A estréia-solo da ninfa Mariana de Moraes
"Sete anos depois de gravado, o primeiro disco de Mariana de Moraes é finalmente lançado no Brasil"
Arnaldo DeSouteiro
"Sete anos depois de gravado, o primeiro disco de Mariana de Moraes é finalmente lançado no Brasil"
Arnaldo DeSouteiro
Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 27 de Maio de 2007 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa" em 4 de Junho de 2007
Há cerca de uns cinco anos, quando li uma nota sobre um CD de Mariana de Moraes, lançado nos Estados Unidos e que nenhuma gravadora parecia interessada em editar no Brasil, desandei a procurar o disco. Afinal, se não interessava ao Brasil deveria ser bom. Mas não dei sorte. Visitei em Los Angeles umas três lojas da Tower (então a maior rede de CDs nos EUA), perguntei a amigos, consultei internet e nada. Meses depois, graças a uma dermatológica coincidência do destino, acabei conhecendo Mariana pessoalmente. Que presente! E ainda ganhei um exemplar do CD, de cuja existência chegara a duvidar, porque a tal fonte jornalística não era das mais confiáveis.
A primeira audição foi um susto. Fiquei hipnotizado, tipo paixão à primeira ouvida. À medida em que as faixas iam se sucedendo, ficava claro porque os selos nacionais procurados por Mariana (ela me relatou todas as tentativas) não haviam se interessado. O disco era bom demais para o mercado nacional. Estranhamente, apesar de soar sob medida para o mercado asiático (para o público que ama “jazz-imbued Brazilian music”, e não aquele que consome bossa velha de segunda categoria em churrascarias), também não tinha sido lançado lá. Nem sido exportado. Segundo Mariana, a companhia americana Del Soul Records era na verdade um micro-selo, de estrutura quase doméstica.
Algumas semanas depois, em uma das minhas idas ao Japão, reconheço a voz no sistema de som da HMV de Ginza. Uma atendente, solícita e se divertindo com o meu estado catatônico, me traz um exemplar. Vejo outra capa, colorida, mil vezes mais bonita do que a americana, com lindas fotos da ninfa. Digo que quero comprar cinco exemplares. Impossível, era o último disponível. Peço para comprar também o que estava tocando, mas ela empaca no “sorry sorry” para, curvando-se, explicar que não poderia vender um disco aberto, usado para promoção. Com um inglês inenarrável, me explica que ela própria adorava o CD e por isso escutava-o diariamente na loja. Conta também que o lançamento ocorrera em setembro de 2003, pelo Zico Label distribuído através da poderosa Pony Canyon.
Dou-me por satisfeito e parto em retirada, ansioso para checar o encarte no hotel e imaginando o quanto Mariana devia estar contente com a edição japonesa. Para minha surpresa, quando a encontro no Rio (em abril de 2004) e peço um autógrafo, ela leva um susto. Desconhecia o lançamento do disco no Japão, conta que nem mesmo havia assinado contrato. E paro por aqui. Porque, questões burocráticas à parte, o que interessa agora é contar que, finalmente, sete anos depois de gravado, o disco acaba de ser lançado no Brasil pela Lua Discos, uma empresa paulista.
Bálsamo sonoro
Senhoras e Senhores: o Brasil merece e precisa ouvir este disco. É um bálsamo em meio a tantas bizarrices que pululam num mercado esteticamente oclocrático, à beira do abismo. Existem cantoras que cantam. Outras berram enquanto pulam, rebolam e fazem ginástica aeróbica. E há ainda aquelas que simplesmente são armações da indústria, criadas durante experiências sinistras em laboratórios às vezes cariocas, às vezes belgas. Mariana canta, simplesmente canta. A voz é pequena, frágil, vem cheia de natural emoção. E por isso fala direto ao coração. Não tem nada a ver com o falso minimalismo das cantoras paulistas endeusadas pela “mídia especializada”, quase todas elas emocionalmente anoréxicas.
Mariana canta com sentimento, acaricia as palavras, “sopra” as notas a la Chet Baker. A limitação técnica vira vantagem. Inclusive porque Mariana não faz o discurso ridículo adotado por cantoras que, para justificar a incompetência, mandam a pérola: “técnica não importa, o que vale é o carisma”. E seguem desafinando, semitonando, detonando a nossa sensibilidade. Mariana, culta e sábia, sabe que a questão não é privilegiar o tal ”carisma” em detrimento da técnica, ou vice-versa. Ela não força nada, não racionaliza. Apenas usa a técnica e a emoção que tem. E isso mais do que basta.
Mariana não precisa forjar carisma, já nasceu com ele. É a tal questão de berço, da arte que vem no sangue, via o avô Vinícius, via Pedro Moraes e Vera Barreto Leite, seus pais. Mas, novamente tomando um dos meus deuses como referência, é um carisma do padrão Chet Baker. E um charme peculiar, na linha de Astrud Gilberto, ainda hoje incompreendida pelos patrícios invejosos. Mais uma candidata a nova Nara Leão? Na-na-ni-na-não. Por favor não confundam apatia com naturalidade. Além do mais, Mariana sabe ser brejeira quando quer, não é uma cantora assexuada, muito pelo contrário. Sua sensualidade aflora sutilmente, naturalmente, exercida com temperança. Não é forçada nem ensaiada, é insinuada.
Clima sedutor
Esta salutar sensação de espontaneidade pode ser degustada ao longo do disco, reforçada pelas performances do pianista paulista Guilherme Vergueiro e do violonista carioca Carlos dos Santos, mais conhecido como Carlinhos Sete Cordas, e aqui atacando também no violão de seis, no cavaquinho e na percussão. Os arranjos, assinados por Guilherme, são aparentemente simples e harmonicamente sofisticados. Aliás, desde a primeira audição, a formação voz-piano-violão me ganhou de imediato, porque raramente dá certo. Como produtor, fiz dois discos neste esquema, unindo a dupla Palmyra & Levita à João Donato, e sei o risco desta aposta. Se não houver empatia, química e mais algum elemento mágico entre os músicos, não rola. Não basta ser craque, haja visto o célebre desastre do encontro de Jimmy Rowles com Joe Pass em “Checkmate”.
Gravado “ao vivo” em um estúdio de Los Angeles, em abril de 2000 após poucos ensaios, trata-se de um disco de músicos. E não um “disco de produtor”. Claro que qualquer álbum nasce de um conceito, requer um plano de base e um rigor, nem que seja anárquico. Mas já está ridícula esta fórmula de ter Kassin num tema e Caldato (ambos ótimos, mas sempre chamados para imprimir a mesma sonoridade) em outro, colocar DJ numa base toda eletrônica para agradar a turma clubber e o piano de Donato em outra (nunca em mais de uma faixa senão vira “arte”) só para dar respeitablidade àquela embromação, e pedir a arranjadores subservientes que escrevam “scores” estranhos para fagote, harpa, clarone e dois violinos para o trabalho soar Bjorkianamente modernoso. O que até é um bom método para agradar aos fazedores de opinião e, por tabela, enganar o distinto público. Afinal, quando não entende nada, a intelligentsia espertamente opta por endeusar o que não sabe explicar.
“Sempre quis ser cantora”, conta Mariana Valdez de Moraes, que aos 14 anos virou celebridade como protagonista do filme “Fulaninha”, dirigido em 1985 por David Neves, e mudou de rota tornando-se atriz. No cinema, participou de 12 longas, entre eles o recente “Vinícius”, documentário de Miguel Faria Jr. Estudou teatro com Antunes Filho e atuou em montagens de Zé Celso Martinez Corrêa (“Bacantes”, “Os sertões”), novelas (“Vale tudo”, “Olho por olho”) e foi apresentadora de TV. Como cantora, atuou com Elton Medeiros, Zé Renato, João Donato, Paulo Jobim, Luiz Melodia e Nelson Angelo. Desde a gravação do disco, tem excursionado regularmente pela Europa (principalmente Itália, Espanha e França, onde se apresentou na semana passada) e agora voltou a morar no Rio, após um período em São Paulo.
Sutileza e temperança
A edição brasileira rebatizou o disco como “Se é pecado sambar”, certamente para pegar carona na boa fase promocional (para evitar o termo “modismo”) que o samba atravessa. A capa que serviu como base para a arte gráfica foi, infelizmente, a americana, ao invés da japonesa. A ordem das faixas também foi alterada, mantendo-se a abertura original com a levitante performance ultra-cool de “Fotografia” (Jobim) mas trocando “I fall in love too easily” da segunda para a sexta posição, para que não despertasse o ódio dos xenófobos. Nem por isso a obra-prima de Jule Styne, letrada por Sammy Cahn, deixa de ser um dos pontos altos do álbum.
Mariana consegue a proeza de colocar sua marca no standard de mais de uma centena de gravações, incluindo registros antológicos de Sinatra, Chet Baker e Mark Murphy. Impossível resistir à tentação de afirmar que a leitura de Mariana, com Carlinhos no sete cordas, bate longe a recente gravação de Gal Costa (cantora tecnicamente muito superior), inclusive no quesito pronúncia.
O canto interinsular singra outro clássico, “There will never be another you”, de Harry Warren e Mack Gordon, com o piano de Vergueiro, famoso pelo toque abrasador, soando mais Donatiano do que nunca, uma aula de bom gosto e economia evidenciada desde a charmosíssima “Fotografia”, na qual Mariana cada vez que repete a letra viaja por uma intenção diferente, espreguiçando as palavras. E o solo de Gulherme, na base das single-notes Jobinianas, é um modelo de refinamento introspectivo. Rola um despojamento interpretativo (não confundir com desleixo) que eu não ouvia desde os registros de Astrud para “Here’s that rainy day” e de Luiz Henrique para “Cabaret” e “Batida diferente” há mais de quarenta anos.
Nos sambas, Mariana usa outras cores e solta a voz com mais potência. Carlinhos acrescenta pandeiro em “Agora é cinza” (Bide & Marçal, esta também reforçada por cavaquinho mas prejudicada pela estridência da voz, provavelmente devido a um problema técnico de gravação) e “Pra fugir da saudade” (Elton Medeiros & Paulinho da Viola), optando por tamborim na belíssima “Meu samba meu lamento” (Mauricio Carrilho & Paulo César Pandeiro), no qual a cantora recupera a serenidade aveludada, alcançando belos graves. A faixa-título “Se é pecado sambar” (Manuel Sant’ana) rola sem percussão, assim como uma pérola muito bem sacada pela cantora, “Deus no céu, ela na terra” (Wilson Batista & Marino Pinto); pandeiro, tamborim e cavaco voltam em “Tenha pena de mim” (Ciro de Souza & Babaú da Mangueira). Samba sem cheiro de feijão queimado, cantado por mulher bonita sem pano na cabeça.
“Moonrain”, escrita a seis mãos por Paulo Jobim, Ronaldo Bastos e Danilo Caymmi, gravada originalmente por Astrud, transcorre em clima quase clássico. A mixagem reforça ainda mais o intimismo da sessão, colocando voz e instrumentos praticamente no mesmo plano, e optando por uma sonoridade de piano mais “abafada”, ao estilo de Rudy Van Gelder. “Medo de amar”, letra e música de Vinícius, é uma punhalada indescritível. “Estrada do Sol” (Tom Jobim & Dolores Duran) com Guilherme barbarizando no solo mais jazzístico do disco, e “Fim de sonho”, esquecida jóia de João Donato & João Carlos Pádua do disco “Quem é quem”, ralentada ao ponto máximo de placidez, completam o repertório. Agora é torcer para que, lá no Brasil varonil, a mídia e o público consigam sacar a sutil elegância do trabalho.
Legendas:
“Sensual temperança e muito charme no primeiro disco da neta de Vinícius”
“Mariana apresenta plácidas interpretações de “Fotografia” e “I fall in love too easily”, entre outras jóias”
Há cerca de uns cinco anos, quando li uma nota sobre um CD de Mariana de Moraes, lançado nos Estados Unidos e que nenhuma gravadora parecia interessada em editar no Brasil, desandei a procurar o disco. Afinal, se não interessava ao Brasil deveria ser bom. Mas não dei sorte. Visitei em Los Angeles umas três lojas da Tower (então a maior rede de CDs nos EUA), perguntei a amigos, consultei internet e nada. Meses depois, graças a uma dermatológica coincidência do destino, acabei conhecendo Mariana pessoalmente. Que presente! E ainda ganhei um exemplar do CD, de cuja existência chegara a duvidar, porque a tal fonte jornalística não era das mais confiáveis.
A primeira audição foi um susto. Fiquei hipnotizado, tipo paixão à primeira ouvida. À medida em que as faixas iam se sucedendo, ficava claro porque os selos nacionais procurados por Mariana (ela me relatou todas as tentativas) não haviam se interessado. O disco era bom demais para o mercado nacional. Estranhamente, apesar de soar sob medida para o mercado asiático (para o público que ama “jazz-imbued Brazilian music”, e não aquele que consome bossa velha de segunda categoria em churrascarias), também não tinha sido lançado lá. Nem sido exportado. Segundo Mariana, a companhia americana Del Soul Records era na verdade um micro-selo, de estrutura quase doméstica.
Algumas semanas depois, em uma das minhas idas ao Japão, reconheço a voz no sistema de som da HMV de Ginza. Uma atendente, solícita e se divertindo com o meu estado catatônico, me traz um exemplar. Vejo outra capa, colorida, mil vezes mais bonita do que a americana, com lindas fotos da ninfa. Digo que quero comprar cinco exemplares. Impossível, era o último disponível. Peço para comprar também o que estava tocando, mas ela empaca no “sorry sorry” para, curvando-se, explicar que não poderia vender um disco aberto, usado para promoção. Com um inglês inenarrável, me explica que ela própria adorava o CD e por isso escutava-o diariamente na loja. Conta também que o lançamento ocorrera em setembro de 2003, pelo Zico Label distribuído através da poderosa Pony Canyon.
Dou-me por satisfeito e parto em retirada, ansioso para checar o encarte no hotel e imaginando o quanto Mariana devia estar contente com a edição japonesa. Para minha surpresa, quando a encontro no Rio (em abril de 2004) e peço um autógrafo, ela leva um susto. Desconhecia o lançamento do disco no Japão, conta que nem mesmo havia assinado contrato. E paro por aqui. Porque, questões burocráticas à parte, o que interessa agora é contar que, finalmente, sete anos depois de gravado, o disco acaba de ser lançado no Brasil pela Lua Discos, uma empresa paulista.
Bálsamo sonoro
Senhoras e Senhores: o Brasil merece e precisa ouvir este disco. É um bálsamo em meio a tantas bizarrices que pululam num mercado esteticamente oclocrático, à beira do abismo. Existem cantoras que cantam. Outras berram enquanto pulam, rebolam e fazem ginástica aeróbica. E há ainda aquelas que simplesmente são armações da indústria, criadas durante experiências sinistras em laboratórios às vezes cariocas, às vezes belgas. Mariana canta, simplesmente canta. A voz é pequena, frágil, vem cheia de natural emoção. E por isso fala direto ao coração. Não tem nada a ver com o falso minimalismo das cantoras paulistas endeusadas pela “mídia especializada”, quase todas elas emocionalmente anoréxicas.
