Lalo Schifrin e Kai Winding estão entre os destaques
Arnaldo DeSouteiro
Los Angeles (EUA) - Atualmente a série de maior sucesso comercial no mercado jazzístico internacional, e a campeã absoluta de vendagem na Europa, a “Jazz Club”, da gravadora Universal, coloca nas lojas uma nova safra de títulos. Além de antologias do arranjador argentino Lalo Schifrin, do trombonista dinamarquês Kai Winding e do violinista alemão Helmut Zacharias, reaparece um cultuado disco do maestro (também germânico) Kurt Edelhagen dedicado ao songbook do compositor americano Jimmy Webb. Entre as compilações temáticas, as atraentes “Sampled!” e “Psychedelic jazz”.
Arranjos eletrizantes
Um clima frenético predomina ao longo de “Mission: Impossible and other thrilling themes”, organizado por Sergej Braun com a ajuda do historiador Doug Payne, a maior autoridade em matéria de Lalo Schifrin. São dezoito faixas, cobrindo o período 1962-1971, de gravações realizadas para os selos Verve, Dot, Paramount e MGM, todos atualmente pertencentes ao acervo da Universal. Logo na abertura, claro, o grande sucesso da carreira de Lalo, o tema do seriado “Missão impossível” em sua versão original de 1967, com Carol Kaye no baixo, Adolfo Valdes nos bongôs e Emil Richards na percussão. Aliás, um dos méritos da coleção é trazer as fichas técnicas completas, muitas vezes não encontradas nem mesmo nos discos originais, e aqui divulgadas graças ao esmero da equipe “Jazz Club”.
“Lalo’s bossa nova”, “The wave” (não confundir com o tema de Jobim) e “Silvia” pertencem ao disco “Piano, strings & bossa nova”, de 1962, mais tarde relançado com o nome de “Insensatez”. Na percussão, a presença da cantora brasileira Carmen Costa e de seu marido José Paulo, então residindo aqui nos EUA. E na guitarra um tal de Jim Hall, substituído por Kenny Burrell em “The man from Thrush”, safra 65, com Freddie Hubbard, Phil Woods e James Moody nos sopros. Do célebre LP “Marquis de sade” (66), também produzido por Creed Taylor, foi escolhida “Bossa antique”, enquanto a adaptação da ária das “Bachianas brasileiras nº 5” saiu do disco “New fantasy”, de 64, com uma inacreditável seção de trombones: Urbie Green, J.J. Johnson, Kai Winding, Jimmy Cleveland e Tony Studd.
Da obra-prima de Lalo em sua fase na Dot, “There’s a whole Lalo Schifrin goin’ on” (relançado ano passado somente no Japão e comentado neste espaço), aparecem nada menos que cinco faixas impecáveis. Há ainda o tema de outro seriado de TV muito popular nos anos 60, “Mannix”, e faixas dos encontros com o vibrafonista Cal Tjader (“The fakir”), o trombonista Bob Brookmeyer (“Just one of those things”) e o organista Jimmy Smith (“Theme from Joy House”, do Grammyado álbum “The cat”). Vale citar ainda “Agnus Dei”, captada em 67 para o LP “Rock requiem”, com participação do grupo Mike Curb Congregation.
Mestres em ação
Consagrado pelo até hoje insuperável duo de trombones formado com J.J. Johnson, o dinamarquês Kai Winding registrou ótimos discos individuais para a Verve, todos de pouca repercussão. Novamente graças ao comando de Creed Taylor, é vasta a presença brasileira no repertório. “Amor em Paz” (Jobim), “Recado bossa nova” (Djalma Ferreira & Luis Antonio) e “Lugar bonito” (Carlos Lyra & Chico de Assis) estão entre as vinte faixas da coletânea. Sem falar da batida de bossa nova aplicada a vários standards e a um tema do próprio líder batizado “I’m your bunny bossa nova”.
Ótimo arranjador, altamente influenciado por Henry Mancini – de quem interpreta “Night side”, “Hatari” e “Days of wine and roses” –, Winding obtém expressivos resultados ao combinar seu trombone aveludado a uma seção de flautas em faixas como “Um homme et une femme” e “A time for love”, reforçadas pelas contribuições sempre elegantes do baixista Ron Carter, do batera Grady Tate e do guitarrista Bucky (pai de John) Pizzarelli. A sedutora atmosfera de intensa sofisticação permanece em “Stella by starlight”, “Laura”, “April showers” e “Playboy’s theme”, do grande Cy Coleman, que inspirou o apropriado título do CD, “Jazz for playboys”, compilado por Matthias Kunnecke.
