Monday, August 20, 2007

Grandes momentos na série Jazzclub



Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 31 de Julho de 2007 e publicado originalmente no jornal Tribuna da Imprensa em 6 de Agosto de 2007

Grandes momentos na série Jazzclub
Arnaldo DeSouteiro


Sucesso de vendas na Europa, com alguns títulos já comercializados no Brasil pela Dubas, a série “Jazzclub”, idealizada pela Universal alemã, lança mais uma interessante safra. Além de títulos dedicados ao baterista suíço Charly Antolini, à Reunion Band do trompetista Dizzy Gillespie, ao organista-mor da bossa nova, Walter Wanderley, e a um dos tecladistas emblemáticos da fusion, George Duke, apresenta duas excelentes coletâneas temáticas: “Hammond Bond”, com o grupo de Ingfried Hoffmann executando temas retirados de (ou inspirados por) filmes do famoso personagem 007, e “Henry Mancini songbook”, na qual mestres do jazz – de Billy Ecksteine a Quincy Jones, passando por Cal Tjader, Dizzy Gillespie e Johnny Hartman – recriam temas do saudoso compositor e maestro.

Suingue e criatividade

Embalado pela ilustração de Sebastian Hartmann e compiladao por Matthias Kunnecke, o CD “Hammond Bond: Ingfried Hoffmann plays jazz for secret agents” recupera esquecidas gravações de um dos maiores jazzmen que a Alemanha já conheceu. Aclamado, nos anos 60, como o melhor organista da Europa – fama que deixou em segundo plano seus talentos como pianista, compositor e arranjador –, Hoffmann integrou o quarteto do saxofonista Klaus Doldinger antes de partir para a carreira-solo, além de gravar cultuado álbum sob o codinome de Memphis Black.

Em 1966, quando a Bondmania estava no auge, o alemão de alma negra e seu produtor Siegfried Loch idealizaram o projeto “From twen with love”, calcado em temas associados ao agente secreto criado pelo escritor inglês Ian Flemming em 1953 e transformado em personagem cinematográfico nove anos depois. Inspirado nos primeiros filmes estrelados por Sean Connery, o organista preparou arranjos jazzísticos para os temas de “Thunderball”, “Goldfinger” (ambos compostos por John Barry) e “From Russia with love”, de Lionel Bart.

Escreveu também algumas músicas inspiradas pelos títulos de outros filmes, destacando-se “Yeah, Dr. No”, “James only lives twice”, “Vabanque at Casino Royale”, “007 Bond Street” and “Let live and die”. Todo este material é relançado agora pela primeira vez, somado a quatro faixas extraídas de outras sessões do mesmo período. Entre elas a estilizada “Midnight bossa nova” e a sensual “Playgirl”. Pilotando seu Hammond B-3 com extrema destreza, Hoffmann conta com as participações de músicos como os guitarristas Volker Kriegel, Pierre Cavalli e René Thomas.

Refinado tributo

Outro CD de grande potencial comercial, “Henry Mancini songbook”, compilado por Kai Lerner, reúne dezoito temas de um compositor que quase sempre adicionava elementos jazzísticos a suas trilhas sonoras. Tais elementos aparecem aqui reforçados pelas leituras realizadas por nomes como Dizzy Gillespie, intérprete de “Days of wine and roses” em arranjo de Billy Byers, com James Moody (sax tenor), Kenny Barron (piano), Chriis White (baixo) e Ruddy Collins (bateria) em registro de 1963. Gravado por Shirley Scott no ano seguinte, “A shot in the dark” traz a organista, então esposa de Stanley Turrentine, à frente de uma bandaça comandada pelo arranjador Oliver Nelson, contando em suas fileiras com George Galbraith (guitarra), Urbie Green (trombone), Snooky Young (trompete) e Johnny Pacheco (percussão), entre muitos outros.

Oliver também assina a orquestração de “Experiment in terror”, a cargo do trombonista Kai Winding, enquanto Quincy Jones lidera sua orquestra em “Bird brain”, do filme “Soldier in the rain”, apoiado nos talentos de Bobby Scott, Gary Burton, Zoot Sims, Phil Woods e Toots Thielemans. Craque do vibrafone e expoente do latin-jazz, Cal Tjader explora a sofisticação de “Sally’s tomato” (do filme “Breakfast at Tiffany’s”) em registro de 1963 produzido por Creed Taylor, com Clare Fischer no órgão. Outro tema da mesma trilha, “Moon river” surge no vozeirão de Billy Eckstine, rivalizando com as nuances de Johnny Hartman – assessorado por Hank Jones, Jim Hall, Elvin Jones e Illinois Jacquet – na sinuosa “Charade”.

No campo das vozes femininas marcam presença Dinah Washington (“Six bridges to cross”), Elsie Bianchi (“The shadow of Paris”), Claudine Longet (a charmosa bossa “Nothing to lose”), Sarah Vaughan (a sofisticadíssima “Slow hot wind” do seriado “Peter Gunn”, em arranjo de Bob James) e a louraça Diana Krall em uma irretocável faixa (“Dreamsville”) extraída do álbum “Two for the road”, gravado em 1997 por Dave Grusin, com Harvey Mason na bateria. Trinta anos antes, Marge Dodson registrou “Wait until dark” como vocalista do grupo de Walter Wanderley, estimulado pela bateria de Dom Um Romão.

Mestre do órgão

Desprezado pela invejosa intelligentsia brasileira, o pernambucano Walter Wanderley (1932-1986) cravou seu nome na história como um dos maiores organistas de todos os tempos. No CD “Hammond bossa from Brazil” estão reunidas dezoito faixas originalmente produzidas em 1966 e 1967 por Creed Taylor e Esmond Edwards para o selo Verve. A indispensável “Samba de verão” aparece no registro de Walter com Astrud Gilberto, ouvida também nos standards “Here’s that rainy day” e “It’s a lovely day today”. Em dupla com o cantor e violonista catarinense Luiz Henrique, entorta tudo em “Cabaret”, “In my automobile” e principalmente a melhor gravação que “Batida diferente” (de Durval Ferreira & Mauricio Einhorn, com letra em inglês de Oscar Brown, Jr.) já recebeu. Aliás, para recomendar a aquisição do CD, bastaria a introdução desta faixa, na qual Walter usa o registro grave do Hammond para simular um batimento cardíaco.

WW mostra seu talento como autor em “Take a chance with me” e “Sensuous”, incorporando o violão de Marcos Valle nos arranjos para “On the South side of Chicago” e “Minha saudade”, parceria de João Donato & João Gilberto. Passeia ainda, com seu inigualável balanço, por obras de Tito Madi (“Saudade querida”), Vera Brasil (“O menino desce o morro”) e Theo de Barros (“Menino das laranjas”). Na base revezam-se Paulinho Magalhães e Dom Um Romão (bateria), Tião Neto e José Marino (baixo), Lulu Ferreira e Bobby Rosengarden (percussão), com Affonso de Paula no trompete e Urbie Green no trombone. A lamentar somente a não inclusão de faixas dos dois LPs de Walter lançados pela A&M, “When it was done” e “Moondreams”, as obras-primas de sua carreira.

Craque dos teclados

Dando um salto no tempo, George Duke recebe o título de “Keyboard giant” na coletânea de suas gravações para o selo MPS no período 1974-76. O produtor Stephan Steigleder juntou dezoito faixas reveladoras do tecladista em sua fase mais criativa, antes de enveredar pelo pop ao assinar com a Columbia. A coleção de grooves arrasadores inclui “Malibu”, “Sister Serene”, “Capricorn”, “After the love” e as faixas-títulos dos álbuns “Liberated fantasies” e “Feel”. A interação de George com o baterista Leon “Ndugu” Chancler – presente em todas as músicas, exceto a peça-solo “Tzina” – merecia ser objeto de profunda análise, tal a empatia cósmica revelada.

Curiosamente, Duke & Ndugu empregam vários baixistas (Alphonso Johnson, Byron Miller, John Heard e Tom Fowler) e todos se saem maravilhosamente bem. A presença brasileira é marcante, através das contribuições de Airto Moreira (percussão em várias faixas), Flora Purim (vocal em “Yana Aminah”) e Milton Nascimento, autor de “Maria três filhos”, gravada por George um ano antes com Cannonball Adderley (no LP “The happy people”) e único momento inteiramente acústico desta compilação. Nas demais faixas, além de cantar em várias delas, Duke esbalda-se em um arsenal de teclados: pianos elétricos Wurlitzer & Rhodes, órgão Hammond, Hohner Clavinet e diversos modelos de sintetizadores analógicos das marcas Arp e Moog.

Exatamente por isso algumas faixas soam deliciosamente datadas, servindo como documento da junção do jazz-rock com o jazz-funk que levaria o estilo “fusion” a um novo patamar, altamente energizado, em direção diametralmente oposta ao soporífero “smooth jazz” que ainda estava por vir. Vale citar ainda as presenças de David Amaro (violão em “After the love”, com sua então esposa Bonnie Bowden Amaro nos vocais – eles se conheceram no grupo de Sergio Mendes), Daryl Stuermer (guitarra) e Emil Richards (produtor de “A bad Donato” na marimba).

Bateria e trompete

Baterista suíço que se radicou na Alemanha em 1962, Charly Antoloni trabalhou com Baden Powell, Wolfgang Dauner, Stuff Smith, Lionel Hampoton, Benny Goodman e integrou a banda de Kurt Edelhagen. Ótimas amostras de sua carreira como líder estão contidas em “Power drummer”, coletânea das gravações realizadas para o selo MPS entre 1966 e 1979. Músico de altíssima categoria, esbanja talento ao longo de quatorze faixas, muitas delas com execuções bombásticas, repletas de vigor. Nada mecânico, convém frisar. E, no repertório, nada de standards. Há excelentes composições dos pianistas Dieter Reith e Francis Coppieters e do saxofonista Heinz von Hermann, alguns dos principais solistas, ao lado de Jiggs Whigham (trombone), Dusko Goykovich (trompete) e Ack van Royen (flugelhorn). Mesmo atuando com pequenas formações, Charly as faz soar como big-bands, tal a densidade de suas performances em faixas tipo “Attention”, “Yeah man”, “Locomotion” e “Special delivery”.

Completando o pacote, a Jazzclub relança, com nova capa, “Dizzy Gillespie live in Berlin”. Captado em 7 de novembro de 1968, durante a performance da Reunion Band do trompetista no Berlin Jazz Festival, inclui um tema do notável pianista Mike Longo (“Frisco”) e cinco de Gillespie (1917-1993): “Things to come”, “Birk’s works”, “Two bass hit”, “The things are here” e a belíssima “Con alma”. No naipe de metais pontificam os trompetistas Victor Paz e Jimmy Owens, os trombonistas Curtis Fuller e Tom McIntosh, e os saxofonistas James Moody, Sahib Shihab e Cecil Payne. O sangue ferve, o swing arrebata e a platéia delira. Boa audição!

Legendas:
“Hammond Bond”: tributo jazzístico aos filmes do agente 007
“Walter Wanderley: o balanço inigualável do organista-mor da bossa nova

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