Flora Purim: "Flora É M.P.M."
First ever official CD reissue of Flora Purim's debut solo.
Reissue Produced by Arnaldo DeSouteiro (Jazz Station Productions) for BMG and released in 2001 as part of the "RCA 100 Anos de Música" series.
First ever official CD reissue of Flora Purim's debut solo.
Reissue Produced by Arnaldo DeSouteiro (Jazz Station Productions) for BMG and released in 2001 as part of the "RCA 100 Anos de Música" series.
Catalog Number: 74321228722
Liner Notes written by Arnaldo DeSouteiro for the CD booklet
Basta o primeiro fraseado de Flora Purim, na introdução da faixa de abertura (“Morte de Um Deus de Sal”) deste disco de estréia (“Flora É M.P.M.”), para comprovar que Flora Purim cantava de um modo completamente diferente de todas as outras cantoras da época. Quase nenhuma influência nem mesmo das intérpretes que admirava, como Sylvia Telles, Alaide Costa e Maysa. Nada da inexpressividade de Nara Leão, equivocadamente considerada “musa” da bossa nova por quem ainda hoje tenta vender a idéia de um “movimento nascido nos apartamentos de Copacabana”, ao invés de entender (e aceitar) a bossa como criação espontânea do baiano João Gilberto. Ou seja: Flora realmente já fazia, em setembro de 1964, data da gravação deste “Flora É M.P.M.”, a Música Popular Moderna originária da sigla estampada no título do hoje histórico LP. Trabalho agora relançado - pela primeira vez oficialmente - em CD, depois de “merecer” diversas edições piratas na Europa.
Como o cantar de Flora não se encaixava nos padrões vigentes, o disco foi execrado pela maioria dos críticos. Os mais cordatos apenas trataram de ignora-lo. Nada muito diferente da agressividade manifestada, na década seguinte, após a definitiva consagração internacional da artista, eleita “cantora revelação” pelos críticos da Down Beat – a Bíblia do jazz – em 1974. Naquele mesmo ano, os leitores da mesma revista apontaram a brasileira como a melhor cantora de jazz do mundo, à frente de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Carmen McRae e Betty Carter! Proeza que, para desespero dos puristas, se repetiu por mais cinco anos, com um impacto comparável somente ao de Billie Holiday nos anos 40, segundo atestou o historiador Leonard Feather em célebre artigo no jornal Los Angeles Times. Uma fase de sucesso que durou até a chegada da onda retrô, pregada por Wynton Marsalis e seus neo-boppers, que trouxeram de volta ao jazz o conservadorismo, o academicismo e, pior de tudo, o racismo (agora contra os brancos...)
Filha do romeno Naum Purim (violinista amador, fã de Stephane Grappelli, companheiro de Fafá Lemos e Djalma Ferreira em serestas no bairro do Catete) com a pernambucana Rachel (pianista que incutiu na filha o amor pelo jazz), a carioca Flora nasceu (em 6 de março de 1942) e cresceu ouvindo Erroll Garner, Art Tatum, Oscar Peterson e Thelonious Monk. Dos 8 aos 12, estudou piano clássico. Depois, violão com Oscar Castro-Neves. Ainda adolescente, formou, ao lado da irmã Yana, um conjunto vocal que tinha Luiz Eça, então ilustre desconhecido, como arranjador. Casou-se com o psicanalista Ary Band, tiveram uma filha, Niura, e, para alívio da família, Flora passou apenas a sonhar com música. Até conhecer, numa visita ao Bottle’s Bar, no Beco das Garrafas, o já famoso baterista Dom Um Romão...
A paixão avassaladora fez a cantora romper o casamento – para tristeza da tradicional comunidade judaica - e instalar-se com sonhos & bagagens no apartamento de Dom Um na Rua Domingos Ferreira, no coração de Copacabana. Certa noite, inconformado, o pai de Flora chegou, armado, ao Bottle’s Bar, disposto a acabar com a vida do músico. Por sorte, errou o tiro. Mas não sossegou até internar a filha para fazer sonoterapia, com a esperança de que esquecesse “aquele negro”. Não adiantou. E foi no meio de toda essa turbulência que a moça, depois de um período como crooner da orquestra do Maestro Cipó, conseguiu - por intermédio de Romão e do jornalista Sergio Porto (vulgo Stanislaw Ponte Preta) - um contrato com a RCA. Em três sessões, em setembro de 64, sob a produção de Dom Um, gravou material suficiente para um LP e um compacto-duplo. Tudo isso agora reunido neste CD, junto com alternates takes - totalmente inéditos – das músicas “Gente” e “Preciso Aprender A Ser Só”.
