Tuesday, May 22, 2007

Nu-Jazz & Nu-Bossa para as pistas

Nu-Jazz & Nu-Bossa para as pistas
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 13 de Março de 2002 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Desde meados dos anos 80, quando os ingleses retomaram o conceito de jazz como “música (também) para dançar” – algo que não acontecia desde a era do swing -, esta corrente já teve vários nomes. Primeiro, “acid-jazz”, em referência ao ácido ecstasy então no auge da moda na cena clubber londrina. Depois, na medida em que a nova onda se espalhava por toda a Europa e, na década seguinte, chegava ao Japão, foi rebatizada “dancefloor-jazz”, termo bem mais abrangente. Agora, no terceiro milênio, refletindo as transformações ocorridas durante o processo evolutivo do gênero, surgiram os nomes “nu jazz” e “nu bossa” (pronuncia-se “new”, obviamente), já incorporados à terminologia musical. Quem quiser descobrir, na prática, o poder de sedução desta mistura – cujos ingredientes incluem também potentes doses de funk, house, jungle, garage e drum & bass – pode escolher entre vários lançamentos recentes. Todos eles disponíveis tanto em CD como em LP, uma vez que os DJs ortodoxos, figuras determinantes para o fracasso ou o estouro de uma faixa, executam somente os discos de vinil.

Balanço frenético

Uma das principais gravadoras especializadas neste ramo, a italiana Irma Records ganhou fama por suas excelentes compilações. No álbum “On a clear day” (70m26s), classificado como bossa-lounge pelo produtor/DJ Tatsuo Sanaga, pontifica o excelente remix por ele preparado para o standard-título de Alan Jay Lerner & Burton Lane, cantado em italiano pelo vocalista Pierfilippi, adicionado à base original de um disco do duo Montefiori Cocktail. O perfeito equilíbrio entre sons eletrônicos e acústicos, com violão, piano e flauta volta e meia somando-se a programações de baixo e bateria, manifesta-se também nas faixas da Black Mighty Orchestra (“Rua escondida”, sambinha movido a pandeiro e tamborim), da dupla Black and Brown (um arranjo drum & bass para “Blue train”, de Coltrane) e do enigmático Monsieur Blunenberg (“Brazil?”). Rola ainda o swing, em formação de big-band, via The Ray Gelato Giants, e o sambão “Bota prá quebrar”, com o DJ Rodriguez fazendo uma colagem de Jorge Ben & João Bosco.

Outro japa de trânsito internacional, Tomoyuki Tanaka, cuidou não só da seleção de “Irma cocktail lounge & disco” (77m03s), como do remix da faixa de abertura, “I feel love”, recriação da Fantastic Plastic Machine para o hit de Donna Summer & Giorgio Moroder. Em outra releitura, The Heartist (belo trocadilho, Fernandinho!) revira pelo avesso “What a difference a day makes”, o bolero de Maria Grever transformado em clássico do jazz por Dinah Washington, e depois redirecionado para as pistas na versão de Esther Phillips, no auge da discoteca. Há ainda o sampleado naipe de metais em “Brassity” (com os Brass Avengers), um órgão baloiçante em “Oslo lounge”, de Marcheselli, e o remix do DJ Uovo para “Apocalypso”, sucesso do grupo Bossa Nostra, cantado em português por Bruna Loppez. Mas nada supera as duas faixas a cargo da Black Mighty Orchestra: um revigorado “Light my fire” e um reciclado “Slow hot wind”, sem crédito a Mancini, e estranhamente disfarçado pelo novo nome de “Ocean beach”.

Com o carimbo de chill out na contracapa, “Gradation transition” (71m15s), compilação de Kaori Inoue, começa bem viajante nos efeitos de “Reflexion”, do Jestofunk, seguida pela lisérgica “Flora”, com o grupo Dead Bongo. Tudo sob medida para as salas de chill out, onde a moçada, geralmente consumindo litros de água mineral, se recupera dos efeitos das pílulas mais pesadas. Passada a euforia, é hora de recompor as energias curtindo Cybophonia (“Vostok jazz reprise”), Science Force (“Statik flowers”), Bossa Nostra (“Chico desperado”) e dois remixes impecáveis: “Sombre guitar”, hit de Luca “LTJ” Trevisi valorizado pelo DJ A Man Called Adam, e “Sofisticata”, do Montefiori Cocktail, que recebe um super banho de loja – misturando berimbau com cordas suntuosas - conferido pelo craque Nicola Conte. A brasileira Rosalia de Souza (nenhum parentesco com Raulzinho) faz agradável vocalização, enquanto o multi-instrumentista Gianluca Petrella barbariza no solo de trombone e no órgão a la Walter Wanderley.

