Falando tanto de Dave Brubeck e tendo revisto hoje o espetacular e emocionante DVD "The Age of Steam", do meu saudoso amigo Gerry Mulligan, lançado pelo reativado selo Artists House, lembrei do projeto que começamos em 1990, mas nunca chegamos a completar.
A história começou durante uma viagem minha a New York em Setembro/Outubro de 1990. Aliás, uma viagem particularmente inesquecível, com direito a jam-sessions na penthouse de Tania Maria na 644 Broadway esquina com Bleecker Street (de onde saíamos de limousine para assistir double-bills de Michel Petrucciani e Steve Gadd/Eddie Gomez no Blue Note), jantares luxuriantes no finado Zinno (no número 126 da Rua 13) ao som de Gene Bertoncini, concertos da NY Philharmonic no Avery Fisher Hall do Lincoln Center, os showzaços de Michael Franks e do Michel Camilo Quintet no Town Hall, Herbie Mann no Village Gate, Mark Egan no Zanzibar, e os almoços com Creed Taylor no Gotham Restaurant (na Rua 12 entre University Place e Quinta Avenida) de onde saíamos direto para os ensaios do grupo CTI SuperBand (às vésperas de embarcar para dois mega-shows no Japão) no estúdio SIR. Formação que tinha, entre seus integrantes, Jim Beard, Mark Egan, Mike Stern, Dennis Chambers, Jon Herington, Randy Brecker, Mino Cinelu e os hoje já falecidos Bob Berg e Mark Ledford. Os que não me conheciam eram apresentados por Creed Taylor, geralmente monossilábico, com a seguinte pérola: "Este é o jornalista e produtor brasileiro Arnaldo DeSouteiro, que sabe tudo sobre a CTI e conhece o meu trabalho melhor do que eu". E todos arregalavam os olhos!
Os tais shows no Japão acabaram gerando um eletrizante disco ao vivo para a CTI ("Music on the Edge", merecedor de quatro estrelas e meia na DownBeat, lançado também em VHS e LaserDisc no ano seguinte) e foi rebatizado "Chroma" por questões de marketing, embora eu preferisse CTI SuperBand. Ver atentamente a maneira como Creed Taylor, auxiliado por Amy Roslyn, conduzia serenamente os ensaios, serviu como um curso de valor inestimável.
Mas, voltando ao projeto com Gerry Mulligan, a história começou com John Snyder, então seu empresário extra-oficial, uma espécie de conselheiro. Mulligan, um dos primeiros jazzmen a se apaixonar pela bossa nova, sonhava em fazer um "Brazilian project". Como estava sem contrato naquela época, resolveu bancar ele próprio os custos de gravação e pretendia que Snyder (veterano executivo que trabalhou na CTI, na A&M e criou os selos Horizon e Artists House, então desativados) negociasse o trabalho depois de finalizado. "Escolheram" Eumir Deodato como produtor, mas a proposta financeira não o animou muito. Declinou do convite dizendo que estava muito ocupado e que não teria tempo de se dedicar ao disco do modo como o projeto merecia etc etc. Talvez por eu estar trabalhando no estúdio Duplex Sound que Eumir tinha em Tribeca Park, quando Snyder e Mulligan telefonaram pela primeira vez, Deodato sugeriu: "Por que vocês não convidam o Arnaldo DeSouteiro para produzir? Se eu puder, dou uma supervisionada".
Snyder e Mulligan só me conheciam de nome e devem ter ficado desapontados com a recusa de Eumir. No dia seguinte, por uma incrível coincidência, eu estava em reunião com Didier Deutsch (então diretor de publicidade da Atlantic) no antigo prédio da WEA no terceiro andar do número 75 do Rockefeller Center, quando DD recebeu um telefonema de Snyder contando o papo com Eumir e pedindo um conselho. Didier foi curto e rápido: "O Arnaldo está aqui exatamente agora e eu o considero a pessoa ideal para o projeto". Menos de uma hora depois eu estava conversando com Snyder e Mulligan sobre detalhes da concepção estética do álbum.