“Flora É M.P.M” conta com um dream-team de arranjadores (Cipó, Luiz Eça, Waltel Branco, Osmar Milito, Paulo Moura) e músicos. Para início de conversa, Dom Um convocou seus colegas do Copa Trio: o pianista Dom Salvador (ainda chamado de Salvador Filho) e o baixista Manuel Gusmão. Grupo que, sob a liderança do saxofonista João Theodoro Meirelles, e reforçado pelo trompetista Pedro Paulo, se transformaria no Copa 5, força-motriz do “Samba Esquema Novo” de Jorge Ben. Meirelles e Pedro Paulo também foram convocados para o disco de Flora, integrando uma big-band com três trompetes (Pedro, Hamilton e Formiga), quatro trombones (Norato, Raul de Souza, Macaxeira, Pala) e seis saxofones (Paulo Moura no sax-alto, Cipó e Meirelles nos tenores, Netinho, Sandoval e Aurino Ferreira nos barítonos).
No repertório do LP, cinco temas da peça “Pobre Menina Rica”, de Lyra & Vinicius (“Cartão de Visita”, “Sabe Você”, “Maria Moita”, “Samba do Carioca”, “Primavera”), três canções de um rapaz que se assinava Eduardo Lobo (“Definitivamente”, “Reza”, “Borandá”), duas parcerias de Menescal & Boscôli (“A Morte de Um Deus de Sal”, “Nem O Mar Sabia”), e uma composição de Waldyr Gama (“Se Fosse Com Você”). No compacto, duas dos irmãos Marcos & Paulo Sergio Valle (“Preciso Aprender A Ser Só”, “Gente”), uma de Wilson Simonal & José Luiz (“Jeito Bom de Sofrer”) e uma de Lyra & Boscoli (“Barquinho de Papel”).
Flora abre os trabalhos com o trio de base acrescido pelas congas de Rubens Bassini no 6/8 de “A Morte de Um Deus de Sal”, abrindo espaço para impecável solo do trombonista Raul de Souza, colega da cantora em jam-sessions no lendário João Sebastião Bar, em São Paulo. Na sequência, o naipe de sopros aparece entortando tudo no arranjo de Paulo Moura para “Cartão de Visita”, enquanto Dom Um se esbalda executando as famosas cruzadas de baquetas no aro da caixa, sua marca-registrada. Rosinha de Valença entra em cena com seu violão de balanço classudo em “Sabe Você”, precedendo as engenhosas dissonâncias elaboradas por Luiz Eça em “Definitivamente”. Os metais balançam de forma explosiva, sob a batuta de Cipó, na obscura “Se Fosse Com Você”, marcada por alternâncias de andamento.
O fagote de Airton Lima e o clarinete de Paulo Moura alinhavam a introdução de “Maria Moita”, bordada pelo piano de Osmar Milito - também incluindo uma passagem demencializante de bateria -, enquanto um clima afro-cubano, evocativo dos scores de Lalo Schifrin para Dizzy Gillespie, prepara a provocativa versão de “Hava Nagila”, tradicional tema judaico. As tumbadoras de Bassini & Jorge Arena, colegas de Dom Um na formação original do supergrupo Os Catedráticos, de Eumir Deodato, estabelecem o groove de “Reza”, antes dos metais voltarem com carga máxima no arranjo de Waltel Branco para “Samba do Carioca”. Reduzindo a voltagem, Flora confere irretocável tratamento, balizado pelo violão de Rosinha, a “Primavera”, extirpando qualquer ranço do sentimentalismo barato presente nas melodramáticas interpretações que volta e meia destroem a canção. A flauta de Jorginho (Jorge Ferreira da Silva) segue tecendo comentários em “Borandá” e no 5/4 baloiçante de “Nem O Mar Sabia”.
