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Saudades do Sivuca
Artigos
Tomada pela súbito falecimento de Sivuca, o jornalista Arnaldo DeSouteiro escreveu um texto pungente lamentando a perda de um amigo. Na seqüência, uma crítica sua sobre a reedição em cd do histórico trabalho de Sivuca com Rosinha de Valença.
15/12/2006 - Arnaldo DeSouteiro
Ontem eu soube da morte de 2 amigos meus, o saxofonista Frank Vicari e o produtor Ahmet Ertegun (fundador da gravadora Atlantic), mas nada sabia sobre o Sivuca. Tomei conhecimento somente agora. Eu poderia escrever até um livro sobre Sivuca, conheço profundamente a obra dele. Mas agora, só dá pra sair um pequeno comentário. Neste país esquisito, em que a mídia também cada vez mais esquisita inventa um "gênio da MPB" a cada semana, um sucessor de Tom Jobim a cada mês e um novo herdeiro de Villa-Lobos a cada semestre, Sivuca era um caso raro de verdadeira e completa genialidade. Algo evidente na multiplicidade de instrumentos que dominava com maestria: sanfona, violão, piano e todos os tipos de teclado. Além de ser um compositor e arranjador de primeiríssima linha. Um exemplo fantástico de multi-instrumentista que só encontra paralelo em Hermeto Pascoal, outro "gênio de verdade". O público brasileiro, que talvez só conheça seus trabalhos mais recentes, precisa e merece descobrir os esplêndidos discos gravados por Sivuca na Europa e nos EUA, nos anos 60 e 70, especialmente o magistral "Live at Village Gate" (Vanguard Records), sua obra-prima. Todos fora de catálogo no mercado brasileiro, claro. Ele não era apenas um sanfoneiro, tanto que se definia como "músico de jazz, no sentido mais abrangente do termo". Era um improvisador nato e, em termos de acordeon, ao criar o efeito vocal em uníssono com a sanfona, estabeleceu uma nova linguagem para o instrumento. Inimitável e inconfundível. Também cantava muito bem, e sua eletrizante recriação de "Ain't no sunshine" tornou-se um clássico do acid-jazz.
Depois de crescer apaixonado por seus discos, finalmente tive a chance de conhece-lo pessoalmente em 1977, quando regressou ao Brasil e realizou uma série de shows memoráveis no Rio de Janeiro. Inclusive a temporada ao lado de Rosinha de Valença, na série "Seis e Meia" do Teatro João Caetano, transformada em disco cuja reedição em CD tive o privilégio de produzir, em 2001.
Maior honra só mesmo a de trabalhar com ele em estúdio, como produtor, ao lado de Nelson Angelo e, mais recentemente, em uma nova gravação, ainda inédita, de uma de suas músicas favoritas, "Céu e Mar" (de Johnny Alf), ao lado de Paula Faour, tecladista de sua banda. Por fim, a morte de Sivuca representa também a oportunidade de repensar equivocados conceitos como a ridícula divisão entre música “cantada” e “instrumental”, apregoada por preconceituosos desprovidos de inteligência e bom-senso. Um entrave a mais que os terroristas xiitas da MPB colocam no caminho evolutivo da nossa música".
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