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MONTREUX JAZZ FESTIVAL por Arnaldo DeSouteiro
Esta nova safra de jazz da Fantasy/BMG é inteiramente dedicada a discos antológicos gravados ao vivo no Montreux Jazz Festival, o mais importante do gênero em todo o mundo!
Em 1967, um jovem apaixonado por jazz chamado Claude Nobs, que trabalhava como cozinheiro em Basel (na Suíça-alemã), decidiu criar um festival de jazz às margens do Lago Geneve, na pequena cidade de Montreux. Com um orçamento de apenas oito mil dólares, e ajudado por dois amigos, organizou uma competição destinada a revelar músicos europeus, e contratou o quarteto do saxofonista Charles Lloyd (do qual o pianista Keith Jarrett fazia parte) para o show de encerramento. O empreendimento deu lucro e, no ano seguinte, Claude conseguiu levar o trio de Bill Evans (então com Eddie Gomez & Jack DeJohnette) como atração principal. Apostando na popularização do evento, o selo Verve decidiu gravar o show para transforma-lo em disco. Aclamado pela crítica, “Bill Evans Live At Montreux Jazz Festival” faturou vários prêmios, inclusive um Grammy, além de tornar-se um dos LPs mais vendidos na carreira do pianista.
Foi o “empurrão” suficiente para colocar Montreux no mapa da cena jazzística internacional. Entre 1969 e 1973, nomes como Ella Fitzgerald, Aretha Franklin, Roland Kirk, Herbie Mann, Max Roach, Les McCann, Nina Simone, Roberta Flack, Oliver Nelson e Yusef Lateef ajudaram a solidificar a fama do festival. Bill Evans voltou em 1970 para gravar um disco para o selo CTI. Miles Davis aceitou se apresentar em Montreux pela primeira vez em 73, lá realizando seu único concerto na Europa naquele ano. Em 74, o selo Milestone inovou ao reservar uma noite para seus principais artistas: Sonny Rollins, Flora Purim e Woody Herman.
A partir de 1975, o empresário e produtor Norman Granz, fundador do selo Pablo, passou a organizar verdadeiras caravanas à Montreux com os astros filiados a seu cast. São eles – Joe Pass, Oscar Peterson, Dizzy Gillespie, Benny Carter, Ella Fitzgerald, Milt Jackson & Ray Brown – que dominam esta apetitosa safra de CDs, com registros captados em 75 e 77. Granz sempre adorou armar jam-sessions, ao estilo dos famosos concertos batizados Jazz At The Philharmonic nos anos 40 e 50. Representando estes encontros espontâneos, temos o CD Pablo All-Stars, reunindo Peterson, Pass, Jackson e Clark Terry na linha de frente. O célebre show de Dexter Gordon em 1970 (documentado pelo selo Prestige), a terceira apresentação de Bill Evans (em duo com Eddie Gomez, em 75, captada pelo selo Fantasy), e o concerto comemorativo dos trinta anos de carreira do Modern Jazz Quartet (Pablo, 82) completam esta coleção.
Dexter Gordon At Montreux with Junior Mance (1970)
No mesmo ano, 1970, em que Bill Evans tocou pela segunda vez em Montreux, o fenomenal tenorista Dexter Gordon (então morando na Dinamarca) fez seu début no Festival. Para acompanha-lo, convocou o trio do excelente pianista Junior Mance, completado por Martin Rivera (baixo) e Oliver Jackson (bateria) - todos radicados na Europa. No repertório, dois temas de Thelonious Monk (“Blue Monk”, “Rhythm-A-Ning”), duas suntuosas baladas (“Sophisticated Lady”, “Body and Soul”), e duas crepitantes composições do próprio Gordon: “The Panther” e “Fried Bananas”, lançada um ano antes no disco “More Power!” (já reeditado nesta série) e revisitada em 1977 no álbum “Sophisticated Giant”.
