Monday, September 10, 2007

"Here's That Rainy Bossa Day" - Tárik de Souza review


Review about Palmyra & Levita's "Here's That Rainy Bossa Day" (produced by Arnaldo DeSouteiro for JSR), written by Tárik de Souza on November 28, 2001.

************

Bossa nova com sotaque de Olodum
Surpreendente CD de Palmyra e Levita traz Donato minimalista
TÁRIK DE SOUZA
[28/NOV/2001]
Jornal do Brasil

João Gilberto continua fazendo escola. Uma dupla baiana formada por marido e mulher, a cantora Palmyra e o violonista (Paulo) Levita galgam as paradas internacionais das grandes lojas de discos (estão em 25° lugar na HMV) com um disco lançado há pouco mais de um mês no circuito Japão-Europa (já encontrável aqui nas boas importadoras do ramo). Como diz o título em inglês Here's that rainy bossa day (Jazz Station Records), casam-se standards da canção americana e a bossa nova velha de guerra. Mas não é qualquer nhenhenhém de violão, não. Baiano nascido em Salvador, arquiteto de profissão, Levita, 56 anos, bate um pinho desde os 11, morou no Rio na década de 70, onde estudou na Pro-Arte, estourou com Estrelê (parceria com Walter Queiroz) na voz de Fafá de Belém, no LP Banho de cheiro, em 1978, e é amigo e discípulo confesso do pai da matéria, João Gilberto. ''Estudei todos os discos dele, analisei a fundo suas harmonias'', garante.

Levita também tocou com João Donato, que, com seu piano de harmonia e suingue, completa o tripé impactante do CD. No repertório, ao lado de um September in the rain e outro Cry me a river, uma Fotografia, um Corcovado, o trio engata nada menos que A namorada, de Carlinhos Brown. Chocante? É que a primeira façanha de Palmyra & Levita foi passar os itens básicos do axé para o idioma da bossa. ''O pessoal daqui dá muita ênfase ao ritmo e empobrece a música. Mas é possível trabalhar as harmonias e o meu violão também tem um sotaque de Olodum'', manda Levita, por telefone, de Salvador.

''Como o disco era endereçado ao mercado externo, seria insensato ficar só no axé, que lá fora é pouco conhecido'', delimita o produtor do disco e dono do selo Jazz Station, Arnaldo DeSouteiro. Mas a dupla gravou um projeto na Bahia, Emergente na madrugada, em 1998, em cima do repertório neo-soteropolitano, ''com relativo sucesso local, já que aqui o pessoal achava chata a bossa nova''. O produtor ficou conhecendo a dupla por indicação do próprio João Gilberto, ''uma escola do violão brasileiro que não é tão valorizada quanto a do Baden Powell'', reivindica.

Inventivo diálogo


O CD foi gravado em janeiro, mixado em abril e masterizado em julho. Convidado a tocar num piano Yamaha de cauda inteira na faixa de sua autoria, O sapo (também conhecida como A rã), João Donato reclamou no final: ''É só isso? Não posso tocar mais?'' E acabou participando de todas as faixas, inclusive dobrando o piano (''num clima de Bill Evans em Conversations with myself'', lembra DeSouteiro) em A namorada. Quem tem ouvido os (vários) últimos discos do pianista de sotaque latino, balanço copioso e muita extroversão na maioria das faixas, vai surpreender-se por seu desempenho minimalista, interseções de acordes em bloco e um inventivo diálogo harmônico com o violão de Levita.

Dublê de cantora e artista plástica, Palmyra, 50, uniu-se ao parceiro e marido há 16 anos. Sua emissão levemente puxada no palato evoca algo de sua ídola Dinah Washington, de quem não por acaso registrou o grande sucesso What a difference a day made. Mas ela também cultiva de Ella Fitzgerald a Blossom Dearie, inspiração para a faixa de abertura Tea for two, numa cadência de tal sutileza que parece (sem trocadilho) fazer levitar a canção de Irving Caesar e Vincent Youmans, de 1924.

Outros acepipes do cardápio são as jobinianas Vivo sonhando (talvez a mais bela obra do caudaloso maestro) e Inútil paisagem, esta submetida a uma remodelagem harmônica de embasbacar. E mais Whats new, numa recriação etérea de Palmyra, e a veterana Na Baixa do Sapateiro, conhecida no exterior como Bahia, jóia da coroa baiana do mineiro Ary Barroso já palmilhada por João Gilberto. Aliás, entre Levita e o papa da bossa, há ainda outro elo desconhecido do grande público, o médico Edson Diniz. ''Ele toca um violão que o João respeita muito'', avisa. A linhagem subterrânea do mito começa a vir à tona.
--------------------------------------------------------------------------------

Here's that rainy bossa day. De Palmyra & Paulo Levita. JSR (Jazz Station Records)

No comments: