A voz inconfundível de Esther Phillips
Três discos da fase áurea da cantora, diva do “rhythm & blues”, são relançados em CD
Arnaldo DeSouteiros
Devotos de Esther Phillips, alegrai-vos! Três dos sete álbuns da diva, gravados para o selo Kudu no estúdio de Rudy Van Gelder, durante a fase de maior popularidade e sucesso comercial da originalíssima cantora, acabam de ser relançados em CD. O primeiro deles é justamente o disco que marcou sua estréia sob a orientação do produtor Creed Taylor, “From a whisper to a scream”, captado em dezembro de 1971 com a colaboração de três arranjadores em nove faixas: Alfred “Pee Wee” Ellis (famoso por sua associação com James Brown e outras feras da black-music), Jack Wilson (responsável pelas levadas rítmicas de três faixas) e Don Sebesky, que adicionou uma seção de cordas em cinco temas de maior potencial radiofônico.
Entre eles, o tema de abertura, “Home is where the hatred is”, de Gil Scott-Heron, que de fato puxou a execução nas rádios e na década seguinte se tornou um clássico do “acid jazz”. O toque mágico de Sebesky também pode ser apreciado em “Bay, I’m for real”, de Marvin & Anna Gaye, e “That’s all right with me”, com um coral que inclui as subestimadas Barbara Massey (da dupla Barbara & Ernie), Tasha Thomas e Hilda Harris.
O timaço instrumental é igualmente bárbaro: Richard Tee (piano acústico e órgão Hammond), Gordon Edwards (baixo elétrico), Bernard Purdie (bateria), Airto Moreira (percussão) mais os dois melhores guitarristas de r&b dos anos 70 – Cornell Dupree e Eric Gale – e um naipe de sopros no qual pontificam Hank Crawford no sax-alto (encarregando-se dos solos em “How blue can you get”, “Baby, I’m for real” e “Till my back ain’t got no boné”), Frank Vicari no tenor e Dave Liebman revezando no barítono e na flauta, instrumentos nos quais é hoje raramente ouvido.
Em seu único solo, a indomável Esther Mae Jones (nascida em 23 de dezembro de 1925) arrasa ao frasear como um guitarrista no blues “Scarred knees”, o ponto alto e um fecho de ouro. Dispensando o velho esquema de scat-singing, improvisa de um modo altamente peculiar, dando uma aula de conexão de sons nasais e guturais em “boca chiusa”.
Não foi à toa que, no ano seguinte, Esther recebeu uma indicação ao Grammy por conta deste disco na categoria de “best rhythm & blues vocal performance - female”. Aretha Franklin, a vencedora (pelo LP “Young, gifted and black”), em um gesto sem precedentes de humildade e de reverência à artista que tanto admirava, passou o troféu para as mãos de Esther. Vale lembar que, em 1973, voltaram a concorrer. Esther pelo disco “Alone again, naturally”, ainda inédito em formato digital. Aretha, por “Master of eyes”, vencendo novamente; mas daquela vez levou seu Grammy para a casa.
Timbre incomparável
“From a whisper to a scream” já havia sido relançado em compact-disc nos EUA, em 1987, pela antiga CBS. Remixado, mal masterizado, com toscas faixas extras e capa adulterada, inclusive sem o logotipo do selo Kudu. Saiu rapidamente de catálogo e virou raridade. Motivo extra para que este relançamento mereça ser tão comemorado quanto a primeira edição em CD de “Performance”, gravado em maio de 1974. Superior ao antecessor “Black-eyed blues”, contou novamente, na maioria das faixas, com os arranjos de Pee Wee Ellis, promovido a produtor associado em cinco delas, inclusive na faixa-título de sabor country & western reforçado pela guitarra havaiana de Eric Weissberg.
Duas outras tiveram co-produção de Eugene McDaniels, autor de “Disposable society”, com um groove louquíssimo do baixista Gary King (acoplado ao batera Steve Gadd) e desempenho abrasador de Michael Brecker no tenor. “Such a night” de Mac Rebennack, vulgo Dr. John, foi a única a ganhar cordas de Don Sebesky e não por acaso tornou-se a mais tocada nas rádios. Mas os melhores momentos ficam por conta da longa “I feel the same” (destacando a guitarra feroz de Jon Sholle) e “Doing our thing”, com uma levada contagiante da dobradinha Gordon Edwards-Bernard Purdie. Por fim, Esther empresta seu timbre inconfundível a “Can’t trust your neighbor with your baby”, do craque Isaac Hayes. Nos sopros, nomes como Hubert Laws, Urbie Green, Jerry Dodgion e Pepper Adams.
Estouro nas pistas
Em 1975, “What a diff’rence a day makes” tornou-se o maior hit de Esther, bombando nas discotecas em todo o mundo. O single chegou ao primeiro lugar na parada “disco” da Bilboard, o álbum ao terceiro na lista de jazz, ao décimo-terceiro na lista “black” e ao trigésimo-segundo na “pop”, alcançando a marca de 400 mil cópias vendidas e sendo indicado para o Grammy. Creed Taylor logo tratou de preparar uma espécie de “volume 2”, repetindo a união da cantora com o guitarrista e arranjador Joe Beck e reconvocando a maior parte dos músicos (Don Grolnick, Will Lee, Chris Parker, Steve Khan, Barry Rogers e os irmãos Brecker) atuantes no disco captado seis meses antes.
