Sunday, May 27, 2007

"Concierto", de Jim Hall, é relançado em SACD e DVD-A






Celebrando os 30 anos de “Concierto”
Obra-prima de Jim Hall é relançada em SACD e DVD-A
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 14 de Abril de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Há exatos 30 anos, em duas únicas sessões de gravação, em 16 & 23 de abril de 1975, nascia o antológico álbum “Concierto”. Na opinião de nove entre dez fãs de Jim Hall, trata-se da obra-prima do guitarrista. Disco considerado indispensável também para os admiradores de todos os participantes – Paul Desmond, Chet Baker, Ron Carter, Steve Gadd, Roland Hanna e Don Sebesky, captados em performances impecáveis. Nem mesmo os detratores do produtor Creed Taylor, amaldiçoado pelos puristas por fazer projetos taxados de “comerciais”, conseguem encontrar defeitos no álbum. “Aquele disco nasceu da forma mais espontânea possível, apenas sugeri o tema de Joaquin Rodrigo como a peça central e escolhi os músicos, deixando o resto nas mãos de Sebesky”, comenta Creed, 75 anos de sapiência, direto do escritório da CTI Records, em Nova Iorque.

“O melhor LP na história da CTI”, resume Ken Dryden no All Music Guide. “Um clássico, cuja faixa-título é um momento excepcional na história do jazz”, define outro historiador de renome, Doug Payne. “Reúne um grupo de magníficos músicos telepaticamente linkados por seus altamente refinados sensos de lirismo e dinãmica, uma seleção de composições apuradamente equilibrada entre o terreno e o sublime, e a liderança de um mestre-solista no auge da forma”, analisa Steve Futterman. No website da HMV japonesa, a reedição em CD convencional, realizada no mercado asiático em 2000 e contemplada com o cobiçado “seal of approval” da revista Swing Journal, ainda se mantém como o mais vendido dentre os 36 álbuns disponíveis do guitarrista.

Agora, celebrando a terceira década de existência, “Concierto” reaparece em dois novos formatos que disputam a preferência dos audiófilos. Em DVD-Áudio, fabricado no Japão pela King Records, traz apenas as quatro faixas do LP original, devidamente remasterizadas pelo engenheiro Seiji Kaneko. Preservando as mixagens originais de Rudy Van Gelder, roda no raro formato “ultra-stereo” LPCM de 192kHz/24bits, não possuindo uma trilha alternativa compatível com qualquer DVD player Dolby Digital ou DTS, e nem mesmo uma trilha "lower resolution", tipo LPCM 48/16. Traduzindo: toca apenas em aparelhos de DVD de alta resolução, como o Marantz 9500 ou o Denon 2900 (na faixa de 1.300 dólares). Outra opção é um player DVD-Video/Recorder compatível com o formato DVD-A, produzido pela Matsushita (cerca de 3 mil dólares). Mas a pureza cristalina do som compensa o investimento.

Mais acessível, o lançamento em Super Audio CD vem no formato “SACD Hybrid”. Ou seja, roda em aparelhos de CD, DVD e SACD de todos os tipos (e preços). Claro que, ao degustar esta edição híbrida de “Concierto” num CD-player convencional, perde-se bastante da alta fidelidade inerente ao padrão UHR (leia-se Ultra High-Resolution) de 44.1kHz/16bits, obtido no Mobile Fidelity Sound Lab (em Sebastopol, Califórnia) pelo expert Shawn Britton usando o sistema GAIN 2 (Greater Ambient Information Network) de masterização digital. Outras vantagem: além das quatro faixas do LP, há cinco bonus-tracks, mixadas por Danny Kadar. Porém, para desfrutar de toda a gama sonora de freqüências de alta definição, é preciso ouvi-lo num DVD-player que também reproduza SACDs ou em equipamento específico de SACD, dotado de decodificador DSD (Direct Stream Digital).

Em termos de apresentação gráfica, as duas edições se equivalem. Ambos os livretos preservam a foto de capa do incomparável Pete Turner, a ilustração “clean” de Thomas B. Allen, o “design” original do então diretor de arte da CTI Bob Ciano (entrevistado no último número da revista Wax Poetics), e o texto de apresentação do LP, assinado pelo insuperável crítico Leonard Feather. No SACD, há ainda duas fotos mais recentes de Jim Hall, além de liner-notes adicionais encomendadas ao guitarrista Fareed Haque, que inclui João Gilberto na lista de guitar-heroes (de Django Reinhardt à Larry Coryell e John McLaughlin) responsáveis por “introduzir novos elementos no jazz americano”.