Consagrado pelo até hoje insuperável duo de trombones formado com J.J. Johnson, o dinamarquês Kai Winding registrou ótimos discos individuais para a Verve, todos de pouca repercussão. Novamente graças ao comando de Creed Taylor, é vasta a presença brasileira no repertório. “Amor em Paz” (Jobim), “Recado bossa nova” (Djalma Ferreira & Luis Antonio) e “Lugar bonito” (Carlos Lyra & Chico de Assis) estão entre as vinte faixas da coletânea. Sem falar da batida de bossa nova aplicada a vários standards e a um tema do próprio líder batizado “I’m your bunny bossa nova”.
Ótimo arranjador, altamente influenciado por Henry Mancini – de quem interpreta “Night side”, “Hatari” e “Days of wine and roses” –, Winding obtém expressivos resultados ao combinar seu trombone aveludado a uma seção de flautas em faixas como “Um homme et une femme” e “A time for love”, reforçadas pelas contribuições sempre elegantes do baixista Ron Carter, do batera Grady Tate e do guitarrista Bucky (pai de John) Pizzarelli. A sedutora atmosfera de intensa sofisticação permanece em “Stella by starlight”, “Laura”, “April showers” e “Playboy’s theme”, do grande Cy Coleman, que inspirou o apropriado título do CD, “Jazz for playboys”, compilado por Matthias Kunnecke.
Voltando no tempo, “I got rhythm” recupera vinte e quatro faixas registradas entre 1949 e 1956 por Helmut Zacharias, que merecia figurar na lista dos melhores violinistas de jazz de todos os tempos. Mas sua posterior adesão ao easy-listening, quando passou a liderar uma conservadora orquestra de apelo comercial, praticamente colocou o início de sua carreira em total esquecimento. Atenção: favor não confundir com o Maestro Zaccarias, brasileiríssimo, de São José do Rio Preto, e manda-chuva da RCA nos anos 50, em cuja orquestra estagiaram arranjadores como Lindolpho Gaya.
Nesta coletânea, o Zacharias alemão (que, diga-se de passagem, chegou a fazer uma gravação de “Ave Maria no morro” nos anos 70) manda brasa em faixas tipo “Swing 48”, “Little white lies”, “The man I love”, “Whispering” (adorada por Luiz Bonfá), “What is this thing called love?” e “Embraceable you”, liderando um quinteto essencialmente jazzístico, com destaque para Rudi Bohn (órgão, cravo e até mellophon), Kurt Grabert na bateria e vibrafone, e Coco Schumann na guitarra. “C jam blues”, “Blue moon” e “I got rhythm” estão entre os temas gravados com uma big-band. E “How high the moon” conta com a orquestra de Kurt Edelhagen.
Kurt assume a liderança no CD “Up up and away: Kurt Edelhagen plays the hits of Jimmy Webb”, originalmente lançado em 1970 pelo selo Polydor. O nome de Quincy Jones constava na capa como único arranjador. Porém, de acordo com elucidativo texto de Doug Payne adicionado ao livreto desta reedição, Tio Quincy teve a assessoria de J.J. Johnson, Tom Scott e Pete Myers na elaboração das orquestrações. Doug revela ainda a importância de Claus Ogerman para o projeto, ao sugerir que seu antigo patrão (sim, Claus havia integrado a orquestra de Kurt antes de rumar para New York) desse um tratamento jazzístico aos temas de Webb, então com apenas 24 anos mas já no auge do sucesso.
Um hit-maker do mesmo nível de Burt Bacharach, a quem nunca superou em termos de popularidade, Webb teve “By the time I get to Phoenix”, “Evie”, “Wichita lineman”, “MacArthurPark”, “Up up and away” e mais seis outras pérolas do pop dos anos 60, recriadas por um timaço. Entre os solistas, nomes como o trombonista Oliver “Jiggs” Whigham (ainda em plena atividade), o trompetista Shake Keane e o saudoso pianista Bora Rokovic, que atuou na “Missa Espiritual” de Airto Moreira. Curiosamente, o disco não alcançou o êxito esperado na época do lançamento, sendo retirado de catálogo e transformando-se num cult-item até então disputado em leilões na internet. Agora em CD, custa menos de 10 dólares.
Coletâneas didáticas
A nova safra “Jazz Club” se completa com duas coletâneas bem interessantes. “Psychedelic jazz” traz um subtítulo gigante: “The best mindblowing spaced-out jazz grooves”. No recheio, performances em climas viajantes, lisérgicos, alguns fazendo uso de instrumentações exóticas. Exemplos? A mistura da harpa de Dorothy Ashby com flautas e kalimba em “The moving finger”. A junção do vibrafonista Dave Pike (pois é, aquele mesmo que gravou o primeiro songbook de João Donato em 1962) com a cítara de Volker Kriegel em “Mathar”. Okko Bekker se desdobrando na tabla, cítara e sintetizador Moog. Rolf Kuhn estraçalhando no clarinete elétrico. Ah, a cítara de Larry Coryell também era eletrificada no cultuado tema “Guru-vin” de Don Sebesky, um jazz-funk oriental.
Por conta da enorme influência de Ravi Shankar naquela época, até o húngaro Gabor Szabo revezava guitarra e cítara no registro original de “Mizrab”, em 1966, para o LP “Jazz raga”. Cultura indiana e trips de LSD também moviam Mike Nock, Brian Auger (“foi por causa desse cara que eu comecei a tocar Hammond”, me revelou José Roberto Bertrami) e Roy Ayers, na matadora “The fuzz”. Jimmy Smith entrou na festa via “Britney Spears”, perdão, “Burning spear”, estimulado pelo arranjo de Oliver Nelson. E o que dizer do tão emblemático quanto inclassificácel “Psyque rock” criado a quatro mãos por Pierre Henry & Michel Colombier, em 1968, para “Messe pour le temps present”?
O fato é que a geração hip-hop anda consumindo e reciclando aquela aparente loucura. Duvida? Então cheque o CD “Sampled! The original jazz classics, rare grooves & breaks”, compilado por Sergej Braun. A ficha técnica lista quem sampleou as dezoito faixas escolhidas. E entrega o nome das “novas” músicas. Por exemplo: “Mathar”, de Dave Pike, foi sampleada pelo japa Towa Tei em “Son of Bambi”. “Enchanted lady”, de Milt Jackson & Ray Brown, pelo grupo De la Soul em “Dinninit”. “Jim on the move”, de Lalo Schifrin, ressurgiu através dos Wiseguys em “Oh l ala”. Gerando alguma receita e muita confusão.
Nem os brasileiros escaparam. A baladaça “Who can I turn to?”, na voz de Astrud Gilberto, foi usada em “Like that” do Black Eyed Peas. A batida do violão de Luiz Henrique (“Listen to me”) aumentou o faturamento dos DJs alemães do Jazzanova em “Another new day”. “Oba lá vem ela”, de Jorge Ben, reforçou o caixa do Folk Og Roevere. Nomes que parecem vindos de outro planeta para os jazzófilos que vivem acorrentados ao passado, mas são manjados por qualquer fã de rap. Detalhe: “Sampled!” traz as gravações originais e fornece as pistas para quem quiser ir atrás das transformações. Alguém ainda duvida que o tempo não pára?
Legendas para as ilustrações
Capa do BIS – capa do CD de Lalo Schifrin
“As missões impossíveis do maestro argentino Lalo Schifrin”
Página interna – capa do CD de Kai Winding
“Kai Winding: trombone dinamarquês em clima de sedução”
Página interna – capa do CD de Helmut Zacharias
“Violino alemão arrepiando no jazz”
Nesta coletânea, o Zacharias alemão (que, diga-se de passagem, chegou a fazer uma gravação de “Ave Maria no morro” nos anos 70) manda brasa em faixas tipo “Swing 48”, “Little white lies”, “The man I love”, “Whispering” (adorada por Luiz Bonfá), “What is this thing called love?” e “Embraceable you”, liderando um quinteto essencialmente jazzístico, com destaque para Rudi Bohn (órgão, cravo e até mellophon), Kurt Grabert na bateria e vibrafone, e Coco Schumann na guitarra. “C jam blues”, “Blue moon” e “I got rhythm” estão entre os temas gravados com uma big-band. E “How high the moon” conta com a orquestra de Kurt Edelhagen.
Kurt assume a liderança no CD “Up up and away: Kurt Edelhagen plays the hits of Jimmy Webb”, originalmente lançado em 1970 pelo selo Polydor. O nome de Quincy Jones constava na capa como único arranjador. Porém, de acordo com elucidativo texto de Doug Payne adicionado ao livreto desta reedição, Tio Quincy teve a assessoria de J.J. Johnson, Tom Scott e Pete Myers na elaboração das orquestrações. Doug revela ainda a importância de Claus Ogerman para o projeto, ao sugerir que seu antigo patrão (sim, Claus havia integrado a orquestra de Kurt antes de rumar para New York) desse um tratamento jazzístico aos temas de Webb, então com apenas 24 anos mas já no auge do sucesso.
Um hit-maker do mesmo nível de Burt Bacharach, a quem nunca superou em termos de popularidade, Webb teve “By the time I get to Phoenix”, “Evie”, “Wichita lineman”, “MacArthurPark”, “Up up and away” e mais seis outras pérolas do pop dos anos 60, recriadas por um timaço. Entre os solistas, nomes como o trombonista Oliver “Jiggs” Whigham (ainda em plena atividade), o trompetista Shake Keane e o saudoso pianista Bora Rokovic, que atuou na “Missa Espiritual” de Airto Moreira. Curiosamente, o disco não alcançou o êxito esperado na época do lançamento, sendo retirado de catálogo e transformando-se num cult-item até então disputado em leilões na internet. Agora em CD, custa menos de 10 dólares.
Coletâneas didáticas
A nova safra “Jazz Club” se completa com duas coletâneas bem interessantes. “Psychedelic jazz” traz um subtítulo gigante: “The best mindblowing spaced-out jazz grooves”. No recheio, performances em climas viajantes, lisérgicos, alguns fazendo uso de instrumentações exóticas. Exemplos? A mistura da harpa de Dorothy Ashby com flautas e kalimba em “The moving finger”. A junção do vibrafonista Dave Pike (pois é, aquele mesmo que gravou o primeiro songbook de João Donato em 1962) com a cítara de Volker Kriegel em “Mathar”. Okko Bekker se desdobrando na tabla, cítara e sintetizador Moog. Rolf Kuhn estraçalhando no clarinete elétrico. Ah, a cítara de Larry Coryell também era eletrificada no cultuado tema “Guru-vin” de Don Sebesky, um jazz-funk oriental.
Por conta da enorme influência de Ravi Shankar naquela época, até o húngaro Gabor Szabo revezava guitarra e cítara no registro original de “Mizrab”, em 1966, para o LP “Jazz raga”. Cultura indiana e trips de LSD também moviam Mike Nock, Brian Auger (“foi por causa desse cara que eu comecei a tocar Hammond”, me revelou José Roberto Bertrami) e Roy Ayers, na matadora “The fuzz”. Jimmy Smith entrou na festa via “Britney Spears”, perdão, “Burning spear”, estimulado pelo arranjo de Oliver Nelson. E o que dizer do tão emblemático quanto inclassificácel “Psyque rock” criado a quatro mãos por Pierre Henry & Michel Colombier, em 1968, para “Messe pour le temps present”?
O fato é que a geração hip-hop anda consumindo e reciclando aquela aparente loucura. Duvida? Então cheque o CD “Sampled! The original jazz classics, rare grooves & breaks”, compilado por Sergej Braun. A ficha técnica lista quem sampleou as dezoito faixas escolhidas. E entrega o nome das “novas” músicas. Por exemplo: “Mathar”, de Dave Pike, foi sampleada pelo japa Towa Tei em “Son of Bambi”. “Enchanted lady”, de Milt Jackson & Ray Brown, pelo grupo De la Soul em “Dinninit”. “Jim on the move”, de Lalo Schifrin, ressurgiu através dos Wiseguys em “Oh l ala”. Gerando alguma receita e muita confusão.
Nem os brasileiros escaparam. A baladaça “Who can I turn to?”, na voz de Astrud Gilberto, foi usada em “Like that” do Black Eyed Peas. A batida do violão de Luiz Henrique (“Listen to me”) aumentou o faturamento dos DJs alemães do Jazzanova em “Another new day”. “Oba lá vem ela”, de Jorge Ben, reforçou o caixa do Folk Og Roevere. Nomes que parecem vindos de outro planeta para os jazzófilos que vivem acorrentados ao passado, mas são manjados por qualquer fã de rap. Detalhe: “Sampled!” traz as gravações originais e fornece as pistas para quem quiser ir atrás das transformações. Alguém ainda duvida que o tempo não pára?
Legendas para as ilustrações
Capa do BIS – capa do CD de Lalo Schifrin
“As missões impossíveis do maestro argentino Lalo Schifrin”
Página interna – capa do CD de Kai Winding
“Kai Winding: trombone dinamarquês em clima de sedução”
Página interna – capa do CD de Helmut Zacharias
“Violino alemão arrepiando no jazz”
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