Mulligan queria gravar no Brasil, mas, para minha surpresa, não queria incluir músicas de compositores brasileiros. Entregou-me as partituras de quatorze temas que ele descreveu como "Brazilian-oriented songs". Quase todos eram inéditos, exceto "Theme for Jobim", que ele queria regravar com um arranjo mais "up-to-date". Minha incumbência era encontrar os músicos e arranjadores certos. Eumir chegou a escolher uma música que "tinha jeito de hit" e saiu logo fazendo mudanças harmônicas que deixaram Mulligan rindo à toa.
Chegando ao Brasil, tratei de contactar José Roberto Bertrami e Pascoal Meirelles, dois amigos meus de longa data. Minha idéia: ter o Azymuth em metade do disco e o Cama de Gato (grupo com o qual eu viria a gravar no CD "Day Waves", de Claudio Roditi) na outra parte. Fui à casa de Bertrami no Recreio dos Bandeirantes levando cópias xerox de todas as partituras e pedi que ele escolhesse sete. A "reunião" não demorou mais do que meia-hora. Bertrami ligou o Fender Rhodes e deu uma checada rápida nos temas, enquanto tomávamos caipirinha. "Deixe eu ficar com esses aqui que vai dar tudo certo", sentenciou.
Com Pascoal, por telefone, a conversa também correu em alto-astral. Entusiasmado, contei toda a história para um amigo jornalista e a notícia acabou vazando. Porém, em um segundo telefonema, fiquei preocupado com os valores pedidos por alguns membros do Cama. [No disco de Roditi, em 1991, no qual Pascoal viria a me dar uma grande ajuda atuando como "project coordinator", inclusive na questão dos cachês, todos trabalharam com valores um pouco menores.] Da parte de Bertrami, as coisas também estavam complicadas. Ele havia se afastado do Azymuth e reunir a formação original iria custar muito mais do que o previsto.
Claro que Mulligan era "gringo e rico", mas não queria desperdiçar dinheiro porque não era maluco e delimitara um orçamento compatível com o mercado de jazz. Tanto que a intenção dele, para economizar os custos com as passagens aéreas, era gravar tudo em dois dias durante uma rápida turnê pelo Brasil em Novembro.
Resumindo a ópera: quando recebeu meu orçamento, que era quase cinquenta por cento superior ao fee que ele reservara, Gerry colocou o projeto na geladeira. "Quero fazer o disco com você, mas talvez seja melhor gravarmos tudo com o Bertrami em New York ou Los Angeles", disse-me ele durante um jantar após o show no Canecão, em 27 de Novembro de 1990. Volta e meia me telefonava, faxeava outras partituras. Me indicou para produzir a compilação "Line for Lyons". Nos encontramos quando voltou ao Rio para tocar no Free Jazz o repertório de "Re-birth of the cool", que lhe tomou muito tempo. Porém, para alegria dos inimigos invejosos, o nosso álbum acabou não saindo. Mulligan até me avisou que iria gravar um disco com Jane Duboc, "Paraíso" (1993), acompanhado por músicos brasileiros residentes em NY, frisando sempre que não significava o fim do nosso projeto, tanto que o repertório seria diferente, exceto por "Theme for Jobim". Chegou a prometer que escreveria um "Theme for Jobim #2", quando soube da morte do Tom.
Outro dia reencontrei as partituras. E ainda penso em fazer o disco, em tributo a Mulligan. Talvez tendo apenas um sax-barítono (Ronnie Cuber ou Joe Temperley). Talvez chamando três ou quatro músicos diferentes, inclusive o brasileiro Henrique Band. Sondei dois selos japoneses e o interesse foi imediato. Quem sabe não gravamos em 2008?
Sunday, June 10, 2007
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