Big-bands em ação
Arnaldo DeSouteiro
(artigo escrito em 21 de Agosto de 2002 e publicado no jornal "Tribuna da Imprensa")
Formação que teve seu apogeu na era do swing – o único momento histórico em que o jazz foi, de fato, a música pop(ular) americana – a big-band continua tendo uma grande legião de admiradores. Porém, nesses tempos bicudos, o número de bandas em atividade nos EUA reduziu-se drasticamente. As poucas sobreviventes apresentam-se esporadicamente, e gravam menos ainda. Até mesmo band-leaders de grande prestígio na mídia, como Maria Schneider, Toshiko Akiyoshi e Carla Bley – curiosamente, três mulheres guerreiras - lutam com muitas dificuldades para manter suas orquestras em atividade, às vezes aceitando contratos absurdos apenas para evitar uma debandada dos músicos. Não raro acumulam prejuízos, com chances de fechar boas gigs apenas nos festivais do verão europeu.
Ou seja: não há mais chances de reviver o glamour dos anos 30 e 40, quando Artie Shaw, Tommy & Jimmy Dorsey, Glenn Miller, Benny Goodman, Harry James e tantos outros – para não falar de Basie, Ellington e Kenton, que transcendiam o padrão do “swing” – dominavam o mercado. Em New York, por exemplo, restam na ativa a Mingus Big Band, a Vanguard Jazz Orchestra (uma tentativa de manter a chama da banda de Thad Jones & Mel Lewis, que causou furor nos anos 70) e a turminha reacionária da Lincoln Center Jazz Orchestra, liderada pelo traiçoeiro almofadinha Wynton Marsalis, que numa desleal manobra política de bastidores conseguiu fulminar a banda rival (e mil vezes melhor) do Carnegie Hall, comandada por Jon Faddis, e que fez seu show de despedida em junho no JVC Jazz Festival.
Para os fiéis amantes das big-bands, resta a contemplação através dos discos. Geralmente reedições, de custo mínimo para as gravadoras. Ou até mesmo lançamentos de concertos inéditos, como os de Stan Kenton (em Newport, 1957) e Duke Ellington (em Alhambra, 1958), destaques nesta safra da Fantasy Records. Aparecem também três discaços de Woody Herman (o último band-leader da “swing era” a sair de cena, tendo resistido até ter que decretar falência após quase ser preso por dívidas com o imposto de renda americano!), gravados nos anos 70 com arranjos revigorantes. Item mais recente, “Hey Duke!”, captado em 99, traz a Manhattan Jazz Orchestra fundada pelo arranjador David Matthews em NY, mas que excursiona somente pelo Japão e nunca tocou em Manhattan!
Palco iluminado
Registro até então inédito da fascinante performance da Stan Kenton Orchestra no Newport (atual JVC) Jazz Festival, em 5 de julho de 57, “Stompin’ at Newport” (53m) desponta como a melhor descoberta de 2002. Bastariam as duas primeiras faixas (“The opener”, do arranjador Bill Holman e o standard Kentoniano “Artistry in rhythm”) para classificar o CD como imperdível. Mas ainda há muito mais, como os scores para “Stompin’ at the Savoy” (solos de Kenton ao piano, Sam Noto no trompete e Bill Perkins no tenor), “Intermission riff”, “Young blood”, “La suerte de los tontos”, “Then end of a love affair” (Lennie Niehaus, no sax alto, é o solista em seu próprio arranjo) e o impactante tema de encerramento, “The big chase”, do saudoso Marty Paich. Papa do chamado “progressive jazz”, Kenton (1912-1979) era idolatrado no Brasil na época da bossa-nova, conquistando fãs como João Donato (“ele tinha uma foto de Kenton no porta-retrato sobre o seu criado-mudo” esmiúça Ruy Castro em “Chega de saudade”), vidrado nos crepitantes ataques de metais, sobre harmonias cheias de dissonâncias e atonalidades.
O CD “Duke Ellington at the Alhambra” (70m) fica longe de despertar igual entusiasmo. Captado em Paris, em 29 de outubro de 58, circulou em cópias piratas pela Europa durante todos esses anos. Mas esta é a primeira edição oficial nos EUA, a partir das fitas originais, restauradas pelos engenheiros de som Dave Luke & Kirk Felton. Apesar de contar com uma das melhores formações da orquestra e com um repertório muito bem escolhido, nem tudo funciona como deveria. Alguns solos são banais, o excelente clarinetista Jimmy Hamilton se atrapalha todo em “Newport up”, e o igualmente notável tenorista Paul Gonsalves descamba para o exibicionismo no solo de 20 choruses em “Diminuendo and Crescendo in blue”. A platéia tampouco ajuda, reagindo friamente a temas menos batidos tipo “Juniflip”, composta para Clark Terry mostrar sua classe no flugelhorn. Duke tenta quebrar o gelo ao anunciar “Frustration” (solo do lendário Harry Carney no barítono) como “a romantic state of mind”. Mas os franceses só se entusiasmam nos solos do inconfundível sax-alto Johnny Hodges (especialmente em “All of me”), na pancadaria de “Rockin’ in rhythm” e no pot-pourri de sucessos dos anos 20 (“Black and tan fantasy”, “Creole love call” e “Then mooche”).