Mariana canta com sentimento, acaricia as palavras, “sopra” as notas a la Chet Baker. A limitação técnica vira vantagem. Inclusive porque Mariana não faz o discurso ridículo adotado por cantoras que, para justificar a incompetência, mandam a pérola: “técnica não importa, o que vale é o carisma”. E seguem desafinando, semitonando, detonando a nossa sensibilidade. Mariana, culta e sábia, sabe que a questão não é privilegiar o tal ”carisma” em detrimento da técnica, ou vice-versa. Ela não força nada, não racionaliza. Apenas usa a técnica e a emoção que tem. E isso mais do que basta.
Mariana não precisa forjar carisma, já nasceu com ele. É a tal questão de berço, da arte que vem no sangue, via o avô Vinícius, via Pedro Moraes e Vera Barreto Leite, seus pais. Mas, novamente tomando um dos meus deuses como referência, é um carisma do padrão Chet Baker. E um charme peculiar, na linha de Astrud Gilberto, ainda hoje incompreendida pelos patrícios invejosos. Mais uma candidata a nova Nara Leão? Na-na-ni-na-não. Por favor não confundam apatia com naturalidade. Além do mais, Mariana sabe ser brejeira quando quer, não é uma cantora assexuada, muito pelo contrário. Sua sensualidade aflora sutilmente, naturalmente, exercida com temperança. Não é forçada nem ensaiada, é insinuada.
Clima sedutor
Esta salutar sensação de espontaneidade pode ser degustada ao longo do disco, reforçada pelas performances do pianista paulista Guilherme Vergueiro e do violonista carioca Carlos dos Santos, mais conhecido como Carlinhos Sete Cordas, e aqui atacando também no violão de seis, no cavaquinho e na percussão. Os arranjos, assinados por Guilherme, são aparentemente simples e harmonicamente sofisticados. Aliás, desde a primeira audição, a formação voz-piano-violão me ganhou de imediato, porque raramente dá certo. Como produtor, fiz dois discos neste esquema, unindo a dupla Palmyra & Levita à João Donato, e sei o risco desta aposta. Se não houver empatia, química e mais algum elemento mágico entre os músicos, não rola. Não basta ser craque, haja visto o célebre desastre do encontro de Jimmy Rowles com Joe Pass em “Checkmate”.
Gravado “ao vivo” em um estúdio de Los Angeles, em abril de 2000 após poucos ensaios, trata-se de um disco de músicos. E não um “disco de produtor”. Claro que qualquer álbum nasce de um conceito, requer um plano de base e um rigor, nem que seja anárquico. Mas já está ridícula esta fórmula de ter Kassin num tema e Caldato (ambos ótimos, mas sempre chamados para imprimir a mesma sonoridade) em outro, colocar DJ numa base toda eletrônica para agradar a turma clubber e o piano de Donato em outra (nunca em mais de uma faixa senão vira “arte”) só para dar respeitablidade àquela embromação, e pedir a arranjadores subservientes que escrevam “scores” estranhos para fagote, harpa, clarone e dois violinos para o trabalho soar Bjorkianamente modernoso. O que até é um bom método para agradar aos fazedores de opinião e, por tabela, enganar o distinto público. Afinal, quando não entende nada, a intelligentsia espertamente opta por endeusar o que não sabe explicar.
“Sempre quis ser cantora”, conta Mariana Valdez de Moraes, que aos 14 anos virou celebridade como protagonista do filme “Fulaninha”, dirigido em 1985 por David Neves, e mudou de rota tornando-se atriz. No cinema, participou de 12 longas, entre eles o recente “Vinícius”, documentário de Miguel Faria Jr. Estudou teatro com Antunes Filho e atuou em montagens de Zé Celso Martinez Corrêa (“Bacantes”, “Os sertões”), novelas (“Vale tudo”, “Olho por olho”) e foi apresentadora de TV. Como cantora, atuou com Elton Medeiros, Zé Renato, João Donato, Paulo Jobim, Luiz Melodia e Nelson Angelo. Desde a gravação do disco, tem excursionado regularmente pela Europa (principalmente Itália, Espanha e França, onde se apresentou na semana passada) e agora voltou a morar no Rio, após um período em São Paulo.
