Sunday, June 3, 2007

DVDs: Bill Wyman, Albert Collins, Pointer Sisters, Buddy Miles




Balaio de variedades
“Antigos sons recuperados em nova fornada de DVDs”
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 20 de Abril de 2006 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

O mercado de DVDs, em franca expansão no Brasil, tem fornecido inúmeras alegrias aos colecionadores. De todos os estilos. Na mais recente safra de lançamentos que agora chega às lojas, em prensagens nacionais distribuídas pelos selos Indie e ST2, predomina um filão inesgotável: os arquivos de televisão. Seja em shows completos, como os realizados por Bill Wyman e Albert Collins para o programa “Ohne Filter Musik Pur”, da TV alemã, ou em compilações temáticas extraídas do precioso acervo do “Ed Sullivan Show”, da TV americana, reunindo desde os Beatles até James Brown em início de carreira, passando por Janis Joplin e Rolling Stones. Há também uma interessante antologia de “Guitar heroes” e a coletânea de clips “Disco inferno”. Em termos de apresentações individuais, o ecletismo aumenta ainda mais através da new-wave eletrônica de Gary Numan, do r&b das Pointer Sisters e dos Isley Brothers, do rock-blues do lendário batera Buddy Miles, e da explosiva mistura de rap e heavy-metal patenteada por Ice-T e seu Body Count.

Fonte germânica

O badalado programa “Ohne Filter Musik Pur” – cuja tradução literal significa “Sem filtro, música pura” – vem sendo exibido continuamente desde 1983. Cerca de trezentos artistas, dos mais diversos gêneros, já passaram pelo Estúdio 5 da TV SWR, na cidade de Baden-Baden. Na época dos Laser VideoDiscs, alguns títulos foram editados naquele formato, focalizando David Sanborn, Crusaders, Shakatak e os brasileiros expatriados Airto Moreira, Tânia Maria e Flora Purim. Quase sempre com a privilegiada platéia em pé, dançando sem parar.

Agora licenciado para edição no Brasil pela Indie Records, em DVD, o acervo da série tem, como seu carro-chefe, “Bill Wyman’s Rhythm Kings in concert”, captado em 26 de abril de 2000. Apesar de sua postura quase apática, o ex-baixista dos Rolling Stones faz uma apresentação impecável, comandando discretamente, em clima de jam-session, um timaço formado por sete músicos (Georgie Fame, Terry Taylor, Albert Lee, Nick Payn, Graham Broad, Gary Brooker, Frank Mead) e duas cantoras (Janice Hoyte e Beverley Skeete). Muso-inspirador da balada “Sweet Georgie Fame”, de Blossom Dearie, o lendário G.F, que já gravou com Raul de Souza e estourou o tema “Yeh yeh” de Rodgers Grant, rouba a cena em vários momentos no órgão Hammond e nos vocais. Entre as doze músicas destacam-se “Jitterbug boogie”, “Let the good times roll”, “Baby workout”, “I put a spell on you” e “Tear it up”.

Doze anos antes, em 27 de outubro de 1988, o bluesman texano Albert Collins levou a platéia do programa ao delírio com seu carisma e seus “guitar walks”, os passos que acompanham o ritmo de sua guitarra Fender. Conhecido como “Iceman” ou “mestre da Telecaster”, em referência ao modelo de seu instrumento, o feioso Collins já se qualificava como uma das maiores estrelas do blues desde os anos 60, por conta do groove irresistível – aqui a serviço de temas tipo “Sack o’ wee”, “Listen here”, “Blackcat bone” e “I got that feeling” – e do timbre metálico de sua pegada. “Frostry”, escolhido para o encerramento, mostra porque Albert foi um dos ídolos de Jimi Hendrix, além de ter gravado com John Lee Hooker e Gary Moore.