Clima eletrizante

Selecionadas por Paolo Scotti, diretor do selo DeJaVu, as doze faixas de “Rio evolutions vol. 1 / Zouk nu bossa” (72m35s) fornecem nítido painel da cena européia que, a não ser pela paixão essencial por variantes da batida da bossa nova, pouco tem a ver com as fórmulas da antiga “new bossa” patenteada, no início dos anos 80, por Matt Bianco, Style Council, Sade & cia. A “nu bossa” de hoje é bem menos maquiada em direção ao pop, muito mais naturalmente próxima do sambalanço. Mais calcada nos grooves eletrônicos do que preocupada com o formato canção. Greyboy decola bonito com “Mastered the art”, tão sofisticada quanto a sensual “La boca del rio”, do Stone Inc. Um sax barítono faz misérias em “Anie & beau” (Leo Cesari), uma bateria anos 40 que bem poderia ser de Luciano Perrone incendeia “Carioca” - faixa da Fragment Orchestra contendo samples de “Three views of a secret” do gênio Jaco Pastorius -, a Barrio Jazz Gang cai no funk de “Waves in the sun”, e o Phanaphonic escancara geral em “Exotic pussy”. Sem falar do Kontrapunkt Mix para “Sina”, de Djavan, na voz de Monica Nogueira.

Para comprovar definitivamente que as empulhações brasileiras estão milhas atrás da verdadeira “nu bossa”, o ouvinte ainda tem mais duas opções. Pelo terceiro volume da badalada série “Sister bossa” (64m54s), produzida por Fabrizio Carrer, famoso DJ italiano radicado em New York, desfilam saborosíssimas performances de Clan Greco (“Avenida”), Funkestra (“Um bom motivo”), Banda Favela (“Neguinho”) e Italian Secret Service (“Sunday morning samba”). Curiosamente, dois pontos altos, privilegiando andamentos médios, são permeados por solos de piano Rhodes: “Point of Departure” (Gazzara), e “Snowfield” (Freetempo), de deliciosa atmosfera retrô. Já no CD “Schema bossa suite” (74m16s), um mergulho no acervo do selo Schema, predominam embalos mais acelerados como o samba-jazz do Quintetto X (“Esquema da bossa”, tema do pianista Piero Vincenti), embora o disco comece em clima lounge com o grupo Balanço revisitando “More”, tema do filme “Mondo cane”. Há ainda a instigante “Mr. Bond” (Quartetto Moderno), um irretocável remix do Jazzanova para “Metti una sera a cena” do mestre Ennio Morricone, e até o hard-bop “Lothar”, com o Schema Sextet.

Radicalizando em direção à fusão de jazz com house-music, “The jazz house independent 3rd Issue / A taste of nu-jazz” (73m38s) abriga sucessivos petardos. Do voluptuoso arranjo de Ben Lewis para a primeira faixa, “Last tango in Paris”, obra-prima do saxofonista argentino Gato Barbieri, ao não menos luxuriante “Love themes” (destacando o eletrizante piano do autor, Umbi Damiani), passando pelo remix samba-house de Eric Kupper para “Cool affair” (com cuíca, violão e a guitarra infernal de Andrea Raffini). No recheio, os grooves certeiros de Clan Greco (“Transaction”, tema & produção de Massimo Greco), ZEB (“The water & the sun”, movida por sinuosa linha de baixo) e o remix épico de Jon Cutler para “Spirit of summer”, magnífico tema de Eumir Deodato reprocessado pelo tecladista Francesco Gazzara.

Extremo dos extremos, “Jungle jazz vol.5” (71m36s) junta o que há de mais moderno – no sentido literal do termo -, arrojado e criativo em matéria de dance-music. Pescadas por Frank Siccardi, aparecem alucinantes conjunções de talentos. Tem London Elektricity remixando Nitin Sawhney (“Sunset”), Photek remixando 4 Hero (“Star chasers”), depois o próprio 4 Hero remexendo uma pérola do DJ Krush (“Meiso”), e Matrix desconstruindo Klute (“Phone call”). Entre as loucuras originais, geradas pelas mentes mais talentosamente ensandecidas da cena clubber inglesa: o encontro de G-Force & Seiji no frenético drum & bass de “Sex in space” (recheado por solo de sintetizador e marcações de Rhodes), Imani Izuri soltando seu vozeirão com o 4 Hero (“9 by 9”), e o Sonar Circle barbarizando “em More time”. Pobres coitados dos puristas que não imaginavam desgraça maior do que Miles Davis... He, he, he...!!!

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