Passando para as músicas que “sobraram” para o compacto, novamente Waltel arrasa na orquestração diabólica para “Jeito Bom de Sofrer” (lançada meses antes por Simonal em seu segundo LP, “A Nova Dimensão do Samba”), com base e sopros em perfeita comunhão. Uma seção de cordas, comandada por Luiz Eça, enfatiza o sutil romantismo de “Preciso Aprender A Ser Só” (faixa previamente incluida na coletânea “Focus on Bossa Nova”, agora também em alternate take) e “Barquinho de Papel” (chance para Flora explorar seus belos graves), contrastando com o irresistível balanço da politicamente engajada “Gente”, ouvida em duas versões. A mais “bem acabada”, redescoberta na compilação “Focus on Brazilian Music Grooves”, não dispensa o grito de “s’imbora” a la Simonal. Mas a originalmente desprezada, até então totalmente inédita, também tem lá sua graça, apesar de eventuais descompassos da base, permitindo a Flora esboçar sensual scat.
Na verdade, amostras de um talento ainda em fase de aperfeiçoamento, que atingiria sua maturidade nos Estados Unidos, para onde Flora mudou-se em 1967, já com novo amor no coração e na música, o percussionista Airto Moreira. Juntos, integraram a banda de Gil Evans e o grupo Return To Forever, de Chick Corea. Gravaram com Carlos Santana, Duke Pearson, Cannonball Adderley e Lee Oskar. Contratada pela Milestone Records em 73, enquanto Airto brilhava no cast da CTI, Flora gravou seis excepcionais álbuns produzidos por Orrin Keepnews. Jóias do quilate de “Butterfly Dreams”, “Stories To Tell” e “500 Miles High At Montreux”. Depois de cumprir pena por porte de drogas, assinou contrato milionário com a Warner em 76. Nos anos 80, passou pelos selos Concord e Virgin, enveredou pela world-music (com seu grupo Fourth World) e pelo acid-jazz (“Speed of Light”) em sessões para a companhia inglesa B&W nos anos 90. Recentemente assinou com o selo Narada Jazz, pelo qual lançou, em 2001, o elogiado “Perpetual Emotion”. Em termos discográficos, “Flora É M.P.M.” representa o marco inicial de tão brilhante trajetória.
Arnaldo DeSouteiro
Petrópolis, 21 de agosto de 2001
(Produtor musical, historiador de jazz e música brasileira, jornalista e educador – membro da IAJE, International Association of Jazz Educators)
Texto de Arnaldo DeSouteiro para a contracapa do CD
(Text written by Arnaldo DeSouteiro for the CD back cover):
"Álbum de estréia da brasileira que, nos anos 70, foi apontada seis vezes consecutivas como a melhor cantora de jazz do mundo, pela revista Down Beat. Gravado em setembro de 1964, com a sigla M.P.M. significando Música Popular Moderna, traz um fenomenal elenco de apoio (Luiz Eça, Rosinha de Valença, Cipó, Manuel Gusmão, Paulo Moura, Dom Salvador, Raul de Souza, Rubens Bassini), recrutado pelo lendário baterista Dom Um Romão, então marido de Flora.
Primeira reedição mundial em CD, acrescida de seis faixas extras."
