Nova safra de DVDs filmados em Montreux
“Ella Fitzgerald, Clark Terry e Ray Charles brilham em shows na Suíça”
Arnaldo DeSouteiro
Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 16 de Junho de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"
Investindo no filão cada vez mais rentável dos DVDs, o selo paulista ST2 segue ampliando seu valioso catálogo com títulos filmados no célebre Montreux Festival. De Charles Mingus à Marvin Gaye, passando por Earth, Wind & Fire, Curtis Mayfield e Emerson, Lake & Palmer, os shows já lançados refletem o caráter eclético do evento criado por Claude Nobs em 1967, trazendo não apenas grandes nomes do jazz como também astros do pop, do rock e do rhythm & blues. Aos oito títulos iniciais da série “Norman Granz Jazz in Montreux”, lançados em janeiro, somam-se agora mais três, gravados em 1975 e 1977, creditados a Clark Terry, Eddie “Lockjaw” Davis e ao grupo Jazz at the Philharmonic. Surgem também a primeira apresentação de Ella Fitzgerald (em 1969) e a última de Ray Charles (1997) no badalado Festival, odiado pelos puristas dipluros justamente devido à pluralidade de estilos.
A série “Norman Granz Jazz in Montreux” já esteve previamente disponível em três outros formatos nos últimos 30 anos, atestando a velocidade da evolução tecnológica. Primeiro em LPs (a bolacha preta que a geração-DJ prefere chamar de vinil) a partir de 1975, sendo que vários deles chegaram a sair no Brasil através da antiga Phonogram (depois PolyGram, hoje Universal), então representante do selo Pablo. Depois, quando Norman vendeu todo o seu acervo em 1988 para a Fantasy Records, a simplória arte gráfica das capas originais foi felizmente substituída por novo “design” com fotos do badalado Giuseppe Pino para as reedições em CD.
Curiosamente, apesar do arquivo vendido por Granz incluir não apenas os 350 álbuns lançados pela Pablo desde a sua fundação em 1973, mas também mais de uma centena de fitas com material inédito, o “pacote” não englobava o acervo visual. Através de um acordo entre Granz e a Laser Swing Productions (LSP), todo o material em vídeo das chamadas “Pablo Nights at Montreux” surgiram em LaserDiscs editados pela Pioneer nos anos noventa. Entretanto, como a marca “Pablo” também havia sido vendida à Fantasy, Granz não mais podia usa-la, renomeando a série como “Norman Granz Montreux Concerts”. Com isso, até os títulos de alguns shows precisaram ser alterados, com a jam do grupo “Pablo All-Stars”, em 1977, reaparecendo com a liderança atribuída a Clark Terry.
Os vídeos de Granz reembalados pela ST2, benditos frutos de um acordo firmado, em 2004, entre a francesa LSP e a mega-distribuidora americana Eagle Vision, aparecem com novas capas e tiragem de mil cópias (o de Ella Fitzgerald sai com 2.500 e o de Ray, com 5 mil), som Dolby 5.1 (para reprodução do áudio em Digital Surround é necessário o decodificador DTS), legendas em espanhol e português (com alguns tropeções nas traduções) e comentários do historiador Nat Hentoff filmados, em junho do ano passado, em seu atual local de trabalho, a redação do tablóide novaiorquino Village Voice. Tais análises de Nat são reproduzidas nos livretos dos DVDs, mas permanece a falha grave de omitirem os autores das músicas. E as capas trazem apenas os anos dos shows. Para saber os dias exatos é preciso começar a assistir aos vídeos. Na seção de “extras”, fotos de George Brunschweigh, e uma galeria de ilustrações de David Stone Martin.
Memoráveis jams
O clima de espontaneidade e relaxamento (tanto no bom como no mal sentido), típico das jam-sessions armadas por Norman Granz entre 1944 e 1983, é fielmente retratado no DVD “Jazz at the Philharmonic 75”, captado em 16 de julho daquele ano da primeira caravana de artistas da Pablo à Montreux. Subiram juntos ao palco: Tommy Flanagan (piano), Keter Betts (baixista que acompanhou João Gilberto em “Getz/Gilberto #2), Bobby Durham (bateria), Joe Pass (guitarra), Benny Carter (sax alto), Zoot Sims (sax tenor), e os trompetistas Roy Eldridge e Clark Terry. No CD constavam apenas quatro longas faixas: “For You”, uma displicente versão de dezoito minutos para “Autumn leaves” (com introdução inteiramente desencontrada), a bela balada “If I had you” e “I never knew”. No DVD, uma quinta música, “Sunday”, reconstitui o concerto à sua forma integral. Os melhores solos ficam sempre por conta de Pass – com a costumeira estonteante fluência – Sims e Terry.
