “Tribute to Coltrane/A tribute to Bill Evans” (57m/53m), já esmiuçado neste caderno na época de sua primeira edição, traz duas formações de all-stars reverenciando, com salutar ousadia, as obras de dois dos mais influentes jazzmen de todos os tempos. Em 87, no “Live Under The Sky”, festival que rolou até meados dos anos 90 no anfiteatro Yomuri Land, os sopranos de Wayne Shorter e Dave Liebman, estimulados por Richard Beirach (piano), Eddie Gomez (baixo) e Jack DeJohnette (bateria), barbarizam em longas releituras de “Mr. PC” (tema dedicado ao baixista Paul Chambers), “India” e “Impressions”, além do reflexivo duo entre Liebman & Beirach na acoplagem das baladas “After the rain” e “Naima”. Também primando por elevado grau de inventividade, a recriação de jóias do repertório de Evans, em 79, conta com três ingleses (o pianista Gordon Beck, o saxofonista/flautista Stan Sulzmann e o batera Tony Oxley), um canadense (Kenny Wheeler, trompete & flugelhorn) e um jovem monstro alemão, o baixista Dieter Ilg. As surpresas sucedem-se infinitamente, a ponto da lírica “Waltz for Debby” surgir numa levada de hard-bop. Maior ousadia, impossível.
Enquanto a venda de CDs segue despencando, vitimada por pirataria e febre de downloads via internet, o consumo de DVDs cresce a passos largos no mercado brasileiro. A quantidade de lançamentos aumenta a cada semana, não apenas em matéria de filmes, mas também na área de música – inclusive a jazzística. Uma das empresas mais ativas neste segmento, a gravadora paulista ST2 lança agora a série “Double Time Jazz Collection”, que aposta no formato “2 shows em 1 DVD” para conquistar mais consumidores. Sete títulos já estão nas lojas, a preços bem razoáveis, que variam entre R$ 47 e R$65. Na www.somlivre.com, sabe-se lá porque, o DVD de Chick Corea & Niacin custa R$ 64,40 enquanto o de Carmen McRae & Manhattan Transfer sai por R$ 50,90. Mais barato do que no próprio website da gravadora (www.st2.com.br), onde todos custam R$58,80. “Estamos preparando também uma caixa contendo os sete títulos-duplos da série. Cada DVD sairá 20% mais em conta na caixa do que se adquirido separadamente”, antecipa Cláudio Silberberg, um dos diretores da ST2.
Boas dobradinhas
Alguns títulos já haviam sido lançados individualmente. Outros, como o de Kimiko Itoh, a cantora de jazz mais popular do Japão, pela primeira vez ganham edição nacional. No geral, as dobradinhas funcionam bem, juntando artistas de estética similares, ou que pelo menos costumam agradar ao mesmo tipo de público, vide os tributos a John Coltrane e Bill Evans. Em alguns casos, porém, as uniões foram equivocadas. A viagem de Steve Gadd pelo soul-jazz combinaria mais com o energizado fusion do grupo Niacin, que acabou agrupado à arrojada homenagem de Chick Corea à Bud Powell, um dos mestres do bebop. Ainda assim, esta mistura não deixa de ter um lado positivo, se for absorvida por um público mais jovem, livre de preconceitos, que poderá saborear o melhor de cada vertente sem os antolhos usados pelos puristas.
O volume 1, “Chick Corea & Friends/Niacin Live!” (84m/57m), começa com o ultra-versátil Chick – até hoje perseguido por ter sido um dos maiores expoentes do fusion nos anos 70 – em contexto inteiramente acústico, durante a turnê “Remembering Bud Powell”. A performance magistral do pianista foi captada em dois concertos, em 1996. Nos primeiros quatro números – desencavando temas pouco regravados como “Glass enclosure” e “Dusk in sandi” –, filmados no Parthenon Tama, no Japão, ataca com Christian McBride (baixo), Roy Haynes (bateria), Kenny Garrett (sax-alto) e Wallace Roney (trompete), além da canja do vocalista Fred Johnson (omitido da ficha técnica da contracapa) em “Bud Powell”, composição de Corea originalmente lançada no antológico álbum em duo com Gary Burton para a ECM, ao vivo em Zurich, em 79.
