Jóias da CTI voltam ao mercado
CDs antológicos são relançados na série “CTI Timeless Collection”
Arnaldo DeSouteiro
(de Chicago, Illinois)
CDs antológicos são relançados na série “CTI Timeless Collection”
Arnaldo DeSouteiro
(de Chicago, Illinois)
Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiros em 1º de Fevereiro de 2007 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa" em 3 de Fevereiro de 2007
Depois do artigo sobre a porção brasileira, tratemos hoje das jóias jazzísticas nada ortodoxas que compõem a “CTI Timeless Collection”. Lançada com distribuição da King Records, a série reedita, em CDs remasterizados em 24bits, alguns dos mais famosos álbuns produzidos por Creed Taylor para o selo CTI. São o “talk of the town” do momento não apenas no Japão, mas também aqui nos EUA, onde lideram a lista dos mais vendidos no website da Dusty Groove, hoje considerada a melhor loja de discos do mundo (tanto em termos de venda on-line como pelo acervo disponível “in loco” em sua sede em Chicago, na North Ashland Avenue esquina com a Rua Haddon), onde a equipe da DownBeat costuma se reunir depois do trabalho para caçar as novidades importadas.
Todos os CDs preservam as mixagens (de Rudy Van Gelder) e as capas originais (criadas, em sua maioria, pelo fotógrafo Pete Turner em dupla com o artista gráfico Bob Ciano), com o produtor Susumu Morikawa agregando novos textos às liner-notes feitas para os LPs. Além de discos lendários de nomes como Ray Barretto, Lalo Schifrin, Stanley Turrentine, Yusef Lateef, Milt Jackson e do grupo Fuse One, encontramos a compilação “Vision – Redescription of his story”, focalizando Freddie Hubbard em sua fase áurea.
Molho latino
Percussionista de primeira grandeza, Ray Barretto, falecido em 2006, dá uma aula de congas em seu único disco para a CTI, “La cuna”, captado em 1979 com arranjos do tecladista Jeremy Wall e importantes convivas. Entre eles, dois astros do latin-jazz, Tito Puente (timbales) e Charlie Palmieri (piano). O portenho Carlos Franzetti, tocando Fender Rhodes e sintetizadores analógicos programados pela gatona Suzanne Ciani, assina a épica “Mambotango”, um dos pontos altos da sessão, com Joe Farrell numa performance feérica no sax tenor, enquanto opta pela flauta na dolente faixa-título. John Tropea, guitarrista revelado no “2001” de Deodato, estraçalha em seu solo na frenética adaptação para “The old castle”, trecho da famosa obra “Quadros de uma exposição”, do russo Modesto Mussorgsky, inspirada em uma exposição do pintor Victor Hartmann em 1874. Willy Torres ataca nos vocais em “Pastime paradise”, de Stevie Wonder, veículo para as estripulias de Puente.
Grooves dançantes
Maestro de extrema versatilidade, cuja fama e prestígio ultrapassaram as fronteiras do jazz, levando-o a consagrar-se como autor de trilhas sonoras e também na música clássica, o argentino Boris “Lalo” Schifrin iniciou sua associação com Creed Taylor na fase da Verve, chegando ao ápice no memorável “Marquis de Sade” (1966). Dez anos depois, gravou dois LPs para a CTI, ambos influenciados pela febre da “disco-music”. “Black widow”, o primeiro, de março de 1976, destaca as releituras dançantes de “Flamingo”, “Quiet village”, “Moonglow”, o tema de “Tubarão” (do grande devorador de Oscars, John Williams) e até “Bahia” (Na Baixa do Sapateiro), de Ary Barroso. Entre os sidemen, os saudosos Don Alias, Eric Gale, Pepper Adams e Joe Farrell, este em raríssima aparição tocando sax-alto.
“Towering toccata”, o segundo, gravado entre outubro e dezembro de 76, impressiona desde a capa, uma referência à refilmagem de “King kong”, cujo tema de John Barry é brilhantemente recriado. Aliás, o álbum traz músicas compostas por Lalo para os fimes “Rollercoaster” (as guitarras de John Tropea e Eric Gale, entrelaçadas, armam um tipo de groove que muitos pensam ter sido criado por Prince...) , “Day of the animals” e “The eagle has landed”, de cuja trilha saiu “Eagles in love”, singela balada conhecida também pelo título “On rainy afternoons”, depois de gravada por Barbra Streisand no álbum “Wet” (79). Lalo barbariza nos teclados na faixa-título, bombástica adaptação da “Tocata e fuga em ré menor” de Bach (com solo crepitante do flautista Jeremy Steig), e no improviso de Fender Rhodes em “Midnight woman”, usado como tema incidental na novela “O pulo do gato”, devidamente temperado pelas congas de Ralph MacDonald.