Dois anos depois, em 14 de julho de 1977, uma outra pândega foi organizada sob o nome de “The Pablo All-Stars Jam”, usado tanto no LP original como na reedição em CD em 1989. Devido às questões contratuais já explicadas, o vídeo surge com a liderança atribuída aleatoriamente à Clark Terry, talvez por ter sido ele o único horn-player naquela noitada dividida com Durham, Pass, Niels Henning-Orsted Pedersen (baixo), Milt Jackson (vibrafone) e o penetra Ronnie Scott (sax tenor), que caiu de pára-quedas graças à sua influente condição de dono do principal clube de jazz de Londres naquela época. Mas não se tratava de um completo estranho no ninho, pois havia tocado num show do JATP idealizado por Granz em Londres, em 1953.
O LP tinha quatro faixas, o CD ganhou “Sweethearts on parade” como bonus-track, e o DVD traz o bis do show como sexta faixa: inflamada performance de “Donna Lee”, hino do bebop. Os veteranos jazzmen começam a festa meio desanimados no andamento médio de “Cote d’Azur” (tema de Clark Terry originalmente batizado “Minor blues”), acordam em “Pennies from heaven”, e atingem o ápice de swing & energia na incendiária releitura de “Samba de Orfeu”, de Bonfá, com Terry, Jackson, Pass e Peterson em uma sucessão de solos irretocáveis. Pena somente que, na parte final do improviso do pianista, a edição de imagem tenha sido mal feita, sem focalizar o teclado. Em seguida, Clark Terry mostra toda a sua elegância na pungente “God bless the child”, cravando uma das melhores performances em flugelhorn na história do jazz, mantendo a respiração de forma inacreditável durante notável seqüência de frases a capela.
Comparado à tamanho tour-de-force, o DVD do saudoso tenorista Eddie “Lockjaw” Davis, filmado no dia seguinte (15 de julho de 77), soa corriqueiro. Oscar Peterson (sempre com solos irretocáveis) e seu velho comparsa Ray Brown (baixo) roubam a cena, às vezes parecendo estar em uma trip particular, quase ignorando a suposta liderança de Eddie, famoso pela associação com Count Basie. A duplinha também não dá a menor bola para o batera Jimmie Smith (não confundir com o organista Jimmy), que se esforça para adivinhar os caminhos harmônicos e rítmicos por onde Oscar & Ray irão se aventurar. O cardápio é ameno, diversificado e agradável – abrigando “This can’t be love”, “I wished on the moon”, a suntuosa balada “Angel eyes” e a quadradona “The breeze and I” em levada de bossa nova – mas sem momento algum particularmente brilhante. Um set curto, de 50 minutos, incluindo o burocrático bis “Blue Lou”.
Vozes mágicas
Durante grande parte de sua carreira, Ella Fitzgerald teve Norman Granz como empresário e/ou produtor – inclusive na época dos célberes songbooks para a Verve, nos anos 50, e na fase final de sua carreira, após a criação do selo Pablo em 1973. Este DVD “Live at Montreux, 1969”, precioso documento da primeira exibição da cantora no Festival, também deve muito à Norman, que intermediou a contratação da cantora e selecionou o repertório. Escalada para a última noite (22 de junho) daquela terceira edição, Ella chegou ao balneário suíço como a grande estrela do evento, levando um ótimo trio formado por Tommy Flanagan (piano), Frank De La Rosa (baixo) e Ed Thigpen (bateria). Filmado em preto & branco para transmissão pela TV, revela um auditório pequeno, com os espectadores na primeira fileira dispostos em mesas, evocando a atmosfera intimista dos night clubs. Ella havia acabado de lançar “Sunshine of your love”, controvertido disco de apelo pop, produzido por Granz, e estava empenhada em divulgar o trabalho.