Clássico instantâneo

Na época da gravação, Desmond, o mais velho da turma, estava com 56 anos. Chet, em mais uma fase de recomeço, e Creed tinham 46. Depois vinham Jim (44), Roland Hanna (43), Ron e Don (37), e o caçula da turma, Steve Gadd (30). A integração deu-se de forma mágica, instantânea. Em entrevista à Down Beat, em dezembro de 1976, Hall comentou: “Paul Desmond e Ron Carter, que faziam parte do cast da CTI, comentaram que Creed Taylor estava interessado em fazer um disco comigo. Fui conversar com ele, Paul me encorajou a aceitar a proposta e acabamos gravando. A princípio, Creed queria algo de Villa-Lobos, mas Don Sebesky recomendou Aranjuez, do espanhol Joaquin Rodrigo”. No ano seguinte, Jim voltaria a gravar para a CTI, lançando “Big blues” em dupla com Art Farmer.

Em termos artísticos, “Concierto” repetiu o fenômeno verificado, em 73, com a adaptação de Eumir Deodato para “Also Sprach Zarathustra”. O poema sinfônico de Richard Strauss já recebera dezenas de regravações pop após a inclusão na trilha do filme “2001, Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, e dava sinais de esgotamento. Ainda assim, transformou-se subitamente, no arranjo fusion de Eumir, em mega-hit mundial. O célebre segundo movimento, Adágio, do “Concierto de Aranjuez”, havia sido integrado ao mundo do jazz por Miles Davis & Gil Evans no antológico “Sketches of Spain” (1960) e posteriormente por Laurindo Almeida e o Modern Jazz Quartet em “Collaboration” (1964).

A versão de Miles durava 16m19s. A de Laurindo com o MJQ, 11m50s. Jim Hall e seus alquimistas assistentes fizeram a magia durar 19m20s, ocupando o lado B inteiro do LP, superando o tempo máximo de 16 minutos por face estipulado por Creed e Rudy Van Gelder para os discos da CTI, a fim de evitar perda de qualidade dos microsulcos. Mas Creed, que assim como Teo Macero divertia-se fazendo edições durante as mixagens, decidiu nada cortar no álbum “Concierto”, mantendo todas as faixas intactas, exatamente como haviam sido gravadas no estúdio de Van Gelder, em New Jersey.

Jim Hall e Paul Desmond eram velhos amigos, tendo o guitarrista participado de alguns LPs do saxofonista para a RCA nos anos 60. Com Ron Carter, Jim tinha gravado “Alone together” em duo para a Milestone em 72. Mas “Concierto” foi o primeiro registro do guitarrista com Chet Baker. “Eu só havia estado com Chet uma única vez, nunca tínhamos tocado juntos, e isso me deixou um pouco apreensivo, principalmente por saber que Chet e Paul, pessoas de temperamentos distintos, estariam juntos nas mesmas faixas”, revelou Hall ao saudoso Leonard Feather. Mas Jim logo se tranqüilizou ao ver o saudável clima de alto-astral reinante no estúdio.

Obra-de-arte

Na primeira sessão, em 16 de Abril de 75, Creed Taylor procurou deixar Hall à vontade sugerindo a gravação de dois temas de origem familiar. “Two’s blues”, de autoria do líder, mostra Chet (então voltando à ativa, via CTI, após um de seus longos períodos de afastamento para tratar da dependência de drogas) em irrepreensível forma técnica, expondo o tema em contraponto com as frases de baixo e guitarra. O trompetista parte para um solo vibrante, de surpreendentes frases rápidas, seguido por um improviso de guitarra mais “hot” do que “cool” para os padrões de Hall. Steve Gadd, que começara nas vassourinhas, muda para as baquetas durante os improvisos, e também faz um curto solo, preparatório para a volta ao tema.

