Tuesday, June 5, 2007

Sivuca, caso raro de genialidade


No dia 15 de Dezembro de 2006, recebi um e-mail dos editores do jornal "Tribuna da Imprensa" solicitando um artigo sobre Sivuca, que havia acabado de falecer. Estava em um aeroporto, na sala de embarque, e não havia tempo para um texto longo. Mandei então a resposta que se segue, junto com um pequeno comentário.

"Ontem eu soube da morte de 2 amigos meus, o saxofonista Frank Vicari e o produtor Ahmet Ertegun (fundador da gravadora Atlantic), mas nada sabia sobre o Sivuca. Tomei conhecimento somente agora, através de vcs.
Eu poderia escrever um artigo grande e até um livro sobre Sivuca, conheço profundamente a obra dele. Mas agora, creio, não daria tempo para sair amanhã. Posso planejar algo para a próxima semana, se vcs quiserem.
Imagino q vcs devam dar uma nota amanhã, então segue um pequeno comentário (vai também uma foto bem recente em anexo):

"Neste país esquisito, em que a mídia cada vez mais esquisita inventa um "gênio da MPB" a cada semana, Sivuca era um caso raro de verdadeira e completa genialidade. Algo evidente na multiplicidade de instrumentos que dominava com maestria: sanfona, violão, piano e todos os tipos de teclado. Além de ser um compositor e arranjador de primeiríssima linha. Um exemplo fantástico de multi-instrumentista que só encontra paralelo em Hermeto Pascoal, outro "gênio de verdade".


O público brasileiro, que talvez só conheça seus trabalhos mais recentes, precisa e merece descobrir os esplêndidos discos gravados por Sivuca na Europa e nos EUA, nos anos 60 e 70, especialmente o magistral "Live at Village Gate", sua obra-prima. Todos fora de catálogo no mercado brasileiro, claro. Ele não era apenas um sanfoneiro, tanto que se definia como "músico de jazz, no sentido mais abrangente do termo". Era um improvisador nato e, em termos de acordeon, ao criar o efeito vocal em uníssono com a sanfona, estabeleceu uma nova linguagem para o instrumento. Inimitável e inconfundível.


Também cantava muito bem, e sua recriação de "Ain't no sunshine" tornou-se um clássico do acid-jazz. Depois de crescer apaixonado por seus discos, finalmente tive a chance de conhece-lo pessoalmente em 1977, quando regressou ao Brasil e realizou uma série de shows memoráveis. Inclusive a temporada ao lado de Rosinha de Valença, na série "Seis e Meia" do Teatro João Caetano, transformada em disco cuja reedição em CD tive o privilégio de produzir, em 2001.


Maior honra só mesmo a de trabalhar com ele em estúdio, como produtor, ao lado de Nelson Angelo e, mais recentemente, em uma nova gravação, ainda inédita, de uma de suas músicas favoritas, "Céu e Mar", ao lado de Paula Faour, tecladista de sua banda.


Por fim, a morte de Sivuca representa também a oportunidade de repensar equivocados conceitos como a ridícula divisão entre música “cantada” e “instrumental”, apregoada por preconceituosos desprovidos de inteligência e bom-senso. Um entrave a mais que os terroristas xiitas da MPB colocam no caminho evolutivo da nossa música"


Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 15 de Dezembro de 2006, publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa" em 16 de Dezembro de 2006 e reproduzido em diversos websites.
Legenda:
Sivuca durante gravação com Paula Faour para a JSR (foto de Celso Brando)

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