Manifesto cultural
Retratando bem a criativa loucura dos anos 70, Yusef Lateef quebra tudo no irrotulável (e quase impronunciável) “Authophysiopsychic”, de outubro de 1977. Mostrando sua versatilidade, o excêntrico Dr. Lateef reveza-se nos saxofones tenor & soprano, flauta e shahnai (espécie de oboé primitivo). Considerado um dos seus melhores trabalhos por historiadores como Ira Gitler (autor das liner-notes originais) e Chris Slawecki (editor do website All About Jazz), tem apenas uma faixa instrumental, “YL”, ode ao líder assinada pelo arranjador David Matthews, destacando o flugelhorn de Art Farmer. As outras quatro faixas deste manifesto cultural são composições de Yusef, cantadas pelo jazzman iconoclasta de forma peculiar, culminando com a alucinógena “Sister mamie”, impulsionada pela bateria fumegante de Steve Gadd atrelada ao baixo de Alex Blake, com Noel Pointer bailando ao violino.
Encontros de cobras
Fruto de duas sessões de all-stars realizadas em 1980, “Fuse One” (37m35s) estampa na capa uma plêiade inacreditável. Nas guitarras e violões, ninguém menos que Larry Coryell (arrasador no solo da inusitada adaptação bossanovista para “Waterside”, de Bedrich Smetana, o mais importante compositor da Boêmia em meados do século XIX) e John McLaughlin, autor do vigoroso jazz-rock “To whom all things concern” e da etérea “Friendship”, ornamentada por seção de cordas. Mesmo quando não aprontam solos, os dois destroem em dupla, como acontece na funkyada “Double steal”, fazendo base para o improviso de Joe Farrell no tenor, que se reveza no soprano e na flauta em outros números. Stanley Clarke (assinando o petardo “Taxi blues”) e Will Lee são os baixistas. Tony Williams, Lenny White e Ndugu, os bateras. Entre os seis tecladistas, Jorge Dalto e Victor Feldman. Na percussão, a malemolência do carioca Paulinho da Costa.
No ano seguinte, Creed juntou outra turma para o segundo álbum do Fuse One, “Silk”, mantendo apenas Stanley Clarke da gangue anterior. A grande surpresa é a presença de Wynton Marsalis em sua única incursão pela seara fusion, que logo em seguida passaria a combater de forma virulenta. Mas o tradicionalista se mostra aqui muito à vontade nos longos temas “In celebration of the human spirit” (em fumegantes conversas com Tom Browne, Dave Valentin e Stanley Clarke, cabendo ao então novato Marcus Miller fazer a cama para o solo de Clarke) e “Hot fire”, tema do batera Ndugu previamente gravado por George Duke em “Reach for it”. Stanley Turrentine exibe seu sax-appeal no tema-título, enquanto George Benson dispara longas frases em “Sunwalk”, do tecladista Ronnie Foster.
Clássicos instantâneos
Falando em Turrentine, temos “Sugar”, divisor de águas na carreira do tenorista. Gravado em novembro de 1970, marcou sua estréia na CTI e transformou-se em sucesso instantâneo. Os discos anteriores de Mr.T para a Blue Note raramente passavam de 5 mil cópias. “Sugar” vendeu 150 mil. No recheio, apenas três longas faixas, todas ultrapassando dez minutos de duração. Ainda assim, o tema-título, um blues de 16 compassos em tom menor, estourou nas rádios de jazz. Hoje virou um clássico, com dezenas de regravações. Além do improviso irretocável de Stanley, que jamais enveredou por hermetismos, há ótimos solos de Freddie Hubbard (trompete) e George Benson (guitarra), então em franca ascensão. “Sunshine alley”, contagiante boogaloo em andamento médio determinado pelo autor, o esquecido organista Butch Cornell, permite a Turrentine explorar a sensualidade de seu fraseado, alicerçado pelo baixo de Ron Carter e pela bateria de Billy Kaye. O célebre blues-modal “Impressions”, de John Coltrane, ganha sutil tempero latino, fornecido pelo congueiro Richard Pablo Landrum.