Bandas explosivas
Nada de “Four brothers”, “Early Autumn” ou “Caldonia” no repertório de Woody Herman nos anos 70, quando gravou uma série de ótimos discos para a Fantasy. Sempre criativo e aberto a inovações, o clarinetista/saxofonista de alta categoria nunca se cansou de evoluir, reinventando a sonoridade de sua banda a medida em que incorporava elementos do triedro sonoro pop-rock-funk. Tanto que, na fase áurea da fusion, as únicas orquestras admiradas sem restrições pelos fãs de Miles & cia, eram as de Herman e Gil Evans. Último band-leader da “swing era” a entregar os pontos, teve um fim trágico. Sem poder trabalhar devido à problemas de saúde, e devendo muito ao imposto de renda por má gestão de seu contador, teve sua casa e todos os seus bens confiscados pelo impiedoso governo americano. Faleceu na miséria, em 1987, aos 74 anos.
Relançados agora em CD na série Original Jazz Classics, três álbuns muito interessantes evidenciam as qualidades que fizeram Woody admirado até por Stravinsky, que lhe dedicou o “Ebony concerto” em 46. Sem cerimônia, WH nunca deixou de trazer, para o “book” da banda, sucessos do mundo pop, devidamente jazzificados. Foi assim com “Everything happens to me” (41), “Laura” (46) e “Red roses for a blue lady” (65), para citar apenas alguns. “The raven speaks” (42m), gravado em 72, manteve esta tradição que jamais descaracterizou a identidade da orquestra, destacando “Fat mama”, “Watermelon man”, Alone again”, “Summer of ‘42”, “It’s too late” e a faixa-título composta por Keith Jarrett, com Woody no sax soprano. Há solos exemplares dos tenoristas Greg Herbert & Frank Tiberi sobre a envenenada base formada por Harold Danko (piano Rhodes), Alphonso Johnson (baixo elétrico), Joe LaBarbera (bateria) e Pat Martino (guitarra).
Com a popularidade em alta, graças a uma nova legião de jovens fãs, Herman fechou a noite reservada para artistas da Fantasy no Festival de Montreux em 6 de julho de 1974. Subiu ao palco às 3 e meia da madruga, após shows demolidores de Flora Purim e Sonny Rollins. Ainda assim, ninguém arredou pé, e a orquestra foi delirantemente aplaudida do primeiro (“I can’t get next to you) ao último número (um bombástico arranjo do soberbo trombonista Jim Pugh para “Crosswind”, de Billy Cobham). Tudo isso documentado no CD “Herd at Montreux” (35m), que inclui ainda o trompetista Dave Stahl arrebentando em “Superstar”, Gary Anderson adaptando “Fanfare for the common man” (de Aaron Copland), e o clima sacro no tributo de Alan Broadbent a Duke Ellington em “Tantum ergo”.
Apesar de captado em estúdio, em janeiro de 75, o entusiasmo e o nível de energia permanecem altíssimos no CD “King Cobra” (37m), trazendo a Thundering Herd mais uma vez ampliando horizontes. Os arranjos de Gary Anderson para hits de Stevie Wonder (“Don’t you worry ‘bout a thing”) e Carole King (“Jazzman”) figuram, sem provocar estranhezas, lado a lado com o standard “Come rain or come shine” (Woody no sax alto) e um futuro clássico da fusion, “Spain”, de Chick Corea. Como era de costume, integrantes da banda escreviam peças especialmente para cada novo disco. Assim nasceram “Lake taco”, do pianista Andy Laverne, o tempo todo concentrado no Fender Rhodes, e “Toothless Grinn”, de John LaBarbera, com Herman no clarinete.
Fundada de modo completamente inusitado, a Manhattan Jazz Orchestra nasceu em 88, como uma encomenda do produtor japonês Shigeyuki Kawashima ao maestro David Matthews. A intenção original era ampliar, para big-band, os arranjos de Matthews para o Manhattan Jazz Quintet, o grupo de jazz mais famoso no Japão desde meados dos anos 80. Só que o resultado deu tão certo, e o primeiro disco da orquestra vendeu tanto, que os japoneses decidiram mantê-la como um projeto independente do quinteto, gravando regularmente e contando com feras dos estúdios novaiorquinos em suas fileiras. Neste CD “Hey Duke!” (61m), feito em 99 para celebrar o centenário de nascimento de Ellington, e somente agora lançado além-Japão, David mostra sua condição como um dos melhores arranjadores da atualidade, odiado pelos puristas por conta do ecletismo que o levou a trabalhar com James Brown, Simon & Garfunkel, Benson e Sinatra. Aqui, apronta criativas releituras de “Prelude to a kiss”, “Mood indigo”, “Come sunday” e “In a sentimental mood”, além de sua própria “Song for Edward”. Entre os músicos, brilham Lew Soloff, Ryan Kysor, Jim Pugh e Roger Rosemberg. Supimpa!
Monday, May 14, 2007
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