Dos quatorze números do show, nada menos do que dez faziam parte do LP, incluindo a faixa-título, hit do grupo de rock Cream. Alguns temas (“Give me the simple life”, e a dose dupla de Burt Bacharach via jazzificada versão para “This girl’s in love with you” e irrepreensível interpretação da sublime “A house is not a home”, adorada por Bill Evans) funcionaram melhor do que outros (“Hey Jude”, dos Beatles, e “Love you madly”, de Ellington, em inconcebível roupagem pop-rock). Vale destacar as magníficas performances em “A place for lovers”, “That old black magic”, “Trouble is a man” e, ponto-alto do show, uma faixa batizada como “Scat medley”. Mas que nada mais é do que fabulosa junção de “Samba de uma nota só” com “Desafinado”, parcerias de Tom Jobim & Newton Mendonça, não creditados na ficha técnica. Dispensando as letras, Ella dispara numa lição de scat-singing, encaixando citações de “A-tisket, a-tasket” e “Anything goes“ no decorrer da aula prática. Ah, tem mais Jobim e outro improviso exemplar em “Inútil paisagem”, na versão de Ray Gilbert.
Completando a coleção, “Ray Charles – Live at Montreux, 1997” capta a terceira e última atuação do gênio da soul-music no Festival. Pilotando um teclado Yamaha KX 88, do qual usa basicamente o registro de piano acústico, eventualmente imitando os sons de Fender Rhodes e de vibrafone usado no engenhoso solo em “Angelina”, Ray arma grooves precisos e esbanja carisma. Não faltam os maiores sucessos como “Busted”, “Georgia on my mind”, “Just for a thrill”, “I can’t stop loving you” (revolucionária recriação do tema country de Don Gibson em 1962) e “A song for you”, entremeados por “Mississipi Mud”, “You made me love you” e o instrumental “Blues for big Scotia” (de Oscar Peterson) em ótimos arranjos, executados por uma big-band com direito à órgão Hammond. Na última parte do show entram em cena as Raelettes, conferindo um tom meio kitsch ao espetáculo, que termina na animação de “What I’d say”, com vários membros da orquestra tocando percussão, inclusive caxixis. Mais uma vez a platéia rendia-se ao talento do entertainer.
Legendas:
“Ella Fitzgerald: aulas de scat em músicas de Jobim”
“Clark Terry, um dos astros da jam-session que sacudiu Montreux em 1977”
“Ray Charles emociona em sua última apresentação em Montreux”
“Ella Fitzgerald, Clark Terry e Ray Charles brilham em shows na Suíça”
Arnaldo DeSouteiro
Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 16 de Junho de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"
Investindo no filão cada vez mais rentável dos DVDs, o selo paulista ST2 segue ampliando seu valioso catálogo com títulos filmados no célebre Montreux Festival. De Charles Mingus à Marvin Gaye, passando por Earth, Wind & Fire, Curtis Mayfield e Emerson, Lake & Palmer, os shows já lançados refletem o caráter eclético do evento criado por Claude Nobs em 1967, trazendo não apenas grandes nomes do jazz como também astros do pop, do rock e do rhythm & blues. Aos oito títulos iniciais da série “Norman Granz Jazz in Montreux”, lançados em janeiro, somam-se agora mais três, gravados em 1975 e 1977, creditados a Clark Terry, Eddie “Lockjaw” Davis e ao grupo Jazz at the Philharmonic. Surgem também a primeira apresentação de Ella Fitzgerald (em 1969) e a última de Ray Charles (1997) no badalado Festival, odiado pelos puristas dipluros justamente devido à pluralidade de estilos.
A série “Norman Granz Jazz in Montreux” já esteve previamente disponível em três outros formatos nos últimos 30 anos, atestando a velocidade da evolução tecnológica. Primeiro em LPs (a bolacha preta que a geração-DJ prefere chamar de vinil) a partir de 1975, sendo que vários deles chegaram a sair no Brasil através da antiga Phonogram (depois PolyGram, hoje Universal), então representante do selo Pablo. Depois, quando Norman vendeu todo o seu acervo em 1988 para a Fantasy Records, a simplória arte gráfica das capas originais foi felizmente substituída por novo “design” com fotos do badalado Giuseppe Pino para as reedições em CD.