Freddie Hubbard permanece altamente inspirado no decorrer de “Sunflower”, safra 1972, o primeiro dos três discos lançados por Milt Jackson na CTI, e disparado o melhor deles. Obra-de-arte não somente graças ao desempenho do vibrafonista, mas também por conta dos sidemen e, principalmente, dos magistrais arranjos de Don Sebesky. Sem falar do repertório, que vai de Michel Legrand (“What are you doing the rest of yoir life?”) à dupla Thom Bell & Linda Creed (“People make the world go round”, sucesso do grupo The Stylistics), passando pela suntuosa “For someone I love”, destacando o violão espanholado de Jay Berliner na introdução da faixa, prefixo do programa “TAP pelos caminhos do mundo”, da finada JB-AM nos anos 70. Herbie Hancock e Ron Carter estraçalham o tempo inteiro, inclusive na música-título de Hubbard, também conhecida como “Little sunflower”, à qual Al Jarreau adicionou letra no disco “Love connection”, ainda inédito em CD.
A compilação “Vision – Redescription of his story”, reúne os principais hits de Freddie Hubbard em sua fase CTI, entre 1970 e 74. Petardos como as músicas que deram nome aos LPs “Red clay” (com Herbie Hancock, Ron Carter, Lenny White e Joe Henderson) e “Straight life” (esta, com 17m37s de duração, ocupava o lado inteiro do vinil, abrigando extensos solos de Hubbard, Hancock, Henderson e George Benson, estimulados pela fúria do baterista Jack DeJohnette). Do álbum “Sky dive”, foi escolhida a faixa “Povo”, famosa pela contagiante linha de baixo criada por Carter após a indecifrável mensagem vocal espiritualizada de Airto Moreira. No piano elétrico Wurlitzer, a presença surpreendente de Keith Jarrett, cujo solo é entrecortado pelas viradas do ambidestro Billy Cobham e pelo ataque do naipe de sopros comandado por Sebesky. “Destiny’s children”, destacando George Cables no Rhodes, saiu do disco “Keep your soul together”, enquanto “People make the world”, em arranjo de Bob James com Airto usando berimbau, pertence a “Polar AC”. Três vinhetas foram adicionadas pelo grupo Twoth, mas a única coisa estranha mesmo é a inclusão de “Hornets”. Por uma simples razão: FH não toca na faixa (!), executada apenas pela seção rítmica (Hancock, Carter, DeJohnette e Eric Galé) na abertura de um show de Hubbard & Turrentine em Detroit. Provoca espanto mas não desmerece a coleção.
Legendas:
A compilação “Vision – Redescription of his story”, focaliza os maiores sucessos do trompetista Freddie Hubbard
“Authophysiopsychic”, de Yusef Lateef, mostra o som irrotulável de um jazzman iconoclasta
Depois do artigo sobre a porção brasileira, tratemos hoje das jóias jazzísticas nada ortodoxas que compõem a “CTI Timeless Collection”. Lançada com distribuição da King Records, a série reedita, em CDs remasterizados em 24bits, alguns dos mais famosos álbuns produzidos por Creed Taylor para o selo CTI. São o “talk of the town” do momento não apenas no Japão, mas também aqui nos EUA, onde lideram a lista dos mais vendidos no website da Dusty Groove, hoje considerada a melhor loja de discos do mundo (tanto em termos de venda on-line como pelo acervo disponível “in loco” em sua sede em Chicago, na North Ashland Avenue esquina com a Rua Haddon), onde a equipe da DownBeat costuma se reunir depois do trabalho para caçar as novidades importadas.
Todos os CDs preservam as mixagens (de Rudy Van Gelder) e as capas originais (criadas, em sua maioria, pelo fotógrafo Pete Turner em dupla com o artista gráfico Bob Ciano), com o produtor Susumu Morikawa agregando novos textos às liner-notes feitas para os LPs. Além de discos lendários de nomes como Ray Barretto, Lalo Schifrin, Stanley Turrentine, Yusef Lateef, Milt Jackson e do grupo Fuse One, encontramos a compilação “Vision – Redescription of his story”, focalizando Freddie Hubbard em sua fase áurea.
Molho latino
Percussionista de primeira grandeza, Ray Barretto, falecido em 2006, dá uma aula de congas em seu único disco para a CTI, “La cuna”, captado em 1979 com arranjos do tecladista Jeremy Wall e importantes convivas. Entre eles, dois astros do latin-jazz, Tito Puente (timbales) e Charlie Palmieri (piano). O portenho Carlos Franzetti, tocando Fender Rhodes e sintetizadores analógicos programados pela gatona Suzanne Ciani, assina a épica “Mambotango”, um dos pontos altos da sessão, com Joe Farrell numa performance feérica no sax tenor, enquanto opta pela flauta na dolente faixa-título. John Tropea, guitarrista revelado no “2001” de Deodato, estraçalha em seu solo na frenética adaptação para “The old castle”, trecho da famosa obra “Quadros de uma exposição”, do russo Modesto Mussorgsky, inspirada em uma exposição do pintor Victor Hartmann em 1874. Willy Torres ataca nos vocais em “Pastime paradise”, de Stevie Wonder, veículo para as estripulias de Puente.
Grooves dançantes
Maestro de extrema versatilidade, cuja fama e prestígio ultrapassaram as fronteiras do jazz, levando-o a consagrar-se como autor de trilhas sonoras e também na música clássica, o argentino Boris “Lalo” Schifrin iniciou sua associação com Creed Taylor na fase da Verve, chegando ao ápice no memorável “Marquis de Sade” (1966). Dez anos depois, gravou dois LPs para a CTI, ambos influenciados pela febre da “disco-music”. “Black widow”, o primeiro, de março de 1976, destaca as releituras dançantes de “Flamingo”, “Quiet village”, “Moonglow”, o tema de “Tubarão” (do grande devorador de Oscars, John Williams) e até “Bahia” (Na Baixa do Sapateiro), de Ary Barroso. Entre os sidemen, os saudosos Don Alias, Eric Gale, Pepper Adams e Joe Farrell, este em raríssima aparição tocando sax-alto.
“Towering toccata”, o segundo, gravado entre outubro e dezembro de 76, impressiona desde a capa, uma referência à refilmagem de “King kong”, cujo tema de John Barry é brilhantemente recriado. Aliás, o álbum traz músicas compostas por Lalo para os fimes “Rollercoaster” (as guitarras de John Tropea e Eric Gale, entrelaçadas, armam um tipo de groove que muitos pensam ter sido criado por Prince...) , “Day of the animals” e “The eagle has landed”, de cuja trilha saiu “Eagles in love”, singela balada conhecida também pelo título “On rainy afternoons”, depois de gravada por Barbra Streisand no álbum “Wet” (79). Lalo barbariza nos teclados na faixa-título, bombástica adaptação da “Tocata e fuga em ré menor” de Bach (com solo crepitante do flautista Jeremy Steig), e no improviso de Fender Rhodes em “Midnight woman”, usado como tema incidental na novela “O pulo do gato”, devidamente temperado pelas congas de Ralph MacDonald.
Manifesto cultural
Retratando bem a criativa loucura dos anos 70, Yusef Lateef quebra tudo no irrotulável (e quase impronunciável) “Authophysiopsychic”, de outubro de 1977. Mostrando sua versatilidade, o excêntrico Dr. Lateef reveza-se nos saxofones tenor & soprano, flauta e shahnai (espécie de oboé primitivo). Considerado um dos seus melhores trabalhos por historiadores como Ira Gitler (autor das liner-notes originais) e Chris Slawecki (editor do website All About Jazz), tem apenas uma faixa instrumental, “YL”, ode ao líder assinada pelo arranjador David Matthews, destacando o flugelhorn de Art Farmer. As outras quatro faixas deste manifesto cultural são composições de Yusef, cantadas pelo jazzman iconoclasta de forma peculiar, culminando com a alucinógena “Sister mamie”, impulsionada pela bateria fumegante de Steve Gadd atrelada ao baixo de Alex Blake, com Noel Pointer bailando ao violino.
Encontros de cobras
Fruto de duas sessões de all-stars realizadas em 1980, “Fuse One” (37m35s) estampa na capa uma plêiade inacreditável. Nas guitarras e violões, ninguém menos que Larry Coryell (arrasador no solo da inusitada adaptação bossanovista para “Waterside”, de Bedrich Smetana, o mais importante compositor da Boêmia em meados do século XIX) e John McLaughlin, autor do vigoroso jazz-rock “To whom all things concern” e da etérea “Friendship”, ornamentada por seção de cordas. Mesmo quando não aprontam solos, os dois destroem em dupla, como acontece na funkyada “Double steal”, fazendo base para o improviso de Joe Farrell no tenor, que se reveza no soprano e na flauta em outros números. Stanley Clarke (assinando o petardo “Taxi blues”) e Will Lee são os baixistas. Tony Williams, Lenny White e Ndugu, os bateras. Entre os seis tecladistas, Jorge Dalto e Victor Feldman. Na percussão, a malemolência do carioca Paulinho da Costa.
No ano seguinte, Creed juntou outra turma para o segundo álbum do Fuse One, “Silk”, mantendo apenas Stanley Clarke da gangue anterior. A grande surpresa é a presença de Wynton Marsalis em sua única incursão pela seara fusion, que logo em seguida passaria a combater de forma virulenta. Mas o tradicionalista se mostra aqui muito à vontade nos longos temas “In celebration of the human spirit” (em fumegantes conversas com Tom Browne, Dave Valentin e Stanley Clarke, cabendo ao então novato Marcus Miller fazer a cama para o solo de Clarke) e “Hot fire”, tema do batera Ndugu previamente gravado por George Duke em “Reach for it”. Stanley Turrentine exibe seu sax-appeal no tema-título, enquanto George Benson dispara longas frases em “Sunwalk”, do tecladista Ronnie Foster.
Clássicos instantâneos
Falando em Turrentine, temos “Sugar”, divisor de águas na carreira do tenorista. Gravado em novembro de 1970, marcou sua estréia na CTI e transformou-se em sucesso instantâneo. Os discos anteriores de Mr.T para a Blue Note raramente passavam de 5 mil cópias. “Sugar” vendeu 150 mil. No recheio, apenas três longas faixas, todas ultrapassando dez minutos de duração. Ainda assim, o tema-título, um blues de 16 compassos em tom menor, estourou nas rádios de jazz. Hoje virou um clássico, com dezenas de regravações. Além do improviso irretocável de Stanley, que jamais enveredou por hermetismos, há ótimos solos de Freddie Hubbard (trompete) e George Benson (guitarra), então em franca ascensão. “Sunshine alley”, contagiante boogaloo em andamento médio determinado pelo autor, o esquecido organista Butch Cornell, permite a Turrentine explorar a sensualidade de seu fraseado, alicerçado pelo baixo de Ron Carter e pela bateria de Billy Kaye. O célebre blues-modal “Impressions”, de John Coltrane, ganha sutil tempero latino, fornecido pelo congueiro Richard Pablo Landrum.
Freddie Hubbard permanece altamente inspirado no decorrer de “Sunflower”, safra 1972, o primeiro dos três discos lançados por Milt Jackson na CTI, e disparado o melhor deles. Obra-de-arte não somente graças ao desempenho do vibrafonista, mas também por conta dos sidemen e, principalmente, dos magistrais arranjos de Don Sebesky. Sem falar do repertório, que vai de Michel Legrand (“What are you doing the rest of yoir life?”) à dupla Thom Bell & Linda Creed (“People make the world go round”, sucesso do grupo The Stylistics), passando pela suntuosa “For someone I love”, destacando o violão espanholado de Jay Berliner na introdução da faixa, prefixo do programa “TAP pelos caminhos do mundo”, da finada JB-AM nos anos 70. Herbie Hancock e Ron Carter estraçalham o tempo inteiro, inclusive na música-título de Hubbard, também conhecida como “Little sunflower”, à qual Al Jarreau adicionou letra no disco “Love connection”, ainda inédito em CD.
A compilação “Vision – Redescription of his story”, reúne os principais hits de Freddie Hubbard em sua fase CTI, entre 1970 e 74. Petardos como as músicas que deram nome aos LPs “Red clay” (com Herbie Hancock, Ron Carter, Lenny White e Joe Henderson) e “Straight life” (esta, com 17m37s de duração, ocupava o lado inteiro do vinil, abrigando extensos solos de Hubbard, Hancock, Henderson e George Benson, estimulados pela fúria do baterista Jack DeJohnette). Do álbum “Sky dive”, foi escolhida a faixa “Povo”, famosa pela contagiante linha de baixo criada por Carter após a indecifrável mensagem vocal espiritualizada de Airto Moreira. No piano elétrico Wurlitzer, a presença surpreendente de Keith Jarrett, cujo solo é entrecortado pelas viradas do ambidestro Billy Cobham e pelo ataque do naipe de sopros comandado por Sebesky. “Destiny’s children”, destacando George Cables no Rhodes, saiu do disco “Keep your soul together”, enquanto “People make the world”, em arranjo de Bob James com Airto usando berimbau, pertence a “Polar AC”. Três vinhetas foram adicionadas pelo grupo Twoth, mas a única coisa estranha mesmo é a inclusão de “Hornets”. Por uma simples razão: FH não toca na faixa (!), executada apenas pela seção rítmica (Hancock, Carter, DeJohnette e Eric Galé) na abertura de um show de Hubbard & Turrentine em Detroit. Provoca espanto mas não desmerece a coleção.
Legendas:
A compilação “Vision – Redescription of his story”, focaliza os maiores sucessos do trompetista Freddie Hubbard
“Authophysiopsychic”, de Yusef Lateef, mostra o som irrotulável de um jazzman iconoclasta
Os textos estão excelentes cara, muito bom mesmo, eu também acompanho este pessoal da CTI dos anos 70, só disco foda.
ReplyDeleteSe quiser dar uma sacada no Cavalo23 acessa lá.