Monday, July 2, 2007

Santana, um ser iluminado em Montreux



Santana, um ser iluminado em Montreux
O guitarrista mexicano brilha em DVDs ao lado de feras do jazz e do blues
Arnaldo DeSouteiros


Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 28 de Junho de 2007 e originalmente publicado no jornal "Tribuna da Imprensa" em 2 de Julho de 2007.
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Para desespero dos puristas, o Festival de Montreux foi aumentando seu prestígio e popularidade justamente à medida em que ampliava suas fronteiras estéticas. Muitos gabolas, como sempre apressados e burros em suas conclusões, prenunciaram o fim do evento, baseando-se em uma suposta “decadência”. Claude Nobs, porém, operou com sabedoria e esperteza a transição. Sem tirar o espaço do jazz em Montreux, simplesmente alongou o período do Festival, que passou a abrigar representantes de outros estilos.

Claro que neste “loteamento”, quando surgiram noites especiais para rock, pop, soul, blues, r&b e world-music, entrou também muita sujidade. Basta examinar os ilustres representantes brasileiros em anos recentes. Até aberrações como É O Tchan e outros grupos de pagode, Banda Eva e as intrépidas ginastas da axé-music penetraram na festa. Com muito sucesso de público, deve-se reconhecer, porque a brasileirada exilada na Europa sempre compareceu maciçamente a tais noitadas.

Ou seja, cabe a cada espectador selecionar as atrações que lhe agradam, pois ninguém é obrigado a comprar o pacote completo. Eu mesmo, logo na minha primeira ida ao Festival, em 1989, deixei de lado o que não me interessava (inclusive uma tal “África/Brazil night” com Jair Rodrigues, Paralamas, Pepeu Gomes e Youssou ‘n Dour) e desembarquei em Montreux somente para assistir João Gilberto na “Canta Brasil”, aberta por Nana Caymmi & Wagner Tiso, João Bosco e Caetano Veloso.

Como as noites seguintes não me atraíam, rumei para a Itália e voltei quatro dias depois para me deleitar com Eliane Elias, Kronos Quartet, World Saxophone Quartet, Herbie Hancock, Steps Ahead, Miles Davis, Carmen McRae, Dizzy Gillespie, o encontro único de George Benson com McCoy Tyner (o show de lançamento do CD “Tenderly”) e muitas outras delícias comentadas em uma série de artigos publicados aqui na Tribuna BIS.

Noites mágicas

Uma nova fornada de DVDs, lançada mundialmente pela Eagle Vision e no mercado brasileiro pelo selo ST2, comprova que nem só de jazz vive Montreux. E que nem apenas de “bobagens” se sustentam as outras noites. O mestre Carlos Santana, por exemplo, que sempre desafiou rótulos e transcendeu estilos, está representado por dois excelentes concertos captados em 2004, em sistema de alta definição, garantindo excelente qualidade de som & imagem. A lamentar somente a ausência de créditos para os compositores, algo inexplicável e injustificável, ainda mais em produtos de excepcional apresentação gráfica.

No DVD-duplo “Hymns for peace”, de mais de três horas de duração, convidados superespeciais somam-se aos integrantes da New Santana Band, infalível nos grooves precisos fornecidos a partir da cozinha centrada em Dennis Chambers (bateria), Benny Rietveld (baixista que assisti com Miles em 89), Chester Thompson (tecladista que não deve ser confundido com o batera homônimo), Raul Rekow (congas) e Karl Perazzo (timbales). Na guitarra-base, Myron Dove. Nos vocais, Andy Vargas. Nos sopros, Jeff Cressman (trombone) e Bill Ortiz (trompete).

Alguns dos convivas – entre eles o guitarrista do Chic, Nile Rodgers, e a cantora Patti Austin – fazem fugazes aparições, que deixam o espectador com gosto de “quero mais”. Outros participam ativa e constantemente, como Herbie Hancock (em solos sempre desconcertantes no piano acústico, escapando de qualquer clichê), Wayne Shorter (irradiando luminosidade e tirando de letra a pouca familiaridade com o material temático), John McLaughlin (com o usual fraseado peculiar de escalas ultravelozes) e Angélique Kidjo, às vezes roubando a cena não apenas nos vocais mas nos passos de dança que deixam Shorter extasiado.

