Sunday, May 27, 2007

DVDs captam feras do jazz em Montreux



DVDs captam feras do jazz em Montreux
“Count Basie, Milt Jackson e Ray Brown brilham em shows na Suíça”
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 27 de Janeiro de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

No curioso momento em que, nesta terra peculiar de nome Brasil, a demanda da classe média pelos DVDs está salvando o que antigamente se chamava de “mercado fonográfico”, compensando a recessão na área de CDs, nenhuma companhia tem desenvolvido um catálogo de DVDs mais amplo e valioso do que o selo paulista ST2. Não apenas no circuito jazzístico, mas também no pop, no rock e até na música clássica, trazendo o melhor do melhor – de Frank Zappa a Bob Marley, passando por Pavarotti, The Doors, Steely Dan, Elvis, Prince, U2, Tony Bennett, Hendrix e Marvin Gaye.

O mais recente presente aos jazzófilos é a série “Norman Granz Jazz in Montreux”, cujos oito títulos iniciais – alguns espetaculares, outros nem tanto, mas ainda assim todos essenciais – já estiveram previamente disponíveis em três outros formatos nos últimos 30 anos, atestando a velocidade da evolução tecnológica. Primeiro em LP (a bolacha preta que a geração-DJ hoje prefere chamar de vinil) a partir de 1975, sendo que vários deles chegaram a sair no Brasil através da antiga Phonogram (depois PolyGram, hoje Universal), então representante do selo Pablo. Depois, quando Norman vendeu todo o seu acervo em 1988 para a Fantasy Records (comprada em 2004 pela Concord), a simplória arte gráfica das capas originais foi felizmente substituída por novo “design” com fotos do badalado Giuseppe Pino para as reedições em CD.

Curiosamente, apesar do arquivo vendido por Granz incluir não apenas os 350 álbuns lançados pela Pablo desde a sua fundação em 1973, mas também mais de uma centena de fitas com material inédito que vem sendo até hoje aproveitado, o “pacote” não englobava o acervo visual. Através de um acordo entre Granz e a Laser Swing Productions (LSP), todo o material em vídeo documentando as chamadas “Pablo Nights at Montreux” surgiram em LaserDiscs editados pela Pioneer nos anos noventa, sempre juntando dois concertos em um único LD. Entretanto, como a marca “Pablo” também havia sido vendida à Fantasy, Granz não mais podia usa-la, renomeando a série como “Norman Granz Montreux Concerts”. Com isso, até os títulos de alguns shows precisaram ser alterados, com a jam do grupo “Pablo All-Stars” de 1977 (famosa pela sensacional recriação de “Samba de Orfeu”), reaparecendo em LD com a liderança atribuída a Clark Terry.

Assim, este comentário nostálgico serve para explicar aspectos burocráticos que podem ser esclarecedores para o consumidor potencialmente interessado nos DVDs agora reembalados pela ST2. Com novas capas, obviamente. Benditos frutos de um acordo firmado, em 2004, entre a francesa LSP e a mega-distribuidora americana Eagle Vision. Com tiragem inicial média de 1.200 cópias, som Dolby 5.1 (para reprodução do áudio em Digital Surround é necessário o decodificador DTS), legendas em espanhol e português (com alguns tropeções na traduções) e comentários do historiador Nat Hentoff filmados, em junho do ano passado, em seu atual local de trabalho, a redação do tablóide novaiorquino Village Voice.

Tais análises de cada título são reproduzidas no livreto dos DVDs, mas, pasmem!, jamais são creditados os autores das músicas. Na seção de “extras”, em todos os DVDs, há um outro depoimento de Hantoff sobre a vida e a personalidade de Granz (“a pessoa que, sem ser músico, mais contribuiu para a história do jazz”), fotos de George Brunschweigh, e uma galeria de ilustrações de David Stone Martin. Apenas no DVD dedicado a Oscar Peterson, aparece uma entrevista com um dos músicos participantes do concerto, o baixista Niels Pedersen, que muito contribuiu para revelar histórias dos bastidores. Fica, então, a pergunta: por que outros músicos ainda vivos, como o próprio Peterson, não foram também entrevistados?

Memoráveis jams

Em ordem cronológica, o primeiro DVD da série, “Count Basie Jam”, filmado em 19 de julho de 1975, mostra o incomparável mestre não na função de band-leader que tanto lhe deu fama, mas como pianista de concepção inigualável. Com seu toque econômico, pontuações precisas e um tremendo swing, o Conde comanda Niels Pedersen (baixo), Louie Bellson (bateria), Milt Jackson (vibrafone) e Roy Eldridge (trompete). Apesar da contracapa citar Roy também como saxofonista, quem destrói no sax-tenor é o gigante Johnny Griffin. Esta turminha se diverte em quatro longos temas: “Billie’s bounce” (de Charlie Parker), “Montreux blues 1”, “Lester leaps in” (de Lester Young, com Bellson, em grande forma, aprontando o melhor solo da noite, inclusive usando dois bumbos e dando uma aula de afinação dos tambores, incorporando ao seu set de bateria os roto-toms fabricados pela Remo que estavam em moda naquela época) e “Montreux blues 2”, outra improvisação viajandona de Basie.

Dois anos depois, em 1977, uma outra caravana da Pablo (documentada com melhor qualidade de som & imagem) desembarcou em Montreux, novamente seguindo o estilo dos famosos concertos JATP (Jazz at the Philharmonic) idealizados por Granz nos anos 40. No DVD dedicado a “Roy Eldridge”, o veterano trompetista tem, em 13 de julho, a excelsa companhia de Oscar Peterson, Niels Pedersen – responsáveis pelos melhores solos – e Bobby Durham (bateria). A indumentária é um caso à parte: Roy parece um marciano, vestindo camisa, calça, paletó e até gravata verde!, enquanto Oscar usa um paletó azul com uma camisa branca cuja gola é maior do que o tubarão do Spielberg, contrastando com a sóbria elegância de Niels num terno impecável. Apesar da idade (65), Eldridge dá o máximo, exibindo seu estilo pré-bop em standards (“Between the devil and the deep blue sea”, “I surrender dear”), e nas suas próprias “Go for” e “Joie de Roy” (equivocadamente chamadas de “Blues” e “Dale’s wail” no DVD), além do delicioso bis com “Bye bye blackbird”. Ao voltar ao palco, feliz da vida com os aplausos, Roy tenta agradecer o carinho da platéia, mas Peterson bruscamente inicia o tema, numa situação visualmente constrangedora.

Noitada divina

Filmado naquela mesma noite, o DVD de “Benny Carter” traz a inconfundível sonoridade do sax-alto do líder investigando as essências de “Three little words”, “In a mellow tone”, “Undecided” e “On Green Dolphin Street”, chegando ao ponto máximo de sensualidade (comparável somente à de Johnny Hodges) na balada Here’s that rainy day”. Em outro momento reflexivo, “Body and soul”, surpreende o público ao trocar o sax pelo trompete. Já elevada ao status de standard jazzístico, a Jobiniana “Wave” também consta do cardápio. No suporte, o trio de apoio –
formado pelo subestimado pianista Ray Bryant, pelo virtuose baixista viking Niels Pedersen e pelo esquecido batera Jimmie Smith – atua de forma compatível com o estilo classudo de Carter. Um show de elegância, suavidade e sutileza interpretativa.

Ainda em 13 de julho de 77, a privilegiada platéia de Montreux assistiu também a uma inesquecível jam-session liderada por “Milt Jackson & Ray Brown”, colegas desde 1946, quando integraram a banda de Dizzy Gillespie. Depois de um período no selo CTI, no qual gravou a obra-prima “Sunflower” com uma formação orquestral, Milt, o maior vibrafonista de todos os tempos, retornou ao “straight-ahead jazz” pelas mãos de Norman Granz. Nesta jam, conta com as estimulantes contribuições de Clark Terry (trompete e flugelhorn), do tenorista Eddie “Lockjaw” Davis, do batera Jimmie Smith, e do pianista jamaicano Monty Alexander – além, claro, da sonoridade volumosa do baixista Ray Brown. Curiosamente, o DVD tem apenas 5 faixas (valendo destacar a balada “Mean to me”, e uma deliciosa versão bossanovista de “You are my sunshine”), omitindo o bis “That’s the way it is” incluído no CD editado no Brasil em 2003, pela BMG. Na próxima semana comentaremos os DVDs focalizando Oscar Peterson, Ray Bryant, Mary Lou Williams e o encontro de Ella Fitzgerald com a banda de Count Basie.

Legendas:
“Roy Eldridge lidera um super-quarteto em show filmado em 1977”
“Milt Jackson & Ray Brown divertem-se em inflamada jam-session”

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