Memórias de Arnaldo DeSouteiro – Parte II
POR BERNARDO COSTA · 24 DE OUTUBRO DE 2016
Second part of the story about Arnaldo DeSouteiro posted on the Coisas da Música website. Photo, text and video interview by Bernardo Costa
Arnaldo DeSouteiro inicia sua atividade jornalística aos inacreditáveis 14 anos de idade. Sua “obsessão” por música, como define ao lembrar dessa época, o levou até outra pessoa importante na sua trajetória: Seu Falcão. Era assim que Arnaldo tratava o compositor Wilson Falcão, autor de sambas que foram sucesso na voz de Carmem Miranda. Seu Falcão, que o levou para a imprensa, tinha idade para ser seu avô. Como os dois se conheceram? Por telefone.
– Alô?! – Arnaldo ligava para o número que aparecia num carimbo, na penúltima página das revistas DownBeat e Billboard: era o contato do único distribuidor das publicações no Rio. – Eu sou um colecionador, mas só tenho 13 anos…
– Só isso?! – espantou-se Wilson Falcão, o compositor “das antigas”, que ainda distribuía as revistas Cashbox, Record World e Jazz Hot: – E você entende?!
Depois de Lindolpho Gaya e de Eumir Deodato, agora era Wilson Falcão quem recebia Arnaldo em seu apartamento, no bairro da Urca, na Zona Sul do Rio.
– Quando eu cheguei lá, levado pela minha mãe, eu fiquei em êxtase: era revista para todos os lados – lembra Arnaldo DeSouteiro em entrevista ao portal Coisas da Música, nos jardins do restaurante Vegan Vegan, no Humaitá: – Eu saía da casa do Seu Falcão com dezenas de revistas debaixo do braço, e ele me dava a maioria.
Numa dessas visitas, Seu Falcão contou a Arnaldo que fora sondado pelo diretor de circulação da Billboard, que precisava de alguém para escrever sobre música brasileira para a seção “From the music capitals of the world”:
– Você topa?
Arnaldo DeSouteiro começou a escrever para a Billboard em 1978. No ano seguinte, ingressou na Tribuna da Imprensa, jornal em que trabalhou por 30 anos. Durante o período, colaborou para O Globo e Última Hora sob o pseudônimo de Ernani Guimarães, e apresentou programas de sucesso na Rádio Tupi FM e na TV Manchete, além de escrever para a revista americana Keyboard, entre 1985 e 1994.
O produtor
Fim dos anos 1970. Em visita aos Estados Unidos, Arnaldo DeSouteiro frequenta o escritório da Fantasy Records, em São Francisco, e torna-se amigo do produtor Orrin Keepnews, diretor da gravadora e fundador dos selos Milestone e Riverside. É aí que começa outro aspecto de sua carreira: o produtor de discos.
– Ele me indicou para organizar umas compilações que o distribuidor da CTI Records no Japão precisava que fossem feitas – diz Arnaldo. – Depois, quando a CTI entrou em concordata, uma grande parte do acervo dela passou para controle da Sony, que na época era CBS, e eu fui chamado para organizar os relançamentos em CD nos EUA e no Japão, em 1986.
Creed Taylor, o produtor do LP “Getz/Gilberto”, que tornou “Garota de Ipanema” (Tom Jobim e Vinicius de Moraes) um hit mundial, quis saber quem era a pessoa que trabalhava no arquivo da gravadora fundada por ele. Creed Taylor e Arnaldo DeSouteiro se aproximaram.
No estúdio: Creed Taylor e Arnaldo DeSouteiro, Nova York, 1989 Foto: Arquivo pessoal
Jazz Station
Ao mesmo tempo que produzia compilações e relançamentos para diversas companhias, Arnaldo DeSouteiro colocava no mercado novos trabalhos de Luiz Bonfá, Ithamara Koorax, Dom Um Romão, Claudio Roditi, Thiago de Mello, Yana Purim, João Donato e Mário Castro Neves, entre outros artistas.
