Monday, November 17, 2008

"Verve Originals", part 1

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro para o jornal "Tribuna da Imprensa" e publicado em 17 de Novembro de 2008
Variado balaio da série “Verve Originals”
CDs de Paul Desmond, Dr. John e Gato Barbieri estão entre os destaques
Arnaldo DeSouteiro


Juntamente com a coleção “Jazz Club”, a “Originals” vem sendo a série de maior êxito no mercado jazzístico em 2008. Curiosamente, apesar de todos os CDs trazerem o famoso logotipo Verve na capa e no rótulo, os títulos escolhidos são pinçados dos acervos de vários outros selos como A&M, Fontana, Philips, Chisa, Motown, Horizon, MGM, Argo, Cadet e Blue Thumb – todos eles hoje pertencentes ao imenso catálogo do conglomerado Universal Music Group. Os produtores Harry Weinger, Bill Levenson e Andy McKaie supervisionaram os relançamentos desta primeira leva e o engenheiro Kevin Reeves cuidou das remasterizações. As capas, em formato digipack, reproduzem as artes gráficas originais, mantendo os textos e as fotos utilizadas nas prensagens anteriores em vinil.

Jazzificando Paul Simon

Um dos discos mais procurados – por ter sido previamente reeditado em CD apenas no Japão, mas jamais nos EUA – “Bridge over troubled water”, terceiro álbum de Paul Desmond para o selo A&M, sucedeu os igualmente notáveis “Summertime” e “From the hot afternoon”, ambos produzidos por Creed Taylor. Contudo, “Bridge” levou a assinatura de Don Sebesky na produção, porque Taylor havia acabado de se desligar da companhia de Herb Alpert & Jerry Moss para transformar sua CTI em uma gravadora independente. De qualquer modo, o disco saiu com a “cara” da CTI, tendo em vista o fato de Sebesky, responsável também pelos suntuosos aranjos, ser um dos principais colaboradores de Creed desde “Bumpin’” (de Wes Montgomery) em 1965.

Na verdade, Don ajudou a estabelecer, com sua refinada concepção, a sofisticada estética CTI, adota neste songbook de Paul Simon. Ao mesmo tempo, já estava entrosadíssimo com Paul Desmond por ter orquestrado os dois LPs anteriores do ilustre jazzman. Mais uma vez a combinação funcionou nesta sessão de 1969, dando contornos jazzísticos às canções de Simon. Embora a ficha técnica original esteja reproduzida, em letras microscópicas, na parte interna do CD, a contracapa está cheia de ridículos erros de grafia: Airto Moriera (ao invés de Moreira), Gene Bertoncinni (em vez de Bertoncini) e por aí vai. Erros imperdoáveis, por se tratarem de músicas de grande renome. Não há crédito sequer para o lendário engenheiro Rudy Van Gelder!
Presença brasileira

A maior falha, entretanto, é a omissão de João Palma na contracapa, uma vez que o grande baterista brasileiro – um dos maiores de todos os tempos, diga-se de passagem – toca na maioria das faixas, ao lado de Herbie Hancock (Fender Rhodes), Ron Carter (contrabaixo), Gene Bertoncini e Sam Brown (violões). A inconfundível sonoridade “dry martini” do sax-alto de Desmond pode ser apreciada em temas como “El condor pasa” (emoldurada por cordas, clarone e harpa), “So long, Frank Lloyd Wright” (sem bateria, com Gene puxando a batida de bossa nova e Airto usando apenas woodblock e caxixi com uma sutileza impressionante) e “Old friends”, quase transformada em música clássica por Sebesky.

João Palma esbanja categoria nas duas faixas mais longas (e mais jazzísticas): “America” e especialmente “The 59th St. Bridge song”, esta apenas com a seção rítmica, dando amplo espaço para Ron Carter entortar tudo no baixo, enquanto Hancock faz inspirado solo no Rhodes. “Lembro que, naquele dia, enquanto gravávamos no estúdio do Van Gelder, víamos a neve caindo lá fora, o que nos deu uma sensação incrível”, recorda Palma, salientando que o único overdub na faixa foi feito pelo próprio Desmond, ao inserir um segundo canal de sax na parte final. Na sequência, Palma aplica uma levada pop-samba (típica de suas gravações com o Brasil 66 de Sergio Mendes) a “Mrs. Robinson” e “Cecilia” (com Airto no agogô), usando baquetas de feltro em “Scarborough fair/Canticle” para acentuar o clima misterioso do arranjo. Airto e Bill Lavorgna assumem a bateria em, respectivamente, “For Emily” e “Brigde Over Troubled Water”.
Sax portenho

Outro saxofonista de estilo original e inconfundível, o tenorista e compositor argentino Gato Barbieri também pertenceu ao cast da A&M. Contrastando com o lirismo cool de Desmond, seu estilo sempre foi passional e eloquente Consagrado pela bela trilha para o antológico filme “O ùltimo tango em Paris”, Gato gravou “Ruby, Ruby” em 1977, sob a produção de Herb Alpert, dividindo os arranjos com Jay Chattaway. Os pontos altos são as versões de “Ruby” (Heinz Roemheld & Mitchell Parish), popularizada na voz de Nat “King” Cole, “Latin Reaction” (Marvin Gaye) e principalmente “Ngiculela/Es uma historia/I am singing” (Stevie Wonder). Todas as demais faixas são assinadas pelo próprio Gato, cercado por um timaço de músicos: Gary King, Don Grolnick, Lenny White, Steve Gadd, David Spinozza, Steve Jordan, Lee Ritenour, Lew Soloff, Marvin Stamm, os brasileiros Paulinho da Costa e Portinho na percussão, e ainda uma seção de cordas. Não por acaso, o disco chegou ao quarto lugar na parada de jazz da Billboard.

Estilista inimitável
Mais um inimitável estilista, o compositor, pianista e cantor Mac Rebennack, mais conhecido pela alcunha de Dr. John, está representado na série por “City lights”, gravado entre julho/agosto de 1978 e o primeiro de dois álbuns para o selo Horizon, subsidiário da A&M. Considerado um trabalho de transição na carreira do Doutor – do estilo “New Orleans R&B” para um pop-jazz californiano nitidamente influenciado pelo estouro do Steely Dan com “Aja”, no ano anterior –, traz a estampa do produtor Tommy LiPuma (o mestre por trás de Diana Krall). Arranjador favorito de Tommy, o alemão Claus Ogerman adicionou orquestrações suntuosas às baladas “Rain” e “City lights”. Nas outras seis faixas, o próprio Dr. John e o guitarrista Hugh McCracken cuidaram dos scores para um naipe de sopros, do qual fazem parte David Sanborn, George Young e Barry Rogers. Na base, atuam Richard Tee, Will Lee e o batera Steve Gadd, quebrando tudo nas viradas alucinantes do estilizado samba-jazz “Snake eyes”, com solo de John Tropea.

Fera do Hammond
Ogerman também contribuiu para um dos álbuns de maior sucesso comercial na carreira do organista Jimmy Smith, “Who’s afraid of Virginia Wolf?”, que alcançou o 16º lugar na parada pop da Billboard. Porém, ninguém espere um mar de cordas ou flautas nesta produção de Creed Taylor gravada em janeiro de 1964 para a Verve. Sobre a base de George Duvivier (baixo), Grady Tate (bateria) e Kenny Burrell (guitarra), omitidos da ficha técnica, há apenas uma faiscante seção de metais, seja nos arranjos bombásticos de Oliver Nelson (para a faixa-título e “Slaughter on the Seventh Avenue”) ou nos scores menos espetaculosos de Claus (“Wives and lovers”, “Women of the world” em curioso clima de latin-boogaloo e “Bluesette”), bem como na adaptação bem rústica, do próprio Jimmy Smith, para o tradicional tema “John Brown’s body”. Disco indicado essencialmente para os fãs do líder, cujo approach selvagem-virtuosístico o colocou na posição de maior craque na história do jazz em matéria de Hammond B-3.

Decepções constrangedoras

Oliver Nelson aparece como líder em "Fantabulous", um obscuro álbum para o selo Argo, fruto de uma única sessão em Chicago, em 19 de março de 1964, sob a supervisão de Esmond Edwards. Patti Brown (piano), Ben Tucker (baixo) e Grady Tate (bateria) formam a base para os bons solos de Nelson (tenor), Phil Woods (sax alto) e Jerome Richardson (flauta & sax barítono) em arranjos corriqueiros para oito temas pouco inspirados. Nada parecido com a obra-prima do saudoso Oliver, “Blues and the abstract truth” (Impulse!), uma das antológicas produções de Creed Taylor.

Igualmente decepcionantes, “Goin’ latin – Jet ‘round South America” (Ramsey Lewis) e “Bobo motion” (Willie Bobo) descambam para o easy-listening descartável. No disco de Lewis, captado para o selo Cadet em 1967 e que Edwards ajuda a afundar, seu pianinho se esparrama sobre arranjos desprezíveis de Richard Evans para músicas como a melosa baladinha “Lara’s theme” (do filme “Dr. Zhivago”) e a ultra-melodramática “Free again” (sucesso de Jack Jones), além do “Samba de verão” de Marcos Valle. A única curiosidade é a presença de Maurice White (futuro líder do Earth, Wind & Fire) na bateria, em dobradinha com Cleveland Eaton no baixo.

“Bobo motion”, co-produzido por Pete Spargo & Teddy Reig para a Verve também em 67, traz “Up, up & away”, “Midnight sun”, “Cute” e “Black coffee” vitimadas por arranjos medíocres de Bert Keyes (que destrói até mesmo “Tuxedo junction”, hit de Glenn Miller, a ponto de torná-lo irreconhecível) e Sonny Henry, cujos scores são um pouco menos assustadores, mas não ao ponto de impedi-lo de afundar seu próprio “Evil ways”, que viria a ser um dos primeiros carros-chefes de Santana, “top 10” na parada pop-singles da Billboard em 1970. A cafonice chega ao cúmulo na faixa de encerramento, “La bamba”. Por sorte, o CD – talvez o pior na carreira do batera/conguero/timbalero Willie Bobo – dura apenas 26m31s. Mais “Originals” na próxima semana.

Legendas
Capa do BIS – capa do CD de Paul Desmond
“Paul Simon teve seu songbook jazzificado pelo saxofonista Paul Desmond”
Página interna – capa do CD de Gato Barbieri
“O tenorista argentino Gato Barbieri recria temas de Stevie Wonder e Marvin Gaye”

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