Bombardeio de coletâneas
Arnaldo DeSouteiro
(Artigo escrito em 6 de Novembro de 2001 e originalmente publicado no jornal "Tribuna da Imprensa")
Mais uma tempestade de coletâneas no mercado. Só que, ao contrário do que geralmente ocorre nas compilações de MPB, as jazzísticas são cuidadosamente preparadas por experts. Bem embaladas em capas luxuosas, costumam trazer ficha técnica, fotos e até elucidativos textos. Nesta fornada, que agora chega às lojas, predominam mísseis com alvo certo: as pistas de dança do cenário europeu de “dancefloor-jazz”. Ou seja, são petardos de eclético conteúdo, abrigando generosas doses de funk, r&b, soul, rítmos latinos e bossa nova, que tanto podem focalizar um único artista como uma estética específica.
Balanço funkeado
Concebido pelo badalado DJ inglês Ian O’Brien, o CD “Sofistifunk Vol.2” (Irma) traz o subtítulo “Past time grooves for the future”. Concentra-se em registros dos anos 70, abrindo exceção apenas para duas faixas produzidas na década seguinte. Uma delas, a composição “Ilha Grande”, de Jacques Morelenbaum, pescada de um ótimo LP independente da dupla então formada por Jorge Degas & Marcelo Salazar. A outra, “Modern times”, foi criada pelo tecladista Warren Bernhardt para o grupo Steps Ahead. No mais, entre as 13 faixas, amostras da fase áurea da fusion, estilo que os puristas teimam em chamar de modismo para iludir mais um pouco suas vítimas, perdão, seus leitores. Jóias tipo “In a silent way” (na gravação do autor Joe Zawinul), “Rumplestiltskin” (outra do ensandecido austríaco, interpretada pelo quinteto de Cannonball Adderley), “Danish drive” (com o batera Ed Thigpen), “Oceanus” (nas mãos do violonista-mor da ECM, Ralph Towner), “Paraná” (clássico do uruguaio Hugo Fattoruso no registro original para o álbum “Fingers”, do gênio Airto Moreira) e a raríssima versão lançada apenas em compacto, em 76, do tema “Andei”, de Hermeto Pascoal, na voz echoplexada de Flora Purim, editada do LP “Open your eyes you can fly”.
Ainda mais eclético, o décimo volume da consagrada série Mojo Club Dancefloor Jazz, batizado “Love power” (Universal), centrado nos anos 60 e 70, surge disponível em três formatos diferentes: CD-duplo e LP-triplo com 37 faixas, ou CD simples com 20. Reunindo os atuais temas que incendeiam o famoso clube de Hamburgo, comandado pelo DJ Oliver Korthals, vai da sumida cantora Esther Satterfield (“Love music”) ao saudoso vibrafonista Gary McFarland (“Bloop beep”), passando por Eddy Louiss (“Mazurka cocadou”), Earl Grant (“House of bamboo”), Lou Rawls (“Everywhere I go”), Gato Barbieri (“Fiesta”) e Brian Auger (“Break it up”). Além, claro, da eletrizante faixa-título defendida por Dusty Springfield. A porção brasileira fica a cargo de João Donato, balbuciando “Bananeira” na gravação para o disco “Lugar comum”, Simonal gingando numa parceria de Fagner & Belchior (!) chamada “Noves Fora”, e Tim Maia soltando seu vozeirão, em inglês, na crepitante “I don’t know what to do with myself”. Sem contar o trombonão malemolente de Raul de Souza na “Hot stuff”, de Georgie Fame.
Bossas italianas
Com registros do período 1971-78, “Mo’Plen 4000” (Irma), tem um subtítulo que explica quase tudo: “Glamorous boogie grooves for a fashion lifestyle”. Na capa, belíssimas modelos européias em modelitos a la Barbarella. No recheio, 18 faixas heterogêneas, selecionadas pelo papa Scanna. Entre as raridades, Elza Soares cantando a dengosa “Che meraviglia”, de Jorge Ben, na versão italiana feita pelo brasilianista Sergio Bardotti em 1970. Três anos depois de Stevie Wonder entoar “Passo le mie notti qui da sollo”. E quatro antes de Santi Latora revisitar “Jesus Christ superstar”, “Oh! Calcutta” e “Skyscrapers”, um dos hits do disco “Deodato 2”, inclusive reproduzindo o solo de sintetizador de Eumir na versão original. Ainda na área instrumental, Giovanni Fenati mostra seu tratamento lounge para “La ragazza di Ipanema”. Vale destacar também Paolo Ormi (“Cocco secco”), Elio Gandolfi (“Aquarius”) e o clima Manciniano da Orchestra King Zerand em dose dupla (“Night song”, “Love on love”).
