Sunday, June 3, 2007

Benson, Average White Band & Chic at Montreux





Festas de arromba em Montreux
Benson, AWB e o grupo Chic em shows apoteóticos
Arnaldo DeSouteiro
Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 2 de Março de 2006 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Um novo pacote da apetitosa série “Live at Montreux”, fabricada e distribuída no mercado brasileiro pelo selo paulista ST2, inclui três DVDs de tirar o fôlego. Cada qual a seu modo, todos mostram performances que deixaram em êxtase a platéia presente àquelas noitadas no festival de jazz de maior popularidade em todo o mundo. Fama decorrente do eclético leque de atrações oferecidas pelo diretor Claude Nobs desde 1967, para desespero dos puristas. Afinal, os rancorosos jazz-snobs, praticantes incessantes do ódio à humanidade em suas confrarias de inveja e recalque, com bizarros mitômanos pedófilos posando de ridículos mestres, têm horror a qualquer manifestação de alegria e enlevo proporcionada por algo fora do utópico “jazz puro” pregado pelos fasciolídeos fascistas.

Guitarra mágica

Talvez o mais empolgante vídeo desta safra, o de George Benson capta o guitarrista/cantor em 1986 – exatamente dez anos depois da gravação do álbum “Breezin’”, cujas mais de 5 milhões de cópias vendidas catapultaram Benson para a condição de astro-pop. Naquela noite, endiabrado, ele não deixou a peteca cair em momento algum, começando pelo frenético arranjo de Robbie Buchanan para “Feel like making love” (composição de Eugene McDaniels lançada por Roberta Flack em 74 e usada por GB como faixa de abertura do CD “In your eyes”, em 83). Mantém-se arrasador ao longo de dezoito músicas apresentadas ao longo de 105 minutos, dando-se ao luxo de dispensar mega-hits como “This masquerade” e “Give me the night”. A platéia, maravilhada com outros sucessos contagiantes tipo “Weekend in LA”, “Lady love me one more time” e “Love x love”, parece nem se importar com tais ausências.

As facetas de extraordinário guitarrista e excelente cantor se mostram em perfeito equilíbrio, apoiadas por afiada banda com dois ótimos tecladistas (Barnaby Finch no piano acústico e Dave Garfield no Rhodes) ocupando os lugares pertencentes à Jorge Dalto e Ronnie Foster nos anos 70. A ficha técnica do encarte omite os nomes dos músicos, mas vale destacar também as presenças dos saxofonistas Brandon Fields e Steve Tavaglione (do grupo Caldera) na seção de sopros, ao lado do trompetista Ralph Rickert. A percussionista Vicki Randle arrebenta o tempo todo, além de fazer contracantos e vir à frente do palco para o dueto com George na magistral “Moody’s mood”. O infalível baixista Stanley Banks – único remanescente da época de “Breezin’” que continua até hoje trabalhando com Benson – ainda funciona como percussionista adicional ao usar o pé esquerdo para tocar pandeiro! Isso acontece, por exemplo, em “My latin brother”, do disco “Bad Benson” (73) da fase CTI. Outro belo tema instrumental, “Affirmation”, sucede “Beyond the sea”, a versão em inglês para “La mer”, do chansonier Charles Trenet, gravada por GB no disco “20/20” em 1984.

Caprichando na seqüência do repertório, depois de soltar a voz aveludada nas melosas baladas “In your eyes” e “The greatest love of all”, Benson manda três petardos dançantes: “20/20” (com Michael O’Neill na guitarra-base), “Never give up on a good thing” e “Turn your love around”. Ovacionado, retorna para dois bis. Primeiro, novamente relembrando a época da CTI, faz o melhor solo de guitarra da noite em “Take five” (de “Bad Benson”), liquidando a canja de Sadao Watanabe no sax-alto. Depois, dispara os riffs e os uníssonos (de guitarra & voz) matadores de “On Broadway”, abrigando solo do batera Bubba Bryant. Quem já possuir “Absolutely live” (filmado na Irlanda) e por acaso estiver em dúvida sobre comprar ou não um outro DVD do astro, não deve titubear; “Live at Montreux 1986” é muito superior.

Pista de dança

Dois grupos lendários – Average White Band e Chic – têm suas únicas apresentações em Montreux agora preservadas para a posteridade. O show da AWB em 1977, na fase áurea da banda, começa logo com seu maior sucesso, “Pick up the pieces”, caso raríssimo de tema instrumental a chegar ao topo da parada de pop singles da Billboard (com “AWB”, o segundo LP, gravado em 74, também alcançando o primeiro lugar na lista dos álbuns mais vendidos de pop e black music). O grande espanto para o mundo foi descobrir que aquele potente som “black”, inspirado em James Brown, Marvin Gaye e Tower of Power, era feito por compositores & músicos brancos. E escoceses! A prova ao vivo e a cores, no então ainda pequeno palco de Montreux antes da reforma no Cassino, está presente também em temas tipo “Work to do” e “A love of your own”. No bis, uma longa recriação de “I heard it through the grapevine”, de Gaye.