SONGS
1. A Morte de Um Deus de Sal (Menescal/Boscoli) 3:32
2. Cartão de Visita (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes) 2:47
3. Sabe Você (Lyra/de Moraes) 2:59
4. Definitivamente (Edu Lobo) 1:29
5. Se Fosse Com Você (Waldir Gama) 2:30
6. Maria Moita (Lyra/de Moraes) 2:34
7. Hava Nagila (A.Z. Idelsohn) 2:17
8. Reza (Edu Lobo/Ruy Guerra) 2:24
9. Samba do Carioca (Lyra/de Moraes) 2:05
10. Primavera (Lyra/de Moraes) 1:49
11. Borandá (Lobo/Guerra) 2:31
12. Nem O Mar Sabia (Menescal/Boscoli) 2:13
13. Preciso Aprender A Ser Só (Valle/Valle) 3:13
14. Gente (Valle/Valle) 2:06
15. Barquinho de Papel (Lyra/Boscoli) 2:31
16. Jeito Bom de Sofrer (Simonal/Oliveira) 2:51
17. Preciso Aprender A Ser Só – Alternate Take (Valle/Valle) 3:18
18. Gente – Alternate Take (Valle/Valle) 2:04
CREDITS
Flora Purim – Vocals
Dom Um Romão – Drums, Musical Coordination
Roberto Jorge – Producer
Arnaldo DeSouteiro – Reissue Producer, Liner Notes
Dom Salvador – Piano (Acoustic)
Jin Nakahara – Liner Notes
Osmar Milito – Piano (Acoustic), Arranger
José Pimentel de Pinho – Consultant
Luiz Eça – Arranger, Conductor
Cipó – Arranger, Conductor, Sax (Tenor)
Manuel Gusmão – Bass (Acoustic)
Jorginho – Flute
Paulo Moura – Clarinet, Sax (Alto), Arranger
Rubens Bassini - Congas
Airton Lima – Basson
Macaxeira – Trombone
Hamilton – Trumpet
Rosinha de Valença – Guitar (Acoustic)
Francisco Pereira – Photography
J.T. Meirelles – Sax (Tenor)
Alberto Soluri – Engineer
Norato – Trombone
Jorge Arena – Congas
Sandoval – Sax (Baritone)
Formiga – Trumpet
Raul de Souza – Trombone
Aurino Ferreira – Sax (Baritone)
Macaxeira – Trombone
Netinho – Sax (Baritone)
Waltel Branco – Arranger, Conductor
Stanislaw Ponte Preta – Original Liner Notes
Jorge Ferreira da Silva – Flute, Sax (Alto)
Meirelles – Sax (Tenor), Flute
Adriana Ramos – Coordination
Liner Notes written by Arnaldo DeSouteiro for the CD booklet
Basta o primeiro fraseado de Flora Purim, na introdução da faixa de abertura (“Morte de Um Deus de Sal”) deste disco de estréia (“Flora É M.P.M.”), para comprovar que Flora Purim cantava de um modo completamente diferente de todas as outras cantoras da época. Quase nenhuma influência nem mesmo das intérpretes que admirava, como Sylvia Telles, Alaide Costa e Maysa. Nada da inexpressividade de Nara Leão, equivocadamente considerada “musa” da bossa nova por quem ainda hoje tenta vender a idéia de um “movimento nascido nos apartamentos de Copacabana”, ao invés de entender (e aceitar) a bossa como criação espontânea do baiano João Gilberto. Ou seja: Flora realmente já fazia, em setembro de 1964, data da gravação deste “Flora É M.P.M.”, a Música Popular Moderna originária da sigla estampada no título do hoje histórico LP. Trabalho agora relançado - pela primeira vez oficialmente - em CD, depois de “merecer” diversas edições piratas na Europa.
Como o cantar de Flora não se encaixava nos padrões vigentes, o disco foi execrado pela maioria dos críticos. Os mais cordatos apenas trataram de ignora-lo. Nada muito diferente da agressividade manifestada, na década seguinte, após a definitiva consagração internacional da artista, eleita “cantora revelação” pelos críticos da Down Beat – a Bíblia do jazz – em 1974. Naquele mesmo ano, os leitores da mesma revista apontaram a brasileira como a melhor cantora de jazz do mundo, à frente de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Carmen McRae e Betty Carter! Proeza que, para desespero dos puristas, se repetiu por mais cinco anos, com um impacto comparável somente ao de Billie Holiday nos anos 40, segundo atestou o historiador Leonard Feather em célebre artigo no jornal Los Angeles Times. Uma fase de sucesso que durou até a chegada da onda retrô, pregada por Wynton Marsalis e seus neo-boppers, que trouxeram de volta ao jazz o conservadorismo, o academicismo e, pior de tudo, o racismo (agora contra os brancos...)