Tanto Bill Wyman (“Jump jive and wail”) como Albert Collins (“Tired man”) reaparecem na coletânea “Guitar heroes”, que tem início com Robben Ford (“Prison of love”), um dos blueseiros mais abertos à incorporar elementos de outros estilos – boas amostras de atuações em um contexto jazzístico podem ser conferidas nos vídeos “Rhythmstick” e “Echoes of Ellington”. Outros destaques do DVD: Duke Robillard (“Gee I wish”), o recém-falecido Clarence “Gatemouth” Brown (“Mojo workin’”), Steve Lukather (“Freedom”), o encontro de Edgar Winter com Rick Derringer (“I play guitar”), Larry Carlton antes do atentado a tiros (“I gotta right”) e o saudoso Curtis Mayfield, antes do acidente que o deixou paraplégico ao ser atingido por uma torre de iluminação durante um show, cantando as desventuras de um traficante em “Pusherman”. Assim como nos outros títulos da série, as músicas estão legendadas em português, espanhol e inglês.

Onda retrô

Ainda em se tratando de fonte televisiva, a coletânea “Disco inferno” tem, como subtítulo, “Twenty-one original television recordings”. Começa com o mega-hit “Y.M.C.A.” que transformou o grupo Village People no predileto do público gay, e prossegue com alguns dos principais hinos da era da disco-music. Petardos tipo “Le freak” (com o grupo Chic fundado por Nile Rodgers & Bernard Edwards), “Funkytown” (Lipps Incorporated) e “Celebration”, parceria do Kool & The Gang com o produtor do conjunto na época, o carioca Eumir Deodato, grafado como Deodata na contracapa. A diva Donna Summer está representada por “She works hard for the money”, enquanto Alicia Bridges anuncia “I love the night life” e as meninas do Sister Sledge cantam “All American girls”. A festa continua com os grupos The Gap Band, Odyssey, Four Tops, The Jacksons e Boney M.

No pacote da Indie marcam presença mais três títulos. “The Pointer Sisters live!” capta a mais recente formação (um trio com as irmãs Ruth e Anita, mais a filha de Ruth, Issa Pointer) do excelente grupo vocal que começou como quarteto (com Anita, Ruth, Bonie e June Pointer, esta última falecida há três semanas). O repertório deste show burocrático, filmado em 2004, nada tem a ver com a fase jazzística no selo Blue Thumb em álbuns como o excelente “That’s a plenty” (relançado em CD apenas no Japão) gravado com Herbie Hancock destruindo em uma antológica versão de “Salt peanuts”, fazendo as manas serem eleitas o melhor grupo vocal nas votações dos leitores e críticos da Down Beat em 1974. No DVD estão apenas os sucessos da fase pop-disco dos anos 80, quando emplacaram “Automatic” e “Jump” (do LP “Break out”, premiado com dois Grammys em 84), além de “Neutron dance”, da trilha do filme “Beverly Hills cop”. Sobra técnica, falta adrenalina.

Também em uma linha dançante, ainda que inteiramente diferente, o show de Gary Numan na série “Classic rock legends”, marcado pelo clima dark e pelas programações eletrônicas, funciona com uma viagem no tempo, rumo ao Crepúsculo de Cubatão. Influenciado por Brian Eno, David Bowie e Kraftwerk, mantendo uma postura teatralizada, semi-robótica, Numan leva a platéia ao delírio – ao longo de 50 minutos cravados – com “Cars”, “I can’t stop” e principalmente “Are friends electric?”, marco da new-wave em 79. O show, lançado nos EUA em 2003 e filmado no Hammersmith Odeon de Londres pela Central Independent Television, conta com dois tecladistas, baixo, bateria, guitarra e duas louraças (Diana Wood, Cathy Ogden) nos vocais, além da ótima equipe de iluminação, fundamental para o êxito deste tipo de performance.