Além disso, cuidava da programação musical dos voos internacionais da Varig e do som ambiente no prédio da Petrobras, no Centro do Rio, e seguia atuando na imprensa. Para dar conta de tantas atividades, fundou a produtora Jazz Station Marketing & Consulting, que deu origem à gravadora Jazz Station Records, apontada como uma das cinco melhores do mundo pela DownBeat, em 2001. Depois, por quatro anos consecutivos, a companhia apareceu no top 10 da revista, entre 2003 e 2006.
Pelo selo JSR, saíram os três últimos discos do baterista Dom Um Romão, de quem Arnaldo era fã desde garoto: “Rhythm Traveller” (1998), “Lake of Perseverance” (2001) e “Nu Jazz meets Brazil” (2002).
– O Dom Um vivia entre a Suíça e os Estados Unidos e propus que gravássemos um disco no Brasil, o que ele não fazia desde 1964. Ele topou e eu montei a banda. Gravamos o “Rhythm Traveller”. Lembro que, durante a turnê, em Londres, as pessoas encostavam nele como se fosse um santo. Era impressionante. Ainda tenho material suficiente para mais três discos do Dom Um, pelo menos.
Com Sérgio Barroso, Ithamara Koorax e Dom Um Romão, em 1998 Foto: Arquivo pessoal
João e Antônio
Em 1979, quando João Gilberto voltou a morar no Brasil, foi programado um show no Canecão para celebrar seu retorno. O evento foi cancelado no dia da estreia, mas os ensaios aconteceram. Arnaldo DeSouteiro estava lá, a convite de Lindolpho Gaya, o maestro e arranjador do espetáculo.
– Ah, vi coisas maravilhosas… Por exemplo, tinha uma violinista que fazia crochê. O João Gilberto virava pra trás e dizia assim: “ou toca ou faz crochê”. E o Gaya desesperado… – diverte-se Arnaldo.
“A minha contratação para o especial de TV foi uma exigência do João Gilberto”
Gaya apresenta o baiano a Arnaldo. Os dois passam a se relacionar e estreitam laços quando o produtor muda-se para a Barra da Tijuca. Suas vizinhas no apart-hotel eram as namoradas de João Gilberto e João Donato e a dupla estava sempre por lá. Vez por outra, apareciam no apartamento de Arnaldo, e até dormiam no sofá da sala.
Em 1992, o próprio João Gilberto o convidou para o trabalho que mais o gratifica na carreira: Arnaldo DeSouteiro assinou o roteiro, a consultoria geral e a mixagem do especial “Show número 1 – João e Antônio”, que foi ao ar pela TV Globo, no dia 29 de dezembro. O programa exibiu os dois shows que marcaram o reencontro de João Gilberto e Tom Jobim, no Rio e em São Paulo. Foi a última vez que estiveram juntos.
– A minha contratação foi uma exigência do João Gilberto. O que deu mais trabalho foi fazer a mixagem do primeiro show no Rio, em que ocorreram diversos problemas de produção que prejudicaram o som. Depois de dois técnicos terem tentado, consegui salvar uma parte do material ao entrar no caminhão onde fora gravado o show e fazer a mixagem de lá de dentro.
Hoje
Enquanto você lê este texto, se não for nas primeiras horas da manhã, provavelmente Arnaldo DeSouteiro estará imerso em discos, trabalhando para novas compilações e CDs inéditos, ou escrevendo para o blog jazz station. Pode ser também que ele esteja desencavando materiais de seu arquivo para digitalização. Muita coisa aparece em seu perfil nas redes sociais, uma espécie de memorabilia do melhor da música brasileira.
Gravando com Luiz Bonfá e Ithamara Koorax, 1996
Arnaldo gravando no Duplex Sound Studio, NY, 1991
Com João Donato e sua esposa, a atriz Telma Rizzo, no Canecão, 1979
Galeria de fotos: Arquivo pessoal
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