Filha do romeno Naum Purim (violinista amador, fã de Stephane Grappelli, companheiro de Fafá Lemos e Djalma Ferreira em serestas no bairro do Catete) com a pernambucana Rachel (pianista que incutiu na filha o amor pelo jazz), a carioca Flora nasceu (em 6 de março de 1942) e cresceu ouvindo Erroll Garner, Art Tatum, Oscar Peterson e Thelonious Monk. Dos 8 aos 12, estudou piano clássico. Depois, violão com Oscar Castro-Neves. Ainda adolescente, formou, ao lado da irmã Yana, um conjunto vocal que tinha Luiz Eça, então ilustre desconhecido, como arranjador. Casou-se com o psicanalista Ary Band, tiveram uma filha, Niura, e, para alívio da família, Flora passou apenas a sonhar com música. Até conhecer, numa visita ao Bottle’s Bar, no Beco das Garrafas, o já famoso baterista Dom Um Romão...
A paixão avassaladora fez a cantora romper o casamento – para tristeza da tradicional comunidade judaica - e instalar-se com sonhos & bagagens no apartamento de Dom Um na Rua Domingos Ferreira, no coração de Copacabana. Certa noite, inconformado, o pai de Flora chegou, armado, ao Bottle’s Bar, disposto a acabar com a vida do músico. Por sorte, errou o tiro. Mas não sossegou até internar a filha para fazer sonoterapia, com a esperança de que esquecesse “aquele negro”. Não adiantou. E foi no meio de toda essa turbulência que a moça, depois de um período como crooner da orquestra do Maestro Cipó, conseguiu - por intermédio de Romão e do jornalista Sergio Porto (vulgo Stanislaw Ponte Preta) - um contrato com a RCA. Em três sessões, em setembro de 64, sob a produção de Dom Um, gravou material suficiente para um LP e um compacto-duplo. Tudo isso agora reunido neste CD, junto com alternates takes - totalmente inéditos – das músicas “Gente” e “Preciso Aprender A Ser Só”.
“Flora É M.P.M” conta com um dream-team de arranjadores (Cipó, Luiz Eça, Waltel Branco, Osmar Milito, Paulo Moura) e músicos. Para início de conversa, Dom Um convocou seus colegas do Copa Trio: o pianista Dom Salvador (ainda chamado de Salvador Filho) e o baixista Manuel Gusmão. Grupo que, sob a liderança do saxofonista João Theodoro Meirelles, e reforçado pelo trompetista Pedro Paulo, se transformaria no Copa 5, força-motriz do “Samba Esquema Novo” de Jorge Ben. Meirelles e Pedro Paulo também foram convocados para o disco de Flora, integrando uma big-band com três trompetes (Pedro, Hamilton e Formiga), quatro trombones (Norato, Raul de Souza, Macaxeira, Pala) e seis saxofones (Paulo Moura no sax-alto, Cipó e Meirelles nos tenores, Netinho, Sandoval e Aurino Ferreira nos barítonos).
No repertório do LP, cinco temas da peça “Pobre Menina Rica”, de Lyra & Vinicius (“Cartão de Visita”, “Sabe Você”, “Maria Moita”, “Samba do Carioca”, “Primavera”), três canções de um rapaz que se assinava Eduardo Lobo (“Definitivamente”, “Reza”, “Borandá”), duas parcerias de Menescal & Boscôli (“A Morte de Um Deus de Sal”, “Nem O Mar Sabia”), e uma composição de Waldyr Gama (“Se Fosse Com Você”). No compacto, duas dos irmãos Marcos & Paulo Sergio Valle (“Preciso Aprender A Ser Só”, “Gente”), uma de Wilson Simonal & José Luiz (“Jeito Bom de Sofrer”) e uma de Lyra & Boscoli (“Barquinho de Papel”).
Flora abre os trabalhos com o trio de base acrescido pelas congas de Rubens Bassini no 6/8 de “A Morte de Um Deus de Sal”, abrindo espaço para impecável solo do trombonista Raul de Souza, colega da cantora em jam-sessions no lendário João Sebastião Bar, em São Paulo. Na sequência, o naipe de sopros aparece entortando tudo no arranjo de Paulo Moura para “Cartão de Visita”, enquanto Dom Um se esbalda executando as famosas cruzadas de baquetas no aro da caixa, sua marca-registrada. Rosinha de Valença entra em cena com seu violão de balanço classudo em “Sabe Você”, precedendo as engenhosas dissonâncias elaboradas por Luiz Eça em “Definitivamente”. Os metais balançam de forma explosiva, sob a batuta de Cipó, na obscura “Se Fosse Com Você”, marcada por alternâncias de andamento.
