Sunday, June 3, 2007

Classic Albums: Steely Dan, Grateful Dead, Simply Red, Fleetwood Mac, Nirvana


Revelações históricas na série “Classic albums”
DVDs relembram discos dos grupos Grateful Dead, Steely Dan, Simply Red, Fleetwood Mac e Nirvana
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 8 de Junho de 2006 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Lançada pelo selo paulista ST2, a coleção “Classic abums” está entre as séries de DVDs musicais de maior sucesso no mercado brasileiro. Os primeiros títulos chegaram como produtos importados, mas logo a demanda justificou a prensagem nacional. O segredo da boa repercussão junto ao público é justamente o diferencial de não ser um show nem apenas uma filmagem de estúdio, e sim um documentário que junta esses elementos e ainda soma videoclipes e tudo o mais que possa estar disponível sobre o processo de criação de discos que, justificando o nome da série, se tornaram clássicos. Como focalizam álbuns que alcançaram imensos índices de vendagem, os DVDs automaticamente já saem no lucro, com grande apelo comercial. Afinal, qual fã não vai ter a curiosidade de saber como seu disco favorito foi criado, ainda mais com as fitas originais sendo analisadas pelos próprios artistas?

Pilotando as mesas de som, os astros relembram as variadas etapas de gravação, “levantando” canal por canal, não faltando detalhadas explicações sobre a criação de certos grooves ou certos riffs. É o que acontece, por exemplo, no “re-making of” do antológico “Aja”, do Steely Dan, que nasceu como uma banda e terminou como uma dupla formada por Donald Fagen & Walter Becker. Desde o início dos anos 70 eles já haviam lançado cinco álbuns que chegaram ao Top 40 quando, em 1977, desistiram de manter um conjunto fixo e optaram por gravar “Aja” com um timaço de músicos convidados que incluía Victor Feldman, Joe Sample, Larry Carlton, Tom Scott e Plas Johnson. Não por acaso tornou-se o LP de maior sucesso na carreira do Steely Dan, alcançando o 3º lugar na parada pop da Billboard e 5º lugar na Inglaterra, além de manter-se no Top 40 norte-americano durante um ano inteiro.

Pop classudo

Conhecidos pelo perfeccionismo obsessivo, Becker & Fagen contam a história deste marco do pop-jazz que levou um ano para ser produzido, faturou o Grammy de melhor engenharia de som e deu origem a três singles de grande sucesso: "Peg", "Deacon Blues" e "Josie". Michael McDonald, que mais tarde se juntaria aos Doobie Brothers, fez backing vocals em ”Peg” e “I got the news”, e aparece na filmagem, assim como o produtor Gary Katz, o engenheiro Roger Nichols e alguns dos grandes músicos que trabalharam no disco. Entre eles, Larry Carlton, Dean Parks, Rick Marotta e Wayne Shorter, de antológico solo (de sax tenor) na faixa-título, sob o estímulo de Steve Gadd em uma performance igualmente arrasadora. Gadd não está no vídeo de uma hora de duração, mas outro superbatera, Bernard Purdie, conta o segredo de suas levadas mortais em “Deacon blues” e “Home at last”, em dobradinha com o baixista Chuck Rainey.Tudo isso pontuado por belas imagens de Los Angeles, com a refinada sonoridade funcionando como perfeita trilha sonora do clima de sensualidade e sofisticação que envolvia a cidade nos anos 70.

“Stars”, um dos maiores sucessos de 1991 na Europa, tendo permanecido no topo da parada inglesa por dezenove semanas, é considerado, pelo All Music Guide, o grande clássico do Simply Red, incluindo hits como "Something Got Me Started", "Your Mirror" e "For Your Babies", além da faixa-título. Este DVD conta a história da gravação, faixa a faixa, trazendo também trechos inéditos de shows, imagens de arquivo e videoclipes para relembrar os primeiros sucessos “Money’s to tight to mention” e “Holding back the years”. Mick Hucknall, fundador do SR em 1984, revela suas fontes de inspiração e comenta sua relação com a imprensa (devidamente descascada pelo patrulhamento imbecil aos hábitos de bon-vivant do rapaz, sempre namorador de belas modelos) e com antigos colegas do grupo – tudo antes de Mick, num processo similar ao do Steely Dan, transformar-se no único Simply Red, passando a usar músicos diferentes a cada projeto. O vídeo, de 88 minutos, também apresenta entrevistas com o empresário Elliot Rashman, o produtor Stewart Levine e membros da banda, que na época de “Stars” incluía o guitarrista brasileiro Heitor TP e o baterista/programador japonês Gota Yashiki.

Marco-zero do grunge

Há 15 anos poucos teriam previsto que, naquele mesmo 1991, o Nirvana chegaria ao primeiro lugar da parada pop norte-americana. “Nevermind” não só tirou Michael Jackson (“Dangerous”) do topo da lista da Billboard como conseguiu fazer o que o movimento punk tentou quatorze anos antes sem sucesso. “Nevermind” e as músicas de Kurt Cobain balançaram os alicerces da indústria musical superando todas as expectativas da gravadora Geffen (DGC). Este documentário de 74 minutos explica a trajetória do Nirvana desde a sua formação, em 1987, até a gravação de “Nevermind”, analisando o efeito provocado pelo disco no mundo da música e nos próprios membros da banda, tornando-se um marco na história do rock. Através de entrevistas com as pessoas envolvidas, desvenda a história da banda desde o início, na época de seu primeiro contrato com um selo independente de Seattle chamado Sub Pop – bem antes de chamar a atenção das grandes gravadoras com o lançamento do primeiro disco, "Bleach", em 1989.