Bill Evans & Eddie Gomez: Montreux III (1975)
Depois dos antológicos shows em 1968 e 1970, Bill Evans retornou a Montreux pela terceira vez em 20 de julho de 1975. Ao invés do formato de trio, optou por tocar em duo com o baixista Eddie Gomez, que participara das apresentações anteriores. Mais uma vez, Bill bateu o recorde de publico do Festival! Entre as músicas pontificam dois clássicos do Modern Jazz Quartet compostos em 1954 por John Lewis (“Django” e “Milano”), a obra-prima de Francis Hime (“Minha”, também gravada nos EUA por Tony Bennett) e o standard “I Love You”, de Cole Porter. Em grande forma, Gomez apronta alucinante solo em “Elsa”, usando o arco de seu instrumento. Em dois temas, “Venutian Rhythm Dance” e “Driftin’”, Evans toca simultaneamente o piano elétrico Fender Rhodes com a mão direita e o piano acústico com a esquerda – inovação exercitada desde o LP “From Left To Right”, de 1970. No bis, o tema do filme “Summer of ‘42”, de Michel Legrand.
The Dizzy Gillespie Big 7 At Montreux 1975
Em toda a história de Montreux, os dois trompetistas que mais se apresentaram no Festival foram Miles Davis e Dizzy Gillespie. Durante sua carreira, o bochechudo Dizzy conquistou uma legião de fãs não apenas por seu talento musical, mas também por seu dom nato de “entertainer” e “instant crowd pleaser”, um mestre capaz de cativar qualquer público em questão de segundos. Neste show em 16 de julho de 75, não foi diferente. Dividindo os solos com o vibrafonista Milt Jackson e dois tenoristas de escolas distintas - Johnny Griffin e Eddie “Lockjaw” Davis - passeia durante 17 minutos por “Lover, Come Back To Me”, dispara em “Cherokee” (o clássico de Ray Noble) e emociona a platéia com “What’s New”, imortalizado por Billie Holiday. O grupo se completa com Tommy Flanagan ao piano, Niels Pedersen no baixo, e Mickey Rocker na bateria.
Ella Fitzgerald At The Montreux Jazz Festival 1975
No show de Montreux em 1977, lançado pela BMG em janeiro, Ella Fitzgerald dá uma aula de scat no “Samba de Uma Nota Só”. Nesta performance em 17 de julho de 1975, com o mesmo trio de 77 – Tommy Flanagan ao piano, Keter Betts no baixo e Bobby Durham na bateria - novamente a grande dama do jazz demonstra a admiração por Tom Jobim, escolhendo “Wave” e “The Girl from Ipanema”. Outro de seus compositores favoritos, Duke Ellington, também está presente em dose dupla, através de “Caravan” e “Satin Doll”. Na seção de standards, o destaque fica para um impecável “How High The Moon”.
Benny Carter: Montreux 77
Já elevado ao status de standard jazzístico, “Wave” aparece também no cardápio selecionado por Benny Carter para a sua triunfal apresentação em Montreux, em 13 de julho de 1977, outro ano dominado pelos artistas do selo Pablo. Com a inconfundível sonoridade de seu sax-alto, Benny investiga as essências de “Three Little Words”, “Undecided” e “On Green Dolphin Street”, chegando ao ponto máximo de sensualidade nas baladas “Body and Soul” e “Here’s That Rainy Day”. No suporte, o trio de apoio - formado pelo subestimado pianista Ray Brown, pelo virtuose baixista viking Niels Pedersen e pelo esquecido batera Jimmie Smith - atua de forma compatível com a elegância do líder.
Joe Pass: Montreux 77
Um dos cinco maiores guitarristas na história do jazz, Joe Pass ganhou um novo impulso em sua carreira após assinar com o selo Pablo, em 1974, gravando vários volumes da antológica série “Virtuoso”. Em sua segunda visita a Montreux, em 15 de julho de 1977, comprovou ser imbatível no contexto de guitarra-solo, colocando a técnica estonteante a serviço da mais elevada musicalidade. Além de exibir sua maneira peculiar de explorar o território do blues (com nada menos que quatro temas trazendo este termo no título), Pass demonstra seu lirismo através dos standards “Wait Till You See Her” e “She’s Funny That Way”, além de uma surpreendente releitura de “This Masquerade”.