Nos outros números, na Alemanha, Joshua Redman substitui Garrett, arrasando (no sax-tenor) na balada “I’ll keep loving you” apoiado apenas por piano e baixo. Na endemoniada recriação de “Un poco loco”, Roy Haynes, então com 70 anos, rouba a cena com solo demolidor. O show do power-trio Niacin, batizado “Blood, sweat & bears” (óbvio trocadilho com o lendário grupo Blood, Sweat & Tears), rola no Japão em 1997, onde o baterista Dennis Chambers desfruta de grande fama. Das dez faixas, oito nasceram como parcerias do organista John Novello (provocando faíscas no Hammond B3) com o baixista Billy Sheehan. As únicas releituras são as de “Birdland” (hit de Joe Zawinul para o Weather Report em 77) e “You Keep Me Hanging On”, sucesso do grupo The Supremes, safra 68.
No segundo volume, “Kenny Drew live at Brewhouse Jazz/An evening with Kimiko Itoh” (55m/87m), mais pepitas. Excelente pianista que nunca alcançou a glória merecida, Kenny Drew (1928-1993) lidera afiado trio, em 92, com Niels Pedersen (extraordinário baixista, sempre impressionando pela fluência nos solos) e Alvin Queen (baterista infalível, jamais apelando para exibicionismos gratuitos). Acompanhante de Lester Young, Charlie Parker e Dinah Washington, Drew começa destilando elegância em “In your own sweet way” (Brubeck), passa pelo standard “It might as well be spring” (tema de Rodgers & Hammerstein para o filme “State fair”, de 1945), esbanja balanço no calypso “St. Thomas” (Rollins), atinge o máximo de refinamento na elegante revisão de “It could happen to you”, e fecha a tampa com uma adaptação vibrante de “Hushabye”.
O show de Kimiko Itoh documenta sua estréia em New York, em 94, acompanhada por um dream-team: Will Lee (baixo elétrico), Steve Gadd (bateria), Ralph MacDonald (congas & percussão), John Tropea (guitarra) e Ronnie Cuber (saxes soprano & barítono). Nenhuma armação oportunista, deve-se frisar. Este timaço gravou com a cantora na maioria de seus discos dos anos 80 e 90, fase em que Kimiko reinou soberana como a jazz-diva mais popular do Japão. Nos teclados, Soichi Noriki, o único a viajar de Tokyo especialmente para o show em NY, reproduz os arranjos do saudoso Richard Tee, quase todos na onda pop-jazz para canções pop tipo “New York state of mind” e “You’ve got a friend”. Mas há exceções na linha straight-ahead como “Just in time”, “All of me” e “Old devil moon”, além das Jobinianas “Dindi” e “No more blues”, versão de Jon Hendricks para “Chega de Saudade”, a mil por hora e com improvisos de todos os músicos.
Datados mesmo ficaram os vídeos “Live at Record Plant” (55m/45m), frutos de sessões de gravação realizadas no famoso estúdio, em 1985, perante uma platéia de yuppies. Embora um show seja atribuído à dupla Lee Ritenour & Dave Grusin, e outro ao grupo GRP All-Stars, ambos foram filmados no mesmo dia, com a mesma base de burocrática eficiência – Abe Laboriel no baixo, Carlos Vega na bateria e Larry Williams nos teclados. Tudo dentro do asséptico padrão GRP, caracterizado pelo abandono da energia criativa do fusion dos anos 70, substituída pela fórmula anêmica e pasteurizada depois rebatizada de smooth-jazz. Convidados: Ivan Lins, histriônico, canta “Arlequim desconhecido”, “Começar de novo”, e “Antes que seja tarde”; Diane Schurr solta o vozeirão em “Love dance” (de Ivan & Gilson Peranzzetta, letra de Paul Willams), “Reverend Lee” e “Amazing grace”; e Dave Valentin exibe seu arsenal de flautas num momento, digamos, new-age, na exótica “Awakening”.