O fagote de Airton Lima e o clarinete de Paulo Moura alinhavam a introdução de “Maria Moita”, bordada pelo piano de Osmar Milito - também incluindo uma passagem demencializante de bateria -, enquanto um clima afro-cubano, evocativo dos scores de Lalo Schifrin para Dizzy Gillespie, prepara a provocativa versão de “Hava Nagila”, tradicional tema judaico. As tumbadoras de Bassini & Jorge Arena, colegas de Dom Um na formação original do supergrupo Os Catedráticos, de Eumir Deodato, estabelecem o groove de “Reza”, antes dos metais voltarem com carga máxima no arranjo de Waltel Branco para “Samba do Carioca”. Reduzindo a voltagem, Flora confere irretocável tratamento, balizado pelo violão de Rosinha, a “Primavera”, extirpando qualquer ranço do sentimentalismo barato presente nas melodramáticas interpretações que volta e meia destroem a canção. A flauta de Jorginho (Jorge Ferreira da Silva) segue tecendo comentários em “Borandá” e no 5/4 baloiçante de “Nem O Mar Sabia”.
Passando para as músicas que “sobraram” para o compacto, novamente Waltel arrasa na orquestração diabólica para “Jeito Bom de Sofrer” (lançada meses antes por Simonal em seu segundo LP, “A Nova Dimensão do Samba”), com base e sopros em perfeita comunhão. Uma seção de cordas, comandada por Luiz Eça, enfatiza o sutil romantismo de “Preciso Aprender A Ser Só” (faixa previamente incluida na coletânea “Focus on Bossa Nova”, agora também em alternate take) e “Barquinho de Papel” (chance para Flora explorar seus belos graves), contrastando com o irresistível balanço da politicamente engajada “Gente”, ouvida em duas versões. A mais “bem acabada”, redescoberta na compilação “Focus on Brazilian Music Grooves”, não dispensa o grito de “s’imbora” a la Simonal. Mas a originalmente desprezada, até então totalmente inédita, também tem lá sua graça, apesar de eventuais descompassos da base, permitindo a Flora esboçar sensual scat.
Na verdade, amostras de um talento ainda em fase de aperfeiçoamento, que atingiria sua maturidade nos Estados Unidos, para onde Flora mudou-se em 1967, já com novo amor no coração e na música, o percussionista Airto Moreira. Juntos, integraram a banda de Gil Evans e o grupo Return To Forever, de Chick Corea. Gravaram com Carlos Santana, Duke Pearson, Cannonball Adderley e Lee Oskar. Contratada pela Milestone Records em 73, enquanto Airto brilhava no cast da CTI, Flora gravou seis excepcionais álbuns produzidos por Orrin Keepnews. Jóias do quilate de “Butterfly Dreams”, “Stories To Tell” e “500 Miles High At Montreux”. Depois de cumprir pena por porte de drogas, assinou contrato milionário com a Warner em 76. Nos anos 80, passou pelos selos Concord e Virgin, enveredou pela world-music (com seu grupo Fourth World) e pelo acid-jazz (“Speed of Light”) em sessões para a companhia inglesa B&W nos anos 90. Recentemente assinou com o selo Narada Jazz, pelo qual lançou, em 2001, o elogiado “Perpetual Emotion”. Em termos discográficos, “Flora É M.P.M.” representa o marco inicial de tão brilhante trajetória.