Oscar Peterson & The Bassists: Montreux 77
Na mesma noite da performance-solo de Joe Pass, o canadense Oscar Peterson subiu ao palco do Cassino de Montreux com uma formação inusitada: piano e dois contrabaixos! Uma idéia do próprio Peterson, a princípio encarada com ceticismo pelo produtor Norman Granz. O resultado, contudo, superou a mais otimista das expectativas. Os estilos inteiramente distintos do norte-americano Ray Brown e do dinamarquês Niels-Henning Orsted Pedersen somaram-se maravilhosamente bem, ensejando uma sucessão de solos sublimes. “There Is No Greater Love”, “You Look Good To Me” e “Teach Me Tonight” estão entre os pontos-altos do repertório. Na última música, “Soft Winds”, de Benny Goodman, um defeito no baixo de Pedersen fez os dois baixistas tocarem no instrumento de Brown, para delírio do público.
Milt Jackson/Ray Brown Jam: Montreux 77
Em 13 de julho de 77, além dos shows de Benny Carter e Ray Bryant, a privilegiada platéia de Montreux ainda assistiu a uma inesquecível jam-session liderada por Milt Jackson & Ray Brown. Depois de um período no selo CTI, no qual gravou a obra-prima “Sunflower” com uma formação orquestral, Milt, o maior vibrafonista de todos os tempos, retornou ao “straight-ahead jazz” pelas mãos de Norman Granz. Nesta jam, conta com as estimulantes contribuições do trompetista Clark Terry, do tenorista Eddie “Lockjaw” Davis, do batera Jimmie Smith, e do pianista jamaicano Monty Alexander – além, claro, da sonoridade volumosa do baixista Ray Brown. Destaque para “Mean To Me”, “You Are My Sunshine” e “A Beautiful Friendship”.
The Pablo All-Stars Jam: Montreux 77
A noite de 14 de julho de 77 foi dominada pelo timaço Pablo All-Stars, reunindo na linha de frente os endiabrados Milt Jackson, Oscar Peterson, Joe Pass e Clark Terry, que aprontam uma sucessão de solos espetaculares no eletrizante tratamento fornecido a “Samba de Orfeu”, de Luiz Bonfá & Antonio Maria, apresentado ao mundo através do filme “Black Orpheus” em 1959. Na seqüência, Terry deixa patente sua condição como insuperável mestre do flugelhorn em emocionante interpretação de “God Bless Then Child”, de Billie Holiday. Este CD traz uma faixa extra não incluída no LP original: “Sweethearts On Parade”, na qual a dobradinha formada por Niels Pedersen (baixo) e Bobby Durham (bateria) mais uma vez exibe seu entrosamento, estimulando os solistas. A jam contou ainda com a participação do tenorista Ronnie Scott, fundador do mais famoso clube de jazz de Londres.
Modern Jazz Quartet: Together Again (1982)
Em 25 de julho de 1982, o fenomenal Modern Jazz Quartet, que havia tirado “férias” entre 74 e 81, aproveitou para celebrar trinta anos de carreira no palco de Montreux. Os maiores sucessos do grupo (“Django”, “The Cylinder”, “Odds Against Tomorrow”, na linha “third-stream” de John Lewis, contrastando com o inflamado blues “Bag’s groove” de Milt Jackson) são relembrados neste concerto. Bastam alguns minutos para confirmar que o temporário afastamento não havia alterado o entendimento telepático entre Milt (vibrafonista número 1 da história da música), John Lewis (pianista & cérebro do conjunto), Percy Heath (baixista de grande elegância sonora) e Connie Kay (baterista de extrema sutileza). A celebração termina com o vibrante “Woody’n You”, de Dizzy Gillespie.
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