Climas opostos
Na comparação entre os ingredientes esteticamente opostos encontrados em “Roots – Salute to the saxophone/The Gadd Gang – Digital Live” (56m/59m), o mainstream sai perdendo. Filmado no Brewhouse Theatre, “Roots” reúne quatro saxofonistas de segundo-time apoiados por desentrosada seção rítmica, formada pelo precocemente falecido pianista Don Pullen (escondido em arranjos quadradões), o simpático mas totalmente inexpressivo baixista Santi Debriano, e o veterano batera Idris Muhammad, de primeiríssima categoria, mas irreconhecível neste show decepcionante. O septeto completo aparece somente nos temas de abertura (“Never always”) e encerramento (“Lester leaps in”). As demais faixas trazem um saxofonista de cada vez, começando pelo canastrão Arthur Blythe no sax-alto estridente em “Parker’s mood”. Sam Rivers, decadente, esforça-se no tenor em “Body and soul”. Chico Freeman, também no tenor, homenageia seu pai Von Freeman, bem mais talentoso, em “After dark”. Nathan Davis (soprano) faz apática leitura da balada “You don’t know what love is”.
Tal atmosfera sorumbática contrasta com a pauleira alto-astral de “The Gadd Gang Live”, com o superbaterista Steve Gadd liderando Richard Tee (piano acústico & órgão Hammond), Eddie Gomez (contrabaixo, numa performance de arrepiar os cabelos de quem só conhece suas atuações com Bill Evans), Cornell Dupree (guitarra) e Ronnie Cuber (sax barítono) numa aventura pelo mundo do rhythm & blues e suas variantes. Co-produzido por Kiyoshi Itoh, foi gravado ao vivo num dos mais badalados clubes de jazz de Tokyo, o Pit Inn, no bairro de Roppongi, em junho de 1988. A bandaça finge que vai fazer um show jazzístico, abrindo os trabalhos com “Things ain’t what they used to be” (Mercer Ellington). Mas, em seguida, ataca de “I can’t turn you loose” (Otis Redding). A pauleira prossegue em “Watching the river flow” (Dylan), antes de mergulhar no universo da Motown via “My girl”, unida a “Them changes” do craque Buddy Miles. Com uma atitude tipo “estou tocando minhas músicas favoritas; algum problema?”, Steve passa por “Whiter shade of pale” (clássico do Procol Harum) e chega ao ponto alto da noite na performance de “Signed, sealed, delivered I’m yours” (Stevie Wonder), abrigando solos fantásticos de Cuber, Gomez (ninguém toca funk no baixo acústico tão bem quanto ele) e Gadd. No bis, o escracho final (no bom sentido), juntando “Honky tonk” (Bill Dodgett) com “I can’t stop loving you” (hino romântico de Ray Charles).
Para os amantes do jazz vocal, a grande pedida é o DVD “Carmen McRae - live in Tokyo/Manhattan Transfer - Vocalese live” (81m/80m), reunindo dois longos shows quase perfeitos. Ambos filmados em Tokyo, em 1986. A estilista Carmen coloca a platéia em transe através de emocionantes interpretações para standards como “My old flame”, “But not for me”, “Yesterdays” e Change partners”, demonstrando o talento ímpar de emérita baladista em “That old devil called love”, número-solo no qual se acompanha ao piano elétrico Rhodes. Assessorada nos demais temas por Pat Coil (piano), Bob Bowman (baixo) e Mark Pulice (bateria), escancara a paixão que nutria pela MPB através do samba-funk “Listen here” (“Bêbado”, tema de Marcio Rezende & Wagner Dias lançado por Leny Andrade em 85) e do abre-alas de Djavan, “Flor de lis”, rebatizado “Upside down”, ambos com letras em inglês de Regina Werneck. De Jobim, “Chega de saudade” e “Dindi”, as mesmas escolhidas por Kimiko Itoh.