Sob a alegação de que falhas nas imagens não puderam ser reparadas, três números – “If I ever lose this heaven” (delicioso hit do LP “Cut and cake”, de 75), “I’m the one” (do disco seguinte, “Soul searching”, de 76) e “TLC” – foram retirados do cardápio principal e colocados na seção de “extras” do DVD, cuja remixagem para DTS Surround passou pelo crivo do produtor Arif Mardin. Na prática, tal separação não faz o menor diferença, pois a mistura de r&b, soul, funk e jazz continua lasciva, com as partes laterais da platéia transformadas em pistas de dança. Detalhe: em 77, Claude Nobs escolheu o show da AWB para a noite de encerramento da porção “jazz-rock” do Festival! No encarte, Michael Heatley fornece um retrato perfeito do entrosamento da banda: “Alan Gorrie e Hamish Stuart fazem o possível e o impossível, trocando baixo por guitarra e alternando vocais com uma naturalidade telepática. Roger Ball vai do sax alto aos teclados (piano elétrico Rhodes e um Hohner Clavinet) enquanto Onnie McIntyre rouba o show em alguns momentos, deixando a guitarra-base de lado para fazer solos impressionantes”.

Michael também não poupa elogios ao “percussionista alucinado” Sammy Figueroa (peça-chave no disco “Very together”, de Eumir Deodato, um ano antes), chamado às pressas para participar do show. Sem tempo para levar seus instrumentos, viu-se limitado a tocar apenas congas, mas nem por isso deixou de arrasar. A soma dos dois saxofonistas (Duncan no tenor, Ball no sax alto)
vale por um naipe completo – convém lembrar que Joe Farrell e os Brecker Brothers gravaram no seminal LP “AWB” de 74, da famosa “capa branca”, cuja arte gráfica é reproduzida na capa do DVD. Na bateria, o inglês Steve Ferrone, então com 27 anos, outro dínamo propulsivo, já substituía o batera original, Robbie McIntosh, falecido em 75. Como curiosidade, vale citar que dois anos depois desse show, a AWB gravou no Rio de Janeiro algumas faixas – com Zeca da Cuíca e Luiz Carlos dos Santos (baterista da Banda Black Rio) tocando surdo – para o álbum “Feel no fret”. Mas somente um tema, o samba-funk “Atlantic Avenue”, foi aproveitado, recebendo percussão adicional de Airto Moreira aqui na Califórnia.

Baile lascivo

O DVD do grupo Chic, pioneiro da disco-music, é o mais recente da safra. Captado em 2004, traz o mago Nile Rodgers, único sobrevivente da formação original (o baixista Bernard Edwards faleceu em 96, o baterista Tony Thompson em 2003), relembrando os grandes estouros que fizeram lotar todas as pistas de dança no final dos anos 70. De “Everybody dance” (tema de abertura do show) à “Good times”, passando por “Le freak” (seis semanas em primeiro lugar na parada pop americana em 1978, tornando-se o single mais vendido na história da Altantic Records!), além de um medley com canções compostas/produzidas por Rodgers & Edwards para Diana Ross e o grupo vocal Sister Sledge. “Dance dance dance”, “I want your love”, “At last I am free”, “Chic cheer” e “My forbidden lover” completaram o baile-show. Sem chegar ao ponto da devassidão sonora do pancadão de George Clinton, mas ainda assim altamente lascivo.

Tal retomada era um projeto que tinha tudo para dar errado. Mas funcionou às mil maravilhas. Na noite de 17 de julho de 2004, Montreux transformou-se momentaneamente no célebre Studio 54 de NY, com Nile e seus novos comparsas atualizando os ótimos arranjos originais, de grooves fenomenais, sem descaracteriza-los. Tudo maravilhosamente bem tocado pelo infalível batera Omar Hakim (Weather Report, Sting, Madonna) e pelo subestimado baixista/vocalista Jerry Barnes (fundador do grupo Juicy ao lado da irmã Katreese Barnes), que sabia de cor todas as linhas de baixo de Bernard Edwards – e que, assim como seu ídolo, havia nascido na Carolina do Norte. Para entoar as mensagens hedonistas das letras, foram recrutadas as vocalistas Sylver Sharp e Jessica Wagner. Um clima de glamour, frenesi e sensualidade toma conta do auditório. A platéia dança alucinadamente. Não é jazz, mas é uma delícia. C’est Chic!



Legendas:
“George Benson: showzaço em 1986, no auge da forma e do sucesso”
“AWB: brancos escoceses fazendo black-music de primeira linha”
“Nile Rodgers remontou o grupo Chic especialmente para um baile-show em Montreux”

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