Com a mudança para a Geffen Records, negociada pelo produtor Butch Vig, e o lançamento de “Nevermind”, o Nirvana estava pronto para dominar a cena roqueira, com o tema "Smells like teen spirit" (sexto lugar na lista de singles da Billboard, relembrado também através do videoclipe original) virando um hino do indie-rock e do pós-punk. O baixista Krist Novoselic, o baterista Dave Grohl (o segmento de sua entrada na banda é um dos destaques) e o produtor Butch Vig compartilham suas lembranças da gravação do álbum e fornecem uma visão da personalidade de Kurt Cobain como compositor. Vide “Drain you”, “Lithium”, “Come as you are”, “Polly” e “Territorial pissings”. Com legendas em português, espanhol e inglês, o DVD traz ainda depoimentos de Jonathan Poneman (do Sub Pop), de Gary Gersh da gravadora Geffen, e de Thurson Moore, do Sonic Youth, mostrando porque “Nevermind”, com sua instigante capa bolada por Robert Fisher (até mesmo o bebê da foto, Elden Spencer, foi entrevistado aos 15 anos), entrou para a história como o álbum que cristalizou a estética “grunge”. Detalhe curioso: o nome de Courtney Love – a esposa doidona de Cobain – e a palavra “suicídio” jamais são mencionados.

Sexo, drogas e pop-rock

Outro a merecer estar presente nesta série, “Rumours”, do Fleetwood Mac, gravado em 1977, vendeu 15 milhões de cópias, mantendo-se na parada inglesa durante um incrível total de 433 semanas, além de permanecer 130 semanas na lista da Billboard. “Rumours” também faturou o Grammy de “álbum do ano”. Naquela época, o FM já tinha passado por radicais mudanças estéticas desde a sua criação, em 1967, como uma banda de blues em Londres. Mas foi em 1974, depois de muitas alterações na sua formação, que os então novatos Lindsey Buckingham e Stevie Nicks se juntaram na Califórnia a Mick Fleetwood, John McVie e Christine McVie, iniciando a fase pop-rock do Fleetwod. Entretanto, quando “Rumours” foi gravado, John e Christine McVie estavam se separando, e o relacionamento de Stevie Nicks e Lindsey Buckingham também estava terminando. Por pouco, muito pouco, o disco, que venderia 19 milhões de cópias somente nos EUA, gerando quatro Top 10 singles (“Dreams”, “Go your own way”, “You make loving fan” e “Don’t stop”, usada por Bill Clinton como tema de sua campanha presidencial em 1992) não saiu... O DVD, de 75 minutos, conta tudo isso, incluindo uma apresentação ao vivo de “The chain” nos anos 80, uma versão de “Songbird” gravada especialmente para o vídeo, e Lindsey Buckingham recriando “Never going back again”, além de revelar que “Second hand news” foi composta enquanto ele ouvia “Jive talking” dos Bee Gees. E todos falam abertamente sobre uso de drogas e traições conjugais.

Viagem psicodélica

Completando o pacote, o DVD “Anthem to beauty” (75m) esmiúça a trajetória do fenômeno Grateful Dead, especialmente entre as gravações do segundo (“Anthem of the sun”) e quarto (“American beauty”) discos. Quando os malucos-belezas se reuniram em San Francisco em 1965 – como uma espécie de embaixadores do psicodelismo, arrebanhando uma multidão de fiéis seguidores, os “Deadheads –, eles passaram a liderar uma nova e revolucionária onda de contracultura que esculhambava os valores tradicionais norte-americanos. Musicalmente, a banda era resultado de inusitada combinação de talentos – das raízes folk e bluegrass de Jerry Garcia ao blues do tecladista Rod "Pigpen" McKernan que usava órgão e celesta; de um baixista, Phil Lesh, fascinado por trompete, música eletrônica e Stochausen, à criatividade de Bill Kreutzman e Mickey Hart, dois bateristas apaixonados por jazz que incorporavam um arsenal percussivo com tímpanos, gongos e sinos. Mickey, que um executivo da Warner, Joe Smith, considerava o mais doidão de todos, mais tarde se aproximaria de um de seus maiores ídolos, o brasileiro Airto Moreira, com quem faria uma série de projetos a partir de 1979 (da trilha de “Apocalypse now” ao fantástico “Dafos”, passando pela produção conjunta de discos do lendário Olatunji).

Gravado em 1968 à base de muito LSD, o experimental "Anthem of the sun", deixou a Warner perplexa e decepcionada. Em seu depoimento, Joe Smith comenta que os rapazes demoravam demais nas gravações, extrapolando os orçamentos e enlouquecendo os engenheiros de som quando pediam “sons de ar pesado” ou “silêncio colorido”, entre outras excentricidades. Mas a música do Grateful Dead evoluiu com as mudanças na vida pessoal de seus membros, e em 1970 eles produziram "American beauty", um disco acústico com fascinantes texturas e melodias de inspiração folk. Finalmente a Warner conseguia as “canções para tocar em rádio” que inexistiam nos trabalhos anteriores. “Truckin’”, por exemplo, que abre o vídeo, chegou ao trigésimo lugar na parada de compactos da Bilboard. Mas “Sugar magnolia” também tocou bastante nas rádios. Para muitos, é a obra-prima do grupo em matéria de discos de estúdio. Este DVD. Inclui imagens raras do mítico grupo em programas de TV (incluindo hilária aparição no “Playboy after dark”), estúdios de gravação e em um filme de Robert Nelson, além de entrevistas com Jerry Garcia, Mickey Hart, o letrista Robert Hunter e até os autores das belas ilustrações de capa. Realmente a maior viagem!

Legendas:
“Aja”, do Steely Dan: obra-prima do pop com elementos jazzísticos
“Anthem to beauty”: mergulho no mundo psicodélico do cultuado Grateful Dead

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