Pauleira pura

É exatamente o oposto da linha nua e crua escolhida por Buddy Miles em “Tribute to Jimi Hendrix”. Batera de Hendrix nos histórico LPs “Electric Ladyland” e “Band of Gypsys”, o também cantor e compositor opta pelo formato de power-trio com Joe Thomas (baixo) e Kevon Smith (guitarra). Apesar do título, há apenas duas composições de Jimi: “Voodoo child” e “Purple haze”. De forma vigorosa e eletrizante, os músicos (Buddy parece que vai explodir a qualquer momento, de tão gordo!) seguem baixando o sarrafo em “Knock on wood”, Come together”, um medley unindo “Peter Gunn”, “Take higher” e “Superstition”, e diversos temas do próprio Buddy (incluindo a imprescindível “Them changes”). Complementando o show filmado no Arthur’s Club, em Genebra, Suíça, em 1995, há duas músicas de uma apresentação no parisiense New Morning, em 2000: “Born under a bad sign” e “For your precious love”.

Entrando no pacote da ST2, um outro tipo de pauleira rola em “Smoke Out presents Body Count featuring Ice-T”. A mistura de rap enfurecido e metal vira nitroglicerina pura bem neste show captado, em 2003, na sexta edição do festival anual Smoke Out, quando Ice-T e seu Body Count enlouqueceram 60 mil fãs apesar da chuva torrencial e dos problemas técnicos. Atacando de “Bowels of the devil” e “End game”, o grupo ultrapassou o tempo previsto para sua apresentação, atrasando os outros shows. Mas, apesar da organização ameaçar desligar o som, Ice-T prosseguiu com “There goes the neighborhood” e “Cop killer”, provocando uma reação ainda mais agressiva da platéia, que pulava alucinadamente, exigindo que o show continuasse.

Um clima bem diferente, harmonioso e charmoso, envolve “Summer breeze – Greatest hits live”, primeiro DVD do grupo Isley Brothers, atualmente contando com apenas dois dos irmãos – Ron Isley e sua sedosa voz inconfundível, e Ernie Isley com sua guitarra infalível em grooves certeiros. Um eficiente time de músicos ajuda a cativar rapidamente o público, através de sucessivos sucessos como a ultra-saborosa “Between the sheets” e a sensual “For the love of yoy”, além de “Footsteps in the dark”, “Who’s that lady”, a superpremiada “Twist and shout”, “Voyage to Atlantis”, “Fight the power” e, claro, “Summer breeze”, regravada até por Gabor Szabo. As dispensáveis coreografias bregas, executadas por bem nutridas dançarinas, felizmente não chegam a atrapalhar o conteúdo sonoro.

Tio Sullivan

Ed Sullivan apresentou, durante 23 anos, nas noites de domingo, um programa semanal de variedades que fez história na TV americana. Agora, uma série de DVDs temáticos do “Ed Sullivan Show” reúne os melhores momentos dos quadros musicais filmados, em sua maior parte, nos anos 60. Todos entremeados por pertinentes comentários que situam cada música e cada artista em seu contexto histórico. Embora batizada “Ed Sullivan’s rock’n’roll classics”, incorpora muitos outros estilos. Cada DVD, de duração aproximada de 43 minutos, alternando imagens em preto & branco com outras coloridas, é dividido em dois temas. “Fabulous females/Bad boys of rock” junta, na parte feminina, de Janis Joplin a Diana Ross, passando por Dusty Springfield. Entre os “garotos”, James Brown, Bo Didley (!), Jerry Lee Lewis, The Animals e os Stones em “Satisfaction”.

“West coast rock/Sounds of the cities” mostra preciosidades tipo The Beach Boys (“I get around”), Gladys Knight & The Pips (“I heard it through the grapevine” de Marvin Gaye), The Mamas & The Papas (“California dreamin’”), The 5th Dimension (“California soul”, regravada pelo Tamba 4), e o casal Ike & Tina Turner em dose dupla (“Bold soul sister”, “Proud Mary”). O terceiro DVD, “Lennon & McCartney songbook/Move to the music”, começa com os próprios Beatles (“Ticket to ride”), segue com Petula Clark (“Fool on the hill”) e Smokey Robinson (“Yesterday”), passa novamente pelos Beatles cantando um hit dos Isley Brothers (“Twist and shout”), e termina com Sly & The Family Stone (“Dance to the music”). Resistir à essa nostalgia, quem há de?

No comments: