Monday, June 4, 2007

"The Classic Collection": a caixa mágica de Tony Bennett




A caixa mágica de Tony Bennett
Comemorações relativas aos 80 anos do cantor prosseguem com lançamento de luxuosa coleção de 13 CDs
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 23 de Novembro de 2006 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Enganaram-se redondamente aqueles que imaginaram ser o CD “Duets: An American Classic”, lançado em setembro, o ponto alto das comemorações em torno dos 80 anos de Anthony Dominick Benedetto, completados em 3 de agosto. O disco, que mostrou seu potencial de vendas debutando em terceiro lugar na parada pop da Billboard, foi um presente do cantor para o mercado. E vice-versa. Os fãs de carteirinha sabiam tratar-se, como todo “Duets”, de uma jogada de marketing, visando ampliar a popularidade de TB perante uma nova geração consumidora de “astros” como John Legend e Juanes. Entraram também veteranos tipo Barbra Streisand, Paul McCartney, James Taylor e o oportunista de plantão Bono. O resultado não ficou tão ruim quanto os “Duets” de Sinatra. Nem tão escalafobético quanto o de Ray Charles, outro caso de “rito de passagem” que esperamos – toc, toc, toc – não venha a se repetir com Bennett.

Sem abrir mão de gravar “ao vivo” em estúdio, Tony fez questão de registrar tudo face a face com seus convidados, que devem ter tremido nas bases diante do ídolo. Apenas as orquestrações belas, porém previsíveis, de Jorge Calandrelli, foram adicionadas posteriormente. No final, uma constatação inegável mesmo para quem gostou do disco: as regravações de sucessos como “The shadow of your smile” e “Because of you”, além de nem chegarem perto das versões originais (algo que não se poderia exigir, por ser impossível), nada acrescentaram de novo às canções.

Assim, quem ainda pensa em adquirir o disco deve ao menos optar por uma das “expanded issues” disponíveis. Preferencialmente a da cadeia de lojas Target que, além das 19 faixas da edição “normal”, traz o DVD “Making Duets” (de 21 minutos) e quatro faixas extras: “I’ve got the world on a string” ao vivo com Diana Krall no Tanglewood Festival em 2000; “Steppin’ out with my baby” gravada com Michael Bublé em 2006; “I left my heart in San Francisco” extraída do programa de TV “The Judy Garland show” de 1963; e uma bombástica “The lady is a tramp” ao lado de Sinatra durante show no Bally’s, de Atlantic City, em 1988. Ironicamente, todas bem melhores do que as tais dezenove do CD oficial. Ainda assim, os colecionadores obsessivos precisarão recorrer à edição asiática se quiserem ter uma versão extra de “If I ruled the world” em duo com Lee Hom Wang.

Embalagem caprichada

Isto posto, tratemos do verdadeiro presente concedido por Tony à sua legião de fãs: “The Classic Collection”, lançamento Sony-BMG pelo preço sugerido de 169 dólares. Reúne treze CDs embalados luxuosamente na caixa de veludo preto, em forma de cubo, com um desenho de Tony superposto a fotos de capas de discos no painel frontal, gerando efeito tridimensional. Em uma gaveta na parte inferior repousa um livro, igualmente em veludo preto, com a assinatura de TB na capa, sobre uma placa prateada. Abriga, ao longo de 62 páginas, comentários escritos “à mão” pelo artista sobre cada um dos discos e uma série de desenhos feitos por Benedetto retratando paisagens e amigos como Ralph Sharon, Bill Evans, Gerry Mulligan, Duke Ellington, Dizzy Gillespie e até Woody Allen. Tudo sob a direção de arte de Josh Cheuse. Mais chique, impossível.

Musicalmente, o conteúdo (205 faixas) é fantástico, apesar do critério de seleção dos 13 CDs (por que treze? Superstição?) dar margem á inevitáveis discussões sobre qual não deveria ter entrado ou qual não poderia ter ficado de fora. Embora, espertamente, Tony em momento algum afirme ter escolhido os seus discos favoritos, temos bons motivos para apostar nesta provável hipótese. A principal evidência reside na presença de álbuns que foram divisores de água ao longo de sua carreira (“Cloud 7”, “I wanna be around”, “I left my heart in San Francisco”, “The art of excellence”, “MTV Unplugged”), outros pelos quais volta e meia manifestou carinho especial (“The beat of my heart”, “Tony sings for two”, “When lights are low”, “Songs for the jet set”, “Perfectly Frank”) e aqueles dois que ele sempre citou como os prediletos: “The movie song album” e “The Tony Bennett/Bill Evans album”. O décimo-terceiro CD, “The singles collection”, é uma compilação preparada, por Didier Deutsch, para este projeto dirigido por Lisa Buckler.

Jóias preciosas

Aliás, à exceção do encontro com Bill Evans, todos os outros discos também foram “preparados” especialmente para a caixa, remasterizados com tecnologia de ponta. O novo tratamento gráfico recupera as capas originais alteradas em reedições anteriores, inclusive reproduzindo fielmente as contracapas, mantendo os números de catálogo usados nos lançamentos em vinil. Em uma sábia decisão, optou-se por deixar as contracapas amareladas pelo tempo, tal e qual foram encontradas no acervo da companhia. Em vários casos, faixas extras foram adicionadas pelos produtores Danny Bennett – filho e empresário de Tony desde 1979, responsável por revitalizar sua carreira – e Didier Deutsch, homem de confiança da família.

“Cloud 7”, primeiro LP de 12 polegadas gravado por Tony para a Columbia, em 1954, depois de já ter emplacado os hits “Boulevard of broken dreams”, “Because of you” e “Stranger in paradise”, mostra um timbre de voz juvenil, quase irreconhecível para quem somente está familiarizado com as gravações pós-1960. O clima é essencialmente cool e jazzístico, graças ao sedutor despojamento dos arranjos do guitarrista Chuck Wayne e do trompetista Charles Stapney para duas formações de septeto que incluem o batera Ed Shaughnessy, o pianista Gene DiNovi e os saxofonistas Al Cohn e Dave Schildkraut, entre outros. Vale destacar “I fall in love too easily”, “Old devil moon”, “My reverie” e “Darn that dream”.

Atmosferas jazzísticas

“The beat of my heart”, captado em 1957, preserva a atmosfera jazz-oriented. Álbum conceitual, “devised and produced by Tony Bennett and Ralph Sharon” conforme sublinhado na capa, promove o encontro do cantor com bateristas e percussionistas do porte de Art Blakey (fulminante em “Let’s begin” e “Just one of those things”), Chico Hamilton (de vassouradas avalassadoras em “Crazy rhythm” e na faixa-título, com um show de fraseado de TB), Jo Jones (“Lullaby of Broadway”), mais a trinca infernal formada por Candido Camero, Sabu Martinez e Billy Exiner na versão latinizada de “Love for sale”. Às onze faixas originais foram adicionadas seis bonus-tracks em arranjos igualmente contagiantes de Sharon, com as infernais bases rítmicas ornamentados por gigantes como o trombonista Kai Winding, o trompetista Nat Adderley e o flautista Herbie Mann.

Até então uma raridade disputada a peso de ouro nos sebos, “Tony Bennett sings for two”, fruto de uma única sessão em 28 de outubro de 1959, lançada em fevereiro de 1961, reúne somente o cantor e o pianista Ralph Sharon. Às vezes Tony esquece de dosar o vozeirão (“Where or when”, por exemplo), quebrando o intimismo do set. Mas, quando acerta na veia, como em “Mam’selle” e “Street of dreams”, o resultado é de arrepiar.

Adorado por Sinatra, “When lights are low”, finalmente ganhando sua primeira edição em CD, flui sem sobressaltos. Acompanhado pelo Ralph Sharon Trio, com Hal Gaylord no baixo e Billy Exiner na bateria, TB desliza por “Nobody else but me”, “I’ve got just about everything”, “Speak low”, “It had to be you” e a ousada releitura de “On Green Dolphin Street”. Todas gravadas em março de 1964, durante temporada em Las Vegas, à exceção de “Oh! You crazy moon”, captada um mês antes em New York. Pois agora, três outras músicas daquela sessão em NY e nunca editadas – “All of you”, “We’ll be together again” e “How long has this been going on?” – finalmente veem a luz do dia, com o som da voz mais “aberto” do que nas outras faixas. E com a bela capa original de Bob Peak –
criminosamente substituída por uma horrenda quando o disco foi relançado, em LP, em fins dos anos 70 – novamente sendo aproveitada.

Estouro mundial

Ernie Altschuler, produtor de “When lights are low”, acertou sempre com Tony, chegando ao máximo do sucesso no disco de consagração mundial, “I left my heart in San Francisco”, lançado em junho de 1962 juntando takes de diversas sessões registradas em 1957, 58, 59, 60 e 61. Quase todas as músicas haviam sido previamente editadas em singles, inclusive a faixa-título, no arranjo inesquecível de Marty Manning gravado em janeiro de 62, com Sharon ao piano.

Em termos de êxito artístico, o ponto alto da triangulação Bennett-Altschuler-Manning ocorreu em “I wanna be around”, concebido entre outubro e dezembro de 1962, exceto pela inclusão de “Let’s face the music and dance”, que havia sobrado do LP “The beat of my heart”. O cantor, no auge da potência vocal, passeia por “The good life”, “Once upon a summertime”, “Quiet nights of quiet stars” (entoando a versão original de Gene Lees para “Corcovado”, depois lapidada) e outras jóias. Há três faixas inéditas: “Indian Summer” e alternate-takes de “Someone to love” e “If I love again”, enquanto a edição anterior em CD trouxera, como falsas bonus-tracks, sete faixas pertencentes ao LP “This is all I ask”.

A atmosfera se torna ainda mais sofisticada em “Songs for the jet set”, gravado entre janeiro e março de 1965, novamente com Altschuler na produção, mas com Manning substituído por Don Costa, que realizou um dos melhores trabalhos de sua vida, sem comparação com as melosas orquestrações para Sinatra. Na base, para não variar, o infalível trio de Ralph Sharon, com participações do tenorista Al Cohn e do coral The Will Bronson Singers, além de Bobby Hackett (tocando ukelele!) e Joe Marsala (clarinete) em célebre registro de “Sweet Lorraine”. Duas bossas Jobinianas, “Song of the jet” (“Samba do avião”) e “Insensatez” ganham o autêntico tempero brasileiro fornecido pela bateria de Hélcio Milito e pelo violão de Carlos Lyra, embora eles só recebam créditos pela primeira. Também primorosas são as interpretações para “The right to love” (Schifrin) e “Watch what happens” (Legrand), esta última até hoje quase sempre usada por TB como número de abertura de seus shows. Foto do Rio na capa e “Falling in love with love” como bônus.

Discos favoritos

Em 1980, quando conheci Tony Bennett no Rio de Janeiro durante um almoço organizado por nosso amigo comum Richard Templar no “Castelo da Lagoa”, ele me garantiu que seu disco favorito era “The movie song album”. Em 86, ao entrevista-lo para um especial na Rede Manchete, elegeu publicamente o primeiro LP em dupla com Bill Evans. Já nos anos 90, durante um jantar em NY, mudou o voto para “The art of excellence”. Agora em 2006, com os três petardos juntos nesta caixa, TB confirma a preferência por “The movie song album”, escrevendo de próprio punho: “This is my favorite album of all time”.

Não é difícil entender a predileção. Trata-se de um caso raro de disco perfeito, irretocável, com repertório e arranjos espetaculares, um dream-team de músicos (entre eles Jimmy Rowles, Zoot Sims, Luiz Bonfá) e a produção mais uma vez a cargo do sábio Altschuler. Gravado em sua maior parte em dezembro de 1965, lançado no mês seguinte, foi impulsionado pelos compactos “The shadow of your smile” e “Maybe September”, tema de Percy Faith para o filme “The Oscar”, que marcou a estréia de Bennett como ator.

Mas todas as faixas são soberbas, em sua maioria orquestradas pelos próprios autores. De “Girl Talk” (Neal Hefti) a “The pawnbroker” (Quincy Jones), passando por “Emily” (Johnny Mandel), “Never too late” (David Rose) e duas canções de Luiz Bonfá que atua ao violão em “The gentle rain” e “Samba de Orfeu”. Um fato intrigava colecionadores no mundo inteiro: a contracapa original fazia referência a Bonfá também cantando em “Samba de Orfeu”, mas tal suposta vocalização era inaudível. Graças à excelente remasterização feita este ano por Dae Bennett, que expandiu as freqüências, pode-se finalmente ouvir a voz de Bonfá, no canal esquerdo, durante o refrão. Os únicos senões ficam por conta da omissão dos créditos aos músicos Don Payne (baixo) e Dom Um Romão (bateria), atuantes nas músicas de Bonfá, e da injustificável inclusão de duas bônus-tracks sem nenhuma ligação com o álbum, pois pertencem ao LP “A time for love”.

“The Tony Bennett/Bill Evans Album” nasceu como um projeto idealizado por Helen Keane, empresária do pianista, que negociou o disco com a Fantasy Records, já que Tony estava sem gravadora naquele ano de 1975. Os melhores rendimentos acontecem em “Young and foolish”, “Some other time”, “Waltz for Debby” e “But beautiful”. Obra-de-arte, “The art of excellence” marcou o retorno de Tony à Columbia, em 1986, da qual estava afastado desde 1972. As performances em “Why do people fall in love”, “I got lost in her arms”, “So many stars” (de Sergio Mendes) e “How do you keep the music playing?” (superando a gravação de Sinatra) são simplesmente soberbas. “Everybody has the blues”, dueto com Ray Charles que soa como uma forçação de barra, é o único momento equivocado.

“Perfectly Frank”, de 1992, traz 24 faixas (em 74 minutos) do repertório de Sinatra, que considerava Tony o melhor cantor do mundo. A retribuição ao elogio veio através deste controvertido tributo, que inclui até mesmo “signature songs” como “Night and day” e “The lady is a tramp”. TB faturou um Grammy, na categoria “Traditional Pop Vocal”, o primeiro desde a premiação por “I left my heart in San Francisco” exatos trinta anos antes. Repetiu a dose com “Steppin’ out” em 93 e duplamente com “MTV Unplugged”, eleito também “álbum do ano” em 94, além de alcançar o topo da parada de jazz da Billboard. Com as presenças estranhas de Elvis Costello e k.d. lang, ganha agora duas faixas extras: “Just a little street where old friends meet” e “When do the bells ring for me”, não incluídas nem mesmo no DVD do show. Completando a caixa, 26 sucessos (do período 1950-1969) compilados no CD “The singles collection”. Começando, claro, por “Boulevard of broken dreams”, sua estréia na Columbia em abril de 1950, e seguindo por “Because of you”, “Rags to richies”, “Stranger in paradise”, “Smile”, “Lullaby of Broadway” (com a banda de Count Basie), “When Joanna loved me”, “Fly me to the moon”, até chegar a “For once in my life” e “Something”. Feliz Aniversário, fãs de Tony!



Legendas:
“205 faixas em 13 CDs reunidos na caixa “The Classic Collection”
“The movie song album”, o disco favorito de Bennett

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