Sutileza e temperança
A edição brasileira rebatizou o disco como “Se é pecado sambar”, certamente para pegar carona na boa fase promocional (para evitar o termo “modismo”) que o samba atravessa. A capa que serviu como base para a arte gráfica foi, infelizmente, a americana, ao invés da japonesa. A ordem das faixas também foi alterada, mantendo-se a abertura original com a levitante performance ultra-cool de “Fotografia” (Jobim) mas trocando “I fall in love too easily” da segunda para a sexta posição, para que não despertasse o ódio dos xenófobos. Nem por isso a obra-prima de Jule Styne, letrada por Sammy Cahn, deixa de ser um dos pontos altos do álbum.
Mariana consegue a proeza de colocar sua marca no standard de mais de uma centena de gravações, incluindo registros antológicos de Sinatra, Chet Baker e Mark Murphy. Impossível resistir à tentação de afirmar que a leitura de Mariana, com Carlinhos no sete cordas, bate longe a recente gravação de Gal Costa (cantora tecnicamente muito superior), inclusive no quesito pronúncia.
O canto interinsular singra outro clássico, “There will never be another you”, de Harry Warren e Mack Gordon, com o piano de Vergueiro, famoso pelo toque abrasador, soando mais Donatiano do que nunca, uma aula de bom gosto e economia evidenciada desde a charmosíssima “Fotografia”, na qual Mariana cada vez que repete a letra viaja por uma intenção diferente, espreguiçando as palavras. E o solo de Gulherme, na base das single-notes Jobinianas, é um modelo de refinamento introspectivo. Rola um despojamento interpretativo (não confundir com desleixo) que eu não ouvia desde os registros de Astrud para “Here’s that rainy day” e de Luiz Henrique para “Cabaret” e “Batida diferente” há mais de quarenta anos.
Nos sambas, Mariana usa outras cores e solta a voz com mais potência. Carlinhos acrescenta pandeiro em “Agora é cinza” (Bide & Marçal, esta também reforçada por cavaquinho mas prejudicada pela estridência da voz, provavelmente devido a um problema técnico de gravação) e “Pra fugir da saudade” (Elton Medeiros & Paulinho da Viola), optando por tamborim na belíssima “Meu samba meu lamento” (Mauricio Carrilho & Paulo César Pandeiro), no qual a cantora recupera a serenidade aveludada, alcançando belos graves. A faixa-título “Se é pecado sambar” (Manuel Sant’ana) rola sem percussão, assim como uma pérola muito bem sacada pela cantora, “Deus no céu, ela na terra” (Wilson Batista & Marino Pinto); pandeiro, tamborim e cavaco voltam em “Tenha pena de mim” (Ciro de Souza & Babaú da Mangueira). Samba sem cheiro de feijão queimado, cantado por mulher bonita sem pano na cabeça.
“Moonrain”, escrita a seis mãos por Paulo Jobim, Ronaldo Bastos e Danilo Caymmi, gravada originalmente por Astrud, transcorre em clima quase clássico. A mixagem reforça ainda mais o intimismo da sessão, colocando voz e instrumentos praticamente no mesmo plano, e optando por uma sonoridade de piano mais “abafada”, ao estilo de Rudy Van Gelder. “Medo de amar”, letra e música de Vinícius, é uma punhalada indescritível. “Estrada do Sol” (Tom Jobim & Dolores Duran) com Guilherme barbarizando no solo mais jazzístico do disco, e “Fim de sonho”, esquecida jóia de João Donato & João Carlos Pádua do disco “Quem é quem”, ralentada ao ponto máximo de placidez, completam o repertório. Agora é torcer para que, lá no Brasil varonil, a mídia e o público consigam sacar a sutil elegância do trabalho.
Legendas:
“Sensual temperança e muito charme no primeiro disco da neta de Vinícius”
“Mariana apresenta plácidas interpretações de “Fotografia” e “I fall in love too easily”, entre outras jóias”
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