O resultado foi “For all we know”, agora relançado com nova masterização em 24 bits que realça todos os detalhes de um trabalho bem superior a “What a diff’rence” em termos de repertório. Ironicamente, talvez por isso mesmo, não repetiu o sucesso comercial do álbum anterior, apesar de duas faixas (versões editadas de “Fever” e “For all we know”) terem sido lançadas em compacto e recebido maciça execução nas rádios.
A capa, com a famosa foto de Bruce Weber, embala um conteúdo irretocável, registrado entre novembro e dezembro de 1975, e lançado em janeiro de 1976. A começar pela abertura com “Unforgettable”, uma das obras-primas de Irving Gordon, lançada em 1951 por Nat “King” Cole, gravada por Dinah Washington como a faixa-título de seu LP de 1959, e depois recriada por Aretha Franklin em seu tributo a Dinah em 1964. Admirando-se a crepitante e sensual versão de Esther, suspirando ao lado do sax-tenor de Michael Brecker, fica difícil entender porque não foi escolhida para faixa-título nem para ser o primeiro single. Equívoco definido por Joe Beck como um “erro fatal” (e incompreensível) cometido pelo experiente produtor Creed Taylor, “porque era a faixa mais comercial, com tremendo apelo para as pistas de dança”, segundo Beck.
Inspiradas recriações
Outra jóia do repertório de Nat, “For all we know”, composta pela dupla Fred Coots & Sam Lewis e selecionada pela própria Esther, havia sido gravada tanto por Dinah (no LP “Drinking again”, de 1962) como por Billie Holiday (no celébre “Lady in satin”, de 1958), além da versão de Cole em 1943. Outro sucesso do cantor, registrado por Glenn Miller, Frank Sinatra e até Elvis Presley (sem falar da versão bossa nova que tive a honra de produzir para um CD da dupla Palmyra & Levita com João Donato), “Fools rush in”, do mestre Johnny Mercer, também recebeu um tratamento “disco”, com participação do tecladista Bobby Lyle, então recém-desligado do lendário grupo funk Sly & The Family Stone. Na seqüência, a voz rascante de Esther rejuvenesce “Pure natural love”, composta pela bela, talentosa e hoje esquecida cantora Jackie DeShannon.
No piano acústico, o saudoso Don Grolnick prepara o terreno para “Fever”, tema de Eddie Cooley consagrado por Peggy Lee nos anos 50, gravado no Brasil por Norma Bengell com brilhante orquestração de Gaya no disco “Ooooooh Norma!” em 1959, e revivido por Madonna no CD “Erotica”, em 1992. Uma pulsação bem funky embala “Caravan”, clássico de Duke Ellington & Juan Tizol com letra de Irving Mills, trazendo Ronnie Cuber no sax-barítono e Fred Wesley (da banda de James Brown) no trombone de válvula.
Porém, nada supera o arranjo latin-jazz concebido por Joe Beck para “Going out of my head”, de Teddy Randazzo e um estrondoso sucesso do grupo Little Anthony & The Imperials em 1965. Naquele mesmo ano, Creed Taylor convenceu Wes Montgomery a grava-lo como tema-título de um discaço para a Verve, que faturou o Grammy de “best jazz instrumental performance”. O registro de Esther é igualmente notável, com groove inebriante, sutilíssimo solo de Grolnick no piano elétrico Fender Rhodes, e uma interação fantástica dos percussionistas Nicky Marrero (mestre dos timbales) e George Devens (veterano congueiro do George Shearing Quintet).
Após “For all we know”, Esther gravou mais um disco para o selo Kudu, o também excelente “Capricorn princess”, lançado em 1977 com arranjos de David Matthews e ainda aguardando uma reedição em CD. Depois fez quatro discos na Mercury que passaram em branco. Seu último trabalho, “A way to say goodbye”, saiu pela Muse em 1984, ano de seu falecimento em um fatídico 7 de agosto, em conseqüência de problemas nos rins e no fígado causados por excesso de bebidas e drogas. Os discos da fase Kudu documentam o período de maior felicidade e sucesso em sua carreira quando, ao menos por alguns anos, Esther Phillips foi merecidamente tratada como uma estrela.
Meu amigo , fico feliz q alguem saiba da força q esther phillips tinha . Eu , atraves do meu pai , o grande produtor Perinho Albuquerque , descobri grandes musicos q gravavam com ela . Meu maior exemplo eh a participaçao de Michael Brecker em "Disposible society" . Sem exageros , eu tinha uns 7 anos de idade e jah sabia q ali estava o maior saxofonista da historia . Fora , q meu pai me mostrou uma balada chamada "candy" onde ele dizia q o baixista era provavelmente o maior ... rsrs Logo descobri q era Anthony Jackson ! Meu maior idolo até hj . Logicamente , a Esther tinha uma voz sensacional e era incrivel ouvi-la , mas o time de musicos q ela tinha eu nunca vi igual !
ReplyDeleteUm grande abraço e parabens pela sua excelente materia !
Augusto Albuquerque