Arnaldo DeSouteiro
Petrópolis, 21 de agosto de 2001
(Produtor musical, historiador de jazz e música brasileira, jornalista e educador – membro da IAJE, International Association of Jazz Educators)
Texto de Arnaldo DeSouteiro para a contracapa do CD
(Text written by Arnaldo DeSouteiro for the CD back cover):
"Álbum de estréia da brasileira que, nos anos 70, foi apontada seis vezes consecutivas como a melhor cantora de jazz do mundo, pela revista Down Beat. Gravado em setembro de 1964, com a sigla M.P.M. significando Música Popular Moderna, traz um fenomenal elenco de apoio (Luiz Eça, Rosinha de Valença, Cipó, Manuel Gusmão, Paulo Moura, Dom Salvador, Raul de Souza, Rubens Bassini), recrutado pelo lendário baterista Dom Um Romão, então marido de Flora.
Primeira reedição mundial em CD, acrescida de seis faixas extras."
SONGS
1. A Morte de Um Deus de Sal (Menescal/Boscoli) 3:32
2. Cartão de Visita (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes) 2:47
3. Sabe Você (Lyra/de Moraes) 2:59
4. Definitivamente (Edu Lobo) 1:29
5. Se Fosse Com Você (Waldir Gama) 2:30
6. Maria Moita (Lyra/de Moraes) 2:34
7. Hava Nagila (A.Z. Idelsohn) 2:17
8. Reza (Edu Lobo/Ruy Guerra) 2:24
9. Samba do Carioca (Lyra/de Moraes) 2:05
10. Primavera (Lyra/de Moraes) 1:49
11. Borandá (Lobo/Guerra) 2:31
12. Nem O Mar Sabia (Menescal/Boscoli) 2:13
13. Preciso Aprender A Ser Só (Valle/Valle) 3:13
14. Gente (Valle/Valle) 2:06
15. Barquinho de Papel (Lyra/Boscoli) 2:31
16. Jeito Bom de Sofrer (Simonal/Oliveira) 2:51
17. Preciso Aprender A Ser Só – Alternate Take (Valle/Valle) 3:18
18. Gente – Alternate Take (Valle/Valle) 2:04
CREDITS
Flora Purim – Vocals
Dom Um Romão – Drums, Musical Coordination
Roberto Jorge – Producer
Arnaldo DeSouteiro – Reissue Producer, Liner Notes
Dom Salvador – Piano (Acoustic)
Jin Nakahara – Liner Notes
Osmar Milito – Piano (Acoustic), Arranger
José Pimentel de Pinho – Consultant
Luiz Eça – Arranger, Conductor
Cipó – Arranger, Conductor, Sax (Tenor)
Manuel Gusmão – Bass (Acoustic)
Jorginho – Flute
Paulo Moura – Clarinet, Sax (Alto), Arranger
Rubens Bassini - Congas
Airton Lima – Basson
Macaxeira – Trombone
Hamilton – Trumpet
Rosinha de Valença – Guitar (Acoustic)
Francisco Pereira – Photography
J.T. Meirelles – Sax (Tenor)
Alberto Soluri – Engineer
Norato – Trombone
Jorge Arena – Congas
Sandoval – Sax (Baritone)
Formiga – Trumpet
Raul de Souza – Trombone
Aurino Ferreira – Sax (Baritone)
Macaxeira – Trombone
Netinho – Sax (Baritone)
Waltel Branco – Arranger, Conductor
Stanislaw Ponte Preta – Original Liner Notes
Jorge Ferreira da Silva – Flute, Sax (Alto)
Meirelles – Sax (Tenor), Flute
Adriana Ramos – Coordination
3 comments:
Olá!
Eu tenho 39 anos e até hoje, 11/03/2009, nunc tinha ouvido falar da Flora Purim! Assistindo uma entrevista dela no canal brasil fiquei encantado e gogladas pra lá e pra cá chegeui aqui.
Excelente texto! Obrigado por me tirar da sobra da ignorância sobre a Flora Purim.
abs
Muito bom o texto. Apenas faltou o crédito na ficha técnica do trompetista PEDRO PAULO.
Abraço a todos
Pedro,
Por um algum motivo injustificável, o nome do seu pai, de quem vc sabe que sou grande admirador, não foi incluido nos "Credits" desta postagem, embora conste da ficha técnica do relançamento em CD, produzido por mim.
Além disso, Pedro Paulo está citado três vezes no texto principal desta postagem (Liner Notes), no quinto parágrafo.
Grande abraço,
Arnaldo
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