Jorge Pescara interviewed by Carlos Eduardo Cardoso for the "Backstage" magazine
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Entrevista de Carlos Eduardo Cardoso com Jorge Pescara. Publicada na revista "Backstage"
1) De que forma este livro pode contribuir para a formação de baixistas iniciantes, iniciados e os mais experientes?
Carlos, talvez com a demonstração da possibilidade de se atingir objetivos desde que sejamos persistentes, profissionais, sei lá... Escalas, arpejos, este tipo de material pode ser encontrado em qualquer livro, mas todo este conhecimento junto em uma única obra, até este momento, é um fato inovador no mundo. Histórico do contrabaixo, a família do instrumento, dispositivos técnicos, fotos, gráficos, construção, parte tecnológica contendo explicações de amplificadores, efeitos e caixas em um único livro? Se o sujeito não aproveitar este material é por que quer somente criticar mesmo!
2) É um livro para ser utilizado como manual para quem está aprendendo ou ensinando contrabaixo, como complemento para o trabalho de aprendizagem?
Tudo isto junto.
3) Considerando todo o tempo de trabalho debruçado neste livro, você considera que o trabalho está completo, que seria esta mesmo a mensagem que você gostaria de passar?
Se ficasse mais tempo com ele não lançaria nunca. (risos) Cara, é difícil crer que o trabalho está completo, na verdade nunca está! O livro agora é como o Cd, não é mais meu e sim do público que adquirir o material.
4) Acredito que não é exatamente o livro como você planejou no princípio. Que evoluções este trabalho sofreu ao longo de sua produção para chegar a este resultado?
Atualizações de todo tipo, correções aqui e ali, informações novas a cada momento... Carlos são 14 anos debruçado sobre ele. Isto começou em 1991 quando eu estava no trem indo de Santo André para São Paulo ter mais uma aula da ULM. Contrabaixo nas costas, cadernos e muita força de vontade. Entrei na sala da minha professora, na época, Ge Cortez (baixista do Altas Horas da rede Globo) e disse: “Vou escrever um livro! Não um método, mas um livro diferente”.Ela sorriu e com palavras de apoio deu algumas idéias inicias. Daí pra frente foram 10 anos de manuscritos, textos datilografados e depois digitados em computador. Somente quem faz uma obra destas tem a noção de quanto trabalho e quando de sua vida você tem que se doar pra atingir os objetivos...
5) Este livro foi planejado em função da carência de material deste tipo no Brasil. Este ainda é um problema para a formação de baixistas no país?
Creio que sim, pois afora um ou outro bom livro, como os dois volumes maravilhosos do (Adriano) Giffoni, o livro de improvisação do Nico (Assumpção), e mais um ou outro, o resto do material ainda é pouco em quantidade e em qualidade. Já estou escrevendo mais uns 5 livros no computador. Todos técnicos. Tenho em mãos, material das aulas do Nico Assumpção que daria o melhor livro de improvisação de baixo que conheço, tenho também vários manuscritos do curso de fretless do Cláudio Bertrami, a apostila do Sérgio Pereira, a do Geraldo Vieira... E porque este material todo não está editado oficialmente? As editoras precisam abrir os olhos pra quem tem verdadeiramente “o que dizer”. Se eu puder ajudar eu me disponho nestes casos citados.
6) Qual a influência deste processo educacional na formação teórico-musical de contrabaixistas?
Toda informação embasada teórica, técnica e cientificamente em exaustivos testes prévios é necessária e justa em qualquer área! Você não encontra profissionais de fim de semana em outras situações. Ou vai me dizer que viajaria em um Boeing 747 cujo piloto estaria lendo: “como voar em 5 lições fáceis”, viajaria? Você freqüentaria um consultório dentário de alguém que levasse a odontologia como hobby? Então não me peçam pra ser preguiçoso com uma arte tão nobre quanto à música. Qualquer profissional que se preze tem como obrigação conhecer suas ferramentas de trabalho. Ter noções, básicas ao menos, do histórico envolvendo todos os processos criativos. Isto é cultura, amigo!
7) De que forma este livro pode colaborar para melhorar este quadro?
Informando, de maneira racional, os diversos caminhos que se pode seguir.
8) Praticamente paralelo ao lançamento do livro você está lançando um CD. De que forma estes dois projetos se relacionam?
Isto sou eu, um caldeirão em ebulição o tempo todo, agora! (risos) tenho necessidade de passar adiante o que me foi passado, esta é a senda. Iniciação a todo instante. Esteja preparado e o mestre surgirá.
9) Quando começou e quando terminou a gravação deste CD?
Entre 2000 e 2003, sabe, a primeira faixa foi gravada em com Dom Um Romão. O take com o (Luiz) Bonfá foi o último antes dele falecer... Agradeço a Deus por ter me dado este privilégio.
10) Em quais estúdios foram feitas as gravações? E a mixagem? Quais os nomes dos técnicos envolvidos e que contribuição eles tiveram no resultado final do trabalho? Houve algum critério na seleção dos técnicos?
Algumas coisas no Estúdio Arte em Niterói (RJ) o estúdio do Arthur Maia, dois takes no ADG na Fonte da Saudade (RJ), próximo à Lagoa Rodrigo de Freitas com um visual fantástico no bairro, um take no SL Studio (SP), e também em Piermount NY. A maior parte mesmo, uns 70% do disco foi gravado no Century no Recreio dos Bandeirantes (RJ), do qual devo muito ao amigo Cury Heluy, que fez a supervisão técnica de todo o projeto, além dos excelentes técnicos João Moreira e Lula Lavour. As mixagens foram feitas pelo próprio João Moreira, um craque com muitas horas de vôo e 25 anos de Polygram nas costas. Houve mais um critério geral de sonoridade, ambiência e clima dos estúdios do que uma simples escolha de técnicos. Tive a sorte de ter João e Lula no Century. Mas você não perguntou sobre a masterização. Digo com muito orgulho que ela foi feita pelo competentíssimo Geraldo Brandão do EG (Botafogo-RJ) em 24 bits.
11) Como foi o processo de escolha do repertório? Qual foi o critério para seleção das músicas? Comente um pouco sobre cada uma? Você escolheu o repertório sozinho ou teve a participação de colaboradores?
Foi um minucioso projeto que eu o meu produtor o Arnaldo DeSouteiro fizemos juntos durante uns três meses, antes de iniciarmos a escolha dos estúdios e dos músicos. Gravamos vinte e três faixas e acabamos, com alguma dificuldade, porque todas ficaram boas, escolhendo apenas onze pra entrar no disco, com mais dois bônus track com arranjos vocais de Kashmir e Power of Soul.
12) De que forma elas se encaixam no CD? Para "contar uma história" ou não existe necessariamente um encadeamento lógico?
Existe sim, e ela foi exaustivamente pensada e repensada pelo Arnaldo (DeSouteiro) e eu. O disco não leva o título de Grooves in the