Clima pacifista

A abertura acontece de forma impactante com “Afro blue”, tema de Mongo Santamaría consagrado por John Coltrane, recheado por uma sucessão de ótimos solos, inclusive de Chick Corea, que segue atuando de forma impecável nas três músicas seguintes, mostrando toda a sua classe no piano elétrico Fender Rhodes. Por sua vez, se não chega a brilhar, Ravi Coltrane também não faz feio, revelando grande aprimoramento. Também é curioso notar como a influência de seu pai aparece reprocessada através do estilo de Michael Brecker, o melhor exemplo de alguém que soube levar adiante a inspiração de John Coltrane desenvolvendo uma linguagem própria.

O eclético repertório do concerto realizado no Stravinski Hall, em 15 de julho de 2004, e originalmente batizado “An evening of songs for peace”, com o pôster original reproduzido no livreto do DVD, passa por temas de Bob Dylan (“Blowin’ in the Wind”, “Just like a woman”), John Lennon (“Imagine”), Bob Marley (“Redemption song”) e Marvin Gaye, cujo hino pacifista “What’s going on”, até hoje capaz de encher qualquer pista de dança, encerra a primeira parte. No começo da segunda, após um medley de “Peace on earth” e “Boogie woman”, Steve Winwood assume os vocais e o órgão Hammond para uma releitura à meia-bomba de “Why can’t we live together”, hit de Timmy Thomas em 1972 regravado por Sade e pelo próprio Winwood no disco “About time”.

Salvador Santana, um dos filhos de Carlos, ousa substituir Hancock ao piano em “Light at the edge of the world”. Idrissa Diop relembra “The banana boat song”, calypso popularizado por Harry Belafonte. McLaughlin retorna para relembrar dois temas (“Let us go into the house of the Lord” e “A love supreme”) do encontro com Santana, em 1972, no antológico “Love devotion surrender”. Os dois guitarristas relembram ainda “In a silent way”, tema de Joe Zawinul que deu título ao seminal álbum de Miles Davis em 1969, do qual Shorter, Hancock e McLaughlin participaram.

“Jingo”, que sacudiu Woodstock em 69 e Montreux no ano seguinte, quando Carlos se apresentou pela primeira vez no Festival, permanece contagiante em 2004, com Omar Hakim e Gerardo Vélez reforçando a cozinha. E o encerramento acontece de forma inesperada quando um coral de 120 figuras se posiciona na frente do palco para entoar a imperecível “Ode á alegria”, da Nona Sinfonia (“Coral”) de Beethoven. Pena que as três faixas-bônus (chochas versões de “One love”, “Imagine”, “Give peace a chance”) estejam em um nível bem abaixo do restante do concerto.

Encontros preciosos

Três dias antes, em 12 de julho, Santana esteve envolvido em outra maratona, documentada no DVD-triplo “Carlos Santana presents Blues at Montreux”, cuja embalagem luxuosa faz jus ao conteúdo musical. Na verdade, os shows são dos lendários Bobby Parker, Clarence “Gatemouth” Brown e Buddy Guy, todos contendo a participação do guitarrista mexicano em alguns números. Claro que o título e a capa do DVD são uma boa e compreensível jogada de marketing, certamente aumentando em muito o potencial de vendagem do produto, graças ao poder da grife “Santana”.

Mas engana-se quem, neste momento, esteja prejulgando Santana (ou Claude Nobs) como “aproveitadores”. Muito pelo contrário. Afinal, como o próprio Carlos comenta detalhadamente no encarte, seu envolvimento com o blues e sua adoração pelos bluesmen aqui reverenciados vem de longa data. Tanto que o nome original de seu grupo, formado em 1966, era Santana Blues Band. E sua primeira gravação aconteceu no disco “The live adventures of Mike Bloomfield and Al Kooper”, gravado no Fillmore de San Francisco em 1968.

No show que abriu a noite, Bobby Parker, sua guitarra branca e sua peruca negra como as asas da graúna comandaram um sexteto em treze músicas, das quais apenas “Afro blue” e “Fast train” ficaram de fora. Os pontos altos, após um bisonho início com “Straight no chaser”, de Thelonious Monk, acontecem em temas de Albert King, Willie Dixon e Jimmy Oden: “Breaking up somebody’s home”, “Nothing but the blues”, “I ain’t superstitious”, “It’s unfair” e “Goin’ down slow” e os três encontros com Santana: “Chill out” (com Andy Vargas, vocalista da New Santana Band), “Mellow down easy” e “Watch your step”, que remonta à infância de Carlos em Tijuana e “inspirou” o riff de “Day tripper”.

Depois foi a vez do ícone Clarence “Gatemouth” Brown (que viria a falecer em 2005, vitimado por um câncer de pulmão no Texas, depois de sua casa em New Orleans ser destruída pelo furacão Katrina) subir ao palco ainda em grande forma aos 80 anos. Brown, que entre outros discaços gravou o memorável LP “Makin’ music”, em 1979, ao lado do astro country Roy Clark e com a presença do brasileiro Airto Moreira, recebendo 5 estrelas na DownBeat, ataca nos vocais, guitarra e violino, liderando um quinteto. Com chapéu e roupa de cowboy, sai logo estraçalhando em “Strange things happen” (Percy Mayfield), “I’m beginning to see the light” (sim, aquela mesma escrita em 1944 a oito mãos por Duke Ellington, Don George, Johnny Hodges e Harry James, que a gravou no ano seguinte) e “Honey boy”, clássico da dupla Billy Butler-Bill Doggett. Cercado por convidados – Santana, Buddy Guy, Nile Rodgers, Jeff Cressman e Myron Dove – detona “I’ve got my mojo working”, “Drifter”, “Grape jelly” e “Okie dokie stomp”.

Por fim, Buddy Guy entrou em cena, com violão em punho, disposto a dar uma aula prática da história do blues. Inicia com “Good morning little schoolgirl” (tema de Sonny Boy Williamson, safra 1937), passa por “Louise McGhee” e chega a “Hoochie coochie man”, de Willie Dixon, hit de Muudy Waters, mas que a maioria dos jazzófilos conheceu em 1963 na voz do organista Jimmy Smith, em arranjo do inesquecível Oliver Nelson. Já com a querida guitarra Fender Stratocaster preta de bolinhas brancas, segue dissecando “Fever” (lançada pelo bluesman Little Willie John em 1956, sucesso de Peggy Lee, Elvis Presley e Madonna) e inicia as jam-sessions. Revive “Stormy monday” com Santana, “So many roads so many trains” com Barbara Morrison e sai passeando pelo auditório, enquanto Claude Nobs o aguarda no palco. Na última jam, adentram Nile Rodgers e Bobby Parker. Fulminante!

Legendas:
“Wayne Shorter, Herbie Hancock, John McLaughlin e Chick Corea estão entre os convidados do mega-concerto de Carlos Santana em Montreux”
“Ícones da história do blues são documentados em shows memoráveis e jam-sessions ao lado de Santana em DVD-triplo”

2 comments:

  1. Oi Arnaldo, tudo bom?

    Quero convidá-lo a conhecer o meu Blog com conteúdo de Jazz. No Blog você irá encontrar cds para baixar, artigos, variedades e muito mais.

    http://jazzmanmp3.blogspot.com/

    msn: mpbcaetanoveloso@hotmail.com

    Abraços

    JazzMan!

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  2. Oi Arnaldo,concordo plenamente com sua avaliação sobre os shows do Santana em Montreux,Santana acompanhado por "monstros' do jazz,volta a tocar o som "viajante" que caracterizou nos anos 60/70 principalmente 70 vide albums,Welcome,Borbolleta,Caravanserai.Santana aqui deixa de ser um mero guitarrista acompanhando "cantorzinhos pop" característica de seus últimos 2 Cds.Abraços

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