Curiosamente, apesar do arquivo vendido por Granz incluir não apenas os 350 álbuns lançados pela Pablo desde a sua fundação em 1973, mas também mais de uma centena de fitas com material inédito, o “pacote” não englobava o acervo visual. Através de um acordo entre Granz e a Laser Swing Productions (LSP), todo o material em vídeo das chamadas “Pablo Nights at Montreux” surgiram em LaserDiscs editados pela Pioneer nos anos noventa. Entretanto, como a marca “Pablo” também havia sido vendida à Fantasy, Granz não mais podia usa-la, renomeando a série como “Norman Granz Montreux Concerts”. Com isso, até os títulos de alguns shows precisaram ser alterados, com a jam do grupo “Pablo All-Stars”, em 1977, reaparecendo com a liderança atribuída a Clark Terry.
Os vídeos de Granz reembalados pela ST2, benditos frutos de um acordo firmado, em 2004, entre a francesa LSP e a mega-distribuidora americana Eagle Vision, aparecem com novas capas e tiragem de mil cópias (o de Ella Fitzgerald sai com 2.500 e o de Ray, com 5 mil), som Dolby 5.1 (para reprodução do áudio em Digital Surround é necessário o decodificador DTS), legendas em espanhol e português (com alguns tropeções nas traduções) e comentários do historiador Nat Hentoff filmados, em junho do ano passado, em seu atual local de trabalho, a redação do tablóide novaiorquino Village Voice. Tais análises de Nat são reproduzidas nos livretos dos DVDs, mas permanece a falha grave de omitirem os autores das músicas. E as capas trazem apenas os anos dos shows. Para saber os dias exatos é preciso começar a assistir aos vídeos. Na seção de “extras”, fotos de George Brunschweigh, e uma galeria de ilustrações de David Stone Martin.
Memoráveis jams
O clima de espontaneidade e relaxamento (tanto no bom como no mal sentido), típico das jam-sessions armadas por Norman Granz entre 1944 e 1983, é fielmente retratado no DVD “Jazz at the Philharmonic 75”, captado em 16 de julho daquele ano da primeira caravana de artistas da Pablo à Montreux. Subiram juntos ao palco: Tommy Flanagan (piano), Keter Betts (baixista que acompanhou João Gilberto em “Getz/Gilberto #2), Bobby Durham (bateria), Joe Pass (guitarra), Benny Carter (sax alto), Zoot Sims (sax tenor), e os trompetistas Roy Eldridge e Clark Terry. No CD constavam apenas quatro longas faixas: “For You”, uma displicente versão de dezoito minutos para “Autumn leaves” (com introdução inteiramente desencontrada), a bela balada “If I had you” e “I never knew”. No DVD, uma quinta música, “Sunday”, reconstitui o concerto à sua forma integral. Os melhores solos ficam sempre por conta de Pass – com a costumeira estonteante fluência – Sims e Terry.
Dois anos depois, em 14 de julho de 1977, uma outra pândega foi organizada sob o nome de “The Pablo All-Stars Jam”, usado tanto no LP original como na reedição em CD em 1989. Devido às questões contratuais já explicadas, o vídeo surge com a liderança atribuída aleatoriamente à Clark Terry, talvez por ter sido ele o único horn-player naquela noitada dividida com Durham, Pass, Niels Henning-Orsted Pedersen (baixo), Milt Jackson (vibrafone) e o penetra Ronnie Scott (sax tenor), que caiu de pára-quedas graças à sua influente condição de dono do principal clube de jazz de Londres naquela época. Mas não se tratava de um completo estranho no ninho, pois havia tocado num show do JATP idealizado por Granz em Londres, em 1953.
O LP tinha quatro faixas, o CD ganhou “Sweethearts on parade” como bonus-track, e o DVD traz o bis do show como sexta faixa: inflamada performance de “Donna Lee”, hino do bebop. Os veteranos jazzmen começam a festa meio desanimados no andamento médio de “Cote d’Azur” (tema de Clark Terry originalmente batizado “Minor blues”), acordam em “Pennies from heaven”, e atingem o ápice de swing & energia na incendiária releitura de “Samba de Orfeu”, de Bonfá, com Terry, Jackson, Pass e Peterson em uma sucessão de solos irretocáveis. Pena somente que, na parte final do improviso do pianista, a edição de imagem tenha sido mal feita, sem focalizar o teclado. Em seguida, Clark Terry mostra toda a sua elegância na pungente “God bless the child”, cravando uma das melhores performances em flugelhorn na história do jazz, mantendo a respiração de forma inacreditável durante notável seqüência de frases a capela.
Comparado à tamanho tour-de-force, o DVD do saudoso tenorista Eddie “Lockjaw” Davis, filmado no dia seguinte (15 de julho de 77), soa corriqueiro. Oscar Peterson (sempre com solos irretocáveis) e seu velho comparsa Ray Brown (baixo) roubam a cena, às vezes parecendo estar em uma trip particular, quase ignorando a suposta liderança de Eddie, famoso pela associação com Count Basie. A duplinha também não dá a menor bola para o batera Jimmie Smith (não confundir com o organista Jimmy), que se esforça para adivinhar os caminhos harmônicos e rítmicos por onde Oscar & Ray irão se aventurar. O cardápio é ameno, diversificado e agradável – abrigando “This can’t be love”, “I wished on the moon”, a suntuosa balada “Angel eyes” e a quadradona “The breeze and I” em levada de bossa nova – mas sem momento algum particularmente brilhante. Um set curto, de 50 minutos, incluindo o burocrático bis “Blue Lou”.
Vozes mágicas
Durante grande parte de sua carreira, Ella Fitzgerald teve Norman Granz como empresário e/ou produtor – inclusive na época dos célberes songbooks para a Verve, nos anos 50, e na fase final de sua carreira, após a criação do selo Pablo em 1973. Este DVD “Live at Montreux, 1969”, precioso documento da primeira exibição da cantora no Festival, também deve muito à Norman, que intermediou a contratação da cantora e selecionou o repertório. Escalada para a última noite (22 de junho) daquela terceira edição, Ella chegou ao balneário suíço como a grande estrela do evento, levando um ótimo trio formado por Tommy Flanagan (piano), Frank De La Rosa (baixo) e Ed Thigpen (bateria). Filmado em preto & branco para transmissão pela TV, revela um auditório pequeno, com os espectadores na primeira fileira dispostos em mesas, evocando a atmosfera intimista dos night clubs. Ella havia acabado de lançar “Sunshine of your love”, controvertido disco de apelo pop, produzido por Granz, e estava empenhada em divulgar o trabalho.
Dos quatorze números do show, nada menos do que dez faziam parte do LP, incluindo a faixa-título, hit do grupo de rock Cream. Alguns temas (“Give me the simple life”, e a dose dupla de Burt Bacharach via jazzificada versão para “This girl’s in love with you” e irrepreensível interpretação da sublime “A house is not a home”, adorada por Bill Evans) funcionaram melhor do que outros (“Hey Jude”, dos Beatles, e “Love you madly”, de Ellington, em inconcebível roupagem pop-rock). Vale destacar as magníficas performances em “A place for lovers”, “That old black magic”, “Trouble is a man” e, ponto-alto do show, uma faixa batizada como “Scat medley”. Mas que nada mais é do que fabulosa junção de “Samba de uma nota só” com “Desafinado”, parcerias de Tom Jobim & Newton Mendonça, não creditados na ficha técnica. Dispensando as letras, Ella dispara numa lição de scat-singing, encaixando citações de “A-tisket, a-tasket” e “Anything goes“ no decorrer da aula prática. Ah, tem mais Jobim e outro improviso exemplar em “Inútil paisagem”, na versão de Ray Gilbert.
Completando a coleção, “Ray Charles – Live at Montreux, 1997” capta a terceira e última atuação do gênio da soul-music no Festival. Pilotando um teclado Yamaha KX 88, do qual usa basicamente o registro de piano acústico, eventualmente imitando os sons de Fender Rhodes e de vibrafone usado no engenhoso solo em “Angelina”, Ray arma grooves precisos e esbanja carisma. Não faltam os maiores sucessos como “Busted”, “Georgia on my mind”, “Just for a thrill”, “I can’t stop loving you” (revolucionária recriação do tema country de Don Gibson em 1962) e “A song for you”, entremeados por “Mississipi Mud”, “You made me love you” e o instrumental “Blues for big Scotia” (de Oscar Peterson) em ótimos arranjos, executados por uma big-band com direito à órgão Hammond. Na última parte do show entram em cena as Raelettes, conferindo um tom meio kitsch ao espetáculo, que termina na animação de “What I’d say”, com vários membros da orquestra tocando percussão, inclusive caxixis. Mais uma vez a platéia rendia-se ao talento do entertainer.
Legendas:
“Ella Fitzgerald: aulas de scat em músicas de Jobim”
“Clark Terry, um dos astros da jam-session que sacudiu Montreux em 1977”
“Ray Charles emociona em sua última apresentação em Montreux”
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