Coube ao DJ japonês Ryo Fukawa, conhecido pela alcunha de Rocketman, escolher as 12 faixas de “Voyage to Brazilia” (Irma), extraídas de discos e singles do grupo italiano Bossa Nostra, que tem a talentosa brasileira Bruna Loppez como vocalista. Alguns temas – “Chico desperado”, “Jackie” – aparecem nas gravações originais e em remixes assinados por nomes de peso como Pasta Boys, Luca LTJ Trevisi e Street Vibes. Não faltam as faixas-títulos dos álbuns “Kharmallon” e “Solaria”, além da abordagem tipicamente bossanovista para “The crickets sing for Anamaria” (“Os grilos”), o maior sucesso de Marcos Valle na cena acid-jazz. Volta e meia, marcam presença vários convidados que acrescentam flauta, trompete, trombone e percussão às balançadas bases criadas por Stefano Carrara, Adriano Molinari, Luca Savazzi e Luigi Storchi.
Trilhas e latinidades
Para cinéfilos e amantes de trilhas sonoras, nada mais indicado do que o segundo volume de “The mad, mad world of sound tracks” (Universal), outro lançamento simultâneo em vinil e CD, trazendo 20 faixas do período 1966-74. Compilado pelos alemães Matthias Kunnecke, Frank Jastfelder & Stefan Kassel, abre com John Gregory executando o tema de Oliver Nelson para o seriado “O homem de seis milhões de dólares”. O fantástico trombonista Kai Winding bombeia “Harper”, Jimmy Smith estraçalha no órgão em “The night visitor”, e o maestro Neal Hefti esbanja charme em sua “The odd couple”. No departamento vocal, Astrud Gilberto reafirma sua inexpressividade na melosa “A time for us” - tema de Nino Rota para o filme “Romeu & Julieta” - enquanto Claudine Longet se sai menos pior em “Nothing to lose” (do score de Mancini para “The party”). Chet Baker imprime sua personalidade a “Come Saturday morning”, e Ella Fitzgerald dá um show na suntuosa “A place for lovers”. A surpresa final fica por conta de Scott Walker em “That night”, rara gravação com letra, do craque Norman Gimbel, para o tema principal do filme “The fox” (Lalo Schifrin), cultuado no mundo GLS devido à pioneira temática lésbica.
Mais recente CD da série “Lounge legends” (Universal), a coletânea dedicada ao arranjador/produtor/acordeonista/band-leader Roberto Delgado (nome artístico adotado, no final dos anos 50, pelo alemão Horst Wende) desencava raros registros deste peculiar personagem. Além das funções acima citadas, ele se encarrega também do piano, vibrafone e marimba nas 20 faixas extraídas de sete discos diferentes, captados entre 1967 e 73, com solistas do porte de Herb Geller (flautista americano radicado em Hamburgo) e Ladi Geisler (guitarra). No cardápio, doses duplas de Jorge Ben (“Mas que nada”, “Mocotó”) e Marcos Valle (“Samba de verão”, “Batucada surgiu”), mais Tom Jobim (“Corcovado”), Claus Ogerman (“Un poco Rio”) e Vince Guaraldi (“Cast your fate to the wind”). Também não faltam temas de filmes (“Último tango em Paris”) e seriados (“Hawai 5-0”), relidos de forma original por este amante da latinidade que morreu, em 1996, sem ter viajado à América Latina. Graças à redescoberta pelos DJs, sua música segue atravessando fronteiras.
Legendas:
“O DJ inglês Ian O’Brien mistura Airto, Flora, Salazar, Zawinul e Cannonball num caldeirão de grooves”
“Temas de trilhas famosas são relembrados nas vozes de Astrud, Ella, Chet Baker e Claudine Longet”
Monday, May 14, 2007
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