Seguiu-se “The answer is yes”, de Jane Hall, esposa do guitarrista e cantora amadora que chegou a participar do disco seguinte do marido, “Commitment”. Após a introdução despretensiosa de Jim, que reduz a amplificação de seu instrumento ao mínimo necessário, Chet expõe a melodia e esquenta o clima, deixando-o na temperatura ideal para o solo do líder. O piano de Roland Hanna surge “out of the blue” durante o segundo “chorus” de Hall, de uma forma tão inesperada e espontânea que dá a sensação de que Roland se atrasou e entrou no estúdio naquela hora. E, obviamente, também arrasa em seu improviso, assim como Chet, atiçados pela dobradinha Carter-Gadd.

Uma semana depois, Jim retornou ao estúdio, desta vez com Paul Desmond adicionado ao grupo. Começaram gravando, como aquecimento, “You’d be so nice to come home to”, standard de Cole Porter em clima “straight-ahead”, que acabou escolhido como faixa de abertura do LP. A passagem do solo de Paul para o de Chet, quando o trompetista começa a se insinuar no final do improviso do saxofonista, obtendo singulares efeitos contrapontísticos, é um momento ímpar, de extrema genialidade. Chegam todos ao ápice na transcendental interpretação do Adágio de “Aranjuez”, cuja adaptação aparentemente simples (não confundir com simplista) de Sebesky, dispensando as grandiosas orquestrações típicas da CTI, proporcionou aos solistas um tapete mágico para vôos melódicos de imenso lirismo, ao elaborar uma nova estrutura harmônica dividida em quatro segmentos de oito, dez, oito e dezesseis compassos.

Os solos – Jim, Paul (destilando a essência da sonoridade “dry martini” de seu sax-alto), Chet (num dos melhores improvisos de sua vasta carreira discográfica), Roland (o Chopin do jazz, unindo romantismo e swing de modo singular) e Jim novamente – sucedem-se com extremo requinte e sutileza, como se todos estivessem um palmo acima do chão, flutuando. Ron, com seu toque aristocrático, garante a infalível base de segurança, enquanto Gadd esbanja criatividade ao fornecer, para cada solista, um “groove” diferente, estimulando-os incessantemente. Trata-se, vale frisar, da única faixa com “overdubbing”, pois Jim Hall acoplou um violão clássico, sem prejudicar a fluência da performance. E tudo transcorre sem atropelos, de forma límpida e translúcida, fazendo da faixa uma autêntica obra-de-arte.

A edição em SACD traz as seguintes faixas-bônus: alternate-take mais lento e mais curto de “The answer is yes”, com solos apenas de Chet e Jim, com Roland Hanna usando discretamente um piano elétrico Fender Rhodes; dois takes da deliciosa parceria de Duke Ellington & Billy Strayhorn em “Rock skippin’”, levado em saboroso andamento médio, executado por Hall sem os sopros, apenas com a seção rítmica; uma variação de Jim, Ron & Desmond sobre a canção folclórica mexicana “La paloma azul”, previamente jazzificada por Dave Brubeck, e erroneamente identificada na fita-master como “Unfinished business” porque Creed não sabia o nome da música, gravada na base da brincadeira num intervalo da sessão e abortada em forma de fade-out; e um alternate-take de “You’d be so nice to come home to”, quase tão bom quanto o “oficial”, não ocorressem algumas imprecisões nos ataques dos sopros.

“Concierto” alcançou, nos EUA, um modesto 17° lugar na parada de jazz da Billboard, em fins de 75. No Japão, tornou-se best-seller instantâneo, alcançando 100 mil cópias vendidas em apenas um mês, e permanecendo no topo da parada de jazz da Swing Journal por três meses. Para se ter uma idéia de como, ainda hoje, é cultuado pelos jazzófilos nipônicos, basta dizer que já foi reeditado em CD seis vezes, entre 1984 e 2000. Nos EUA, apesar da vendagem mais modesta, não foram poucas as reedições, tanto em vinil pela própria CTI (em 1979 e 1981, com diferentes artes gráficas) como em CD, via Sony, em 87 e depois com embalagem digipack em 97. Como curiosidade, vale citar que foi também o primeiro disco da CTI a ser relançado em CD na Europa, em 1984 – mais uma prova de seu status, mais do que merecido, no mundo do jazz.


Legendas:
“Em DVD-Áudio, mixagens originais e altíssima resolução sonora em 192kHz e 24bits”
“A edição em SACD Híbrido inclui 5 faixas-extras e toca em equipamentos de CD e DVD”
“Jim Hall (com Ron Carter ao fundo), Don Sebesky e Creed Taylor durante a gravação do disco, em 1975”

No comments: