Benny Carter: reverências a um mestre do jazz
Mel Martin lança CD com gravações inéditas ao lado de seu ídolo
Arnaldo DeSouteiro
NY - O Lincoln Center, em New York, viverá noites de gala esta semana ao celebrar a obra e o centenário de Bennett Lester Carter. Ou melhor, Benny Carter. E a primeira delas acontece hoje, no luxuoso Dizzy’s Club, situado no Frederick P. Rose Hall na célebre esquina da Broadway Avenue com a Rua 60, onde um supergrupo comandado por Mel Martin abrirá os trabalhos realizando dois sets, às 19:30 e 21:30. Fã, colaborador e amigo do saudoso Carter – um dos maiores saxofonistas, compositores, arranjadores e band-leaders da história do jazz –Martin está lançando “Just friends”, excelente CD com gravações inéditas realizadas em 1994 ao lado de seu ídolo-mor, nascido a 8 de agosto de 1907 em NY e falecido em 12 de julho de 2003 em Los Angeles.
A programação batizada “Benny Carter Centennial”, organizada pelo “Jazz at Lincoln Center” que tem o almofadinha Wynton Marsalis como diretor artístico e Katherine E. Brown como diretora executiva, prosseguirá dias 19 e 20 no Rose Theater com o próprio trompetista liderando a “Jazz at Lincoln Center Orchestra”, considerada a quinta melhor big-band do mundo segundo os leitores da DownBeat na votação de 2006. Brian Wilson, âncora e editor do “NBC Nighty News” será o mestre de cerimônias no dia 19, cabendo esta tarefa a Tiki Barber – grande astro do futebol americano, ex-jogador do New York Giants e atual correspondente do “Today Show” – na noite seguinte.
Catedrático da Rutgers University e co-autor do livro “Benny Carter: a life in American music” (editado pela Scarecrow Press), Ed Berger – que também trabalhou como produtor e “road manager” do autor de “Key Largo” e “Only trust your heart” (sucesso na voz de Astrud Gilberto nos anos 60) – fará palestras antes dos concertos dos dias 19 e 20, às 18:45 no Irene Diamond Education Center. Uma exposição com fotos raras, capas de disco e até exibição de vídeos estará aberta ao público no lindo salão Atrium. Para completar, Carter entrará para o “Nesuhi Ertegun Hall of Fame” criado pelo Lincoln Center para homenagear grandes nomes do jazz.
Encontro memorável
Lançado agora pelo selo Jazzed Media, “Just friends” recupera material inédito captado durante show no clube de jazz Yoshi’s, de Oakland, Califórnia. Algumas músicas executadas na abençoada noite de 30 de abril de 1994 chegaram a ser editadas, naquele mesmo ano, no álbum “Mel Martin plays Benny Carter” (do selo alemão Enja), misturadas à uma sessão de estúdio com Kenny Barron, Rufus Reid e Victor Lewis.
As que ficaram de fora, por limitação de tempo, aparecem em “Just friends”. Mas seria injusto classifica-lo como um disco meramente de sobras, pois situa-se no mesmo nível de seu antecessor. Na época da gravação, Carter era um jovem de 87 anos. Martin tinha 54. Para badalar o novo lançamento, Martin vem realizando uma extensa série de shows desde agosto, inclusive no Yoshi’s e no Hollywood Bowl, onde participou do mega-evento “Benny Carter’s 100 years of music”, coordenado por Quincy Jones com as presenças de James Moody, Marlena Shaw, Russell Malone e da Clayton-Hamilton Orchestra.
O CD abre de forma atabalhoada com “Perdido”, o tema de Juan Tizol que talvez seja o mais usado em jam-sessions, pau-a-pau com “Blues walk”, por causa da fácil melodia e simples estrutura harmônica. É a música perfeita para embromar o público neófito, porque nivela músicos notáveis e medíocres. Claro que não é o caso da turma aqui em estão, e por isto mesmo fica difícil entender sua escolha para abrir o disco. Porém, nem Martin nem Carter escapam de naufragar na armadilha, com solos risíveis prejudicados pelo clima de afobação. O único a conseguir o milagre de escapar da previsibilidade na hora do improviso é o genial Roger Kellaway, construindo seu solo por caminhos inesperados.
Belos momentos
Felizmente, “Perdido” é alarme falso. A faixa seguinte, “People time”, suntuosa balada de Carter, enseja sublime performance de Martin na flauta. Em duo com o piano de Kellaway, Mel exibe completo domínio do instrumento aliado a uma sonoridade límpida e “dourada”, dentro de uma estética que fica entre as linhagens de Frank Wess e James Newton.
“Secret love”, de Sammy Fain & Paul Francis Webster, vencedora do Oscar de melhor canção em 1953, lançada por Doris Day na trilha de “Calamity Jane”, transcorre em delicioso andamento médio, com ótimos solos de Carter (de uma sensualidade, no sax-alto, comparável somente a de Johhny Hodges), Martin (que sabiamente faz de seu improviso, no tenor, uma continuação do solo de Carter, aproveitando a entrega feita “de bandeja”) e, para variar, Roger Kellaway. Na reprise da melodia, os dois saxes atuam entrelaçados, sem esbarros, complementando idéias com graça e elegância.
Incentivador constante dos trabalhos de Martin como autor, Benny sai de cena e deixa o parceiro brilhar sozinho em “Spritely”, cujo ¾ levado por Harold Jones nas vassourinhas enseja seu melhor momento do disco. Veterano craque que eu já tive a oportunidade de assistir com Basie, Sarah e mais recentemente Tony Bennett, Jones fraseia junto com os solistas, fazendo com que sua performance tenha decisiva importância na evolução dos improvisos. Contagia até o baixista Jeff Chambers, que também vai crescendo de rendimento a cada chorus e, quando chega no meio do irretocável solo de Kellaway, já está em perfeita sintonia com o batera e o pianista.
Carter retorna na tocante “Elegy in blue”, escrita por ocasião do falecimento de um amigo japonês que ele havia conhecido durante sua primeira viagem à Ásia em 1953. Ed Berger bem observa em seu texto para o encarte: “é uma das muitas peças de Carter que traduzem o sentimento do blues sem precisar se valer de sua estrutura”. Benny arranca aplausos entusiasmados ao final de seu solo de linhas sinuosas, seguido por um improviso mais contido de Martin e outro mais ousado de Kellaway, alternando frases longas com seqüências de oitavas em cascata a la Oscar Peterson. Mais uma vez, a volta ao tema acontece em grande estilo, sem furos ou titubeios.
Última faixa, e também a mais longa, ultrapassando doze minutos, o batidérrimo standard “Just friends”, outro tema frequentemente assassinado em jams, escapa do massacre graças à alta estirpe dos envolvidos. Benny faz um solo de contagiante “joie de vivre”, certas frases parecendo risadas vindas de seu sax-alto. Como sempre, Martin ataca de forma classuda e respeitosa. E para variar, Kellaway quebra o protocolo, manda às favas os clichês e praticamente rouba a cena com mais um solo acachapante. Jones ganha espaço na tradicional troca de quatro compassos entre os sopros e a bateria, antes da rápida volta ao tema.
Noite especial
Nos concertos de hoje à noite, Mel estará liderando uma formação batizada The Benny Carter Centennial Tribute Band, com as participações de Don Friedman (piano), Steve LaSpina (que tantas vezes assisti no Zinno, em duo com Gene Bertoncini, no baixo) e Victor Lewis (baterista atualmente brilhando no Manhattan Jazz Quintet) na seção rítmica. No vocal, Jackie Ryan. Nos sopros, o tenorista Craig Handy, e duas feras em matéria de sax-alto: o australiano Andrew Speight e o californiano Jerry Dodgion, atuante na famosa gravação de “Garota de Ipanema” realizada por Antonio Carlos Jobim, em 1970, no LP “Tide”. Curiosamente, Jerry integrou a orquestra de Benny Carter (recomendado por Gerald Wilson) em 1955, na época da inauguração do “Moulin Rouge” de Las Vegas!
Os ingressos para o show das 19:30 já estão esgotados, mas ainda há lugares disponíveis para o segundo set. Custam 20 dólares mais consumação mínima de 10 (nas mesas) e 5 (no bar). Ambos serão gravados para transmissão via XM Satellite Radio. E três vídeos, produzidos por Bret Primack, focalizando Martin & Carter em atuações e conversas informais podem ser acessados no website oficial de Mel, www.melmartin.com ou através do YouTube. Cada um se diverte como pode.
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Legendas:
“Dois shows do saxofonista Mel Martin, no Lincoln Center, abrem hoje uma série de eventos comemorativos do centenário de Benny Carter, um dos maiores nomes da história do jazz”
“Mel Martin, que toca hoje no Lincoln Center, lança o CD “Just friends”, com gravações inéditas ao lado de Benny Carter”
“Mel Martin (esquerda) teve Benny Carter como seu maior amigo, mentor, ídolo e incentivador”.
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