Dois meses antes, o quarteto Manhattan Transfer botou abaixo o Nakano Sun Plaza Hall durante a turnê da obra-prima “Vocalese”, que faturou vários prêmios Grammy naquele ano. Tudo graças aos espetaculares desempenhos de Janis Siegel, Cheryl Bentyne, Tim Hauser e Alan Paul nos não menos irretocáveis arranjos para temas letrados pelo papa do vocalese, Jon Hendricks. De “Four brothers” a “Birdland”, passando por “Killer Joe”, “Airegin”, “Rambo”, e especialmente “Joy spring” e “Meet Benny Bailey”, nas quais Janis e Cheryl cantam, respectivamente, os solos originais de Clifford Brown e Bailey. Há algumas derrapadas para o pop meloso (“On the boulevard”, “Shaker song”), mas não chegam a macular o espetáculo.
No volume dedicado à amaldiçoada fusion, “Steps Ahead in Tokyo/Roy Ayers live at Brewhouse jazz” (93m52m), a pauleira do Steps em 86, calcada na fusão jazz-rock, leva vantagem sobre o lânguido acid-jazz praticado por Ayers em 93. O guitarrista Mike Stern e o tenorista Michael Brecker aprontam solos rascantes sobre a vigorosa base formada por Darryl Jones (baixista de Miles, Sting e Madonna), Steve Smith (ex-Journey, atual Vital Information) e Mike Mainieri (vibrafone/teclados), fundador do Steps, que já teve seis formações desde 1979 – a última, com o saudoso Bob Berg substituindo Brecker. Temas turbulentos como “Trains”, “Beirut” e “Cajun” evocam o Weather Report pós-Pastorius, mas o ponto alto acaba sendo a luminosa performance de Brecker no EWI (Electronic Wind Instrument, espécie de escaleta da era digital) na balada “In a sentimental mood”, de Duke Ellington.
Ressucitado graças aos DJs do “dancefloor jazz”, sampleado por figuras tipo Mary J. Blige e A Tribe Called Quest, o vibrafonista Roy Ayers sempre apostou na fusão do jazz com elementos do r&b e outras variantes da black-music, pagando um preço caro por esta opção. Neste show no Canadá, relembra “Mystic Voyage”, “Love will bring us together” e “Everybody loves the sunshine”, cujo groove foi reciclado pelos rappers do grupo Brand Nubian. Roy aproveita para homenagear Miles Davis, conseguindo, em seu vibrafone-MIDI chamado Kat, simular um som de trompete com surdina. Na banda, destacam-se o guitarrista Zachary Breaux e o batera Dennis Davis (Stevie Wonder, George Benson), que ainda apronta com o líder um duo vocal digno de Jadir de Castro & Eloir de Moraes na abordagem de “A night in Tunísia”.
Completando a série, o DVD-duplo “Tribute to Coltrane/A tribute to Bill Evans” (57m/53m), já esmiuçado neste caderno na época de sua primeira edição, traz duas formações de all-stars reverenciando, com salutar ousadia, as obras de dois dos mais influentes jazzmen de todos os tempos. Em 87, no “Live Under The Sky”, festival que rolou até meados dos anos 90 no anfiteatro Yomuri Land, os sopranos de Wayne Shorter e Dave Liebman, estimulados por Richard Beirach (piano), Eddie Gomez (baixo) e Jack DeJohnette (bateria), barbarizam em longas releituras de “Mr. PC” (tema dedicado ao baixista Paul Chambers), “India” e “Impressions”, além do reflexivo duo entre Liebman & Beirach na acoplagem das baladas “After the rain” e “Naima”. Também primando por elevado grau de inventividade, a recriação de jóias do repertório de Evans, em 79, conta com três ingleses (o pianista Gordon Beck, o saxofonista/flautista Stan Sulzmann e o batera Tony Oxley), um canadense (Kenny Wheeler, trompete & flugelhorn) e um jovem monstro alemão, o baixista Dieter Ilg. As surpresas sucedem-se infinitamente, a ponto da lírica “Waltz for Debby” surgir numa levada de hard-bop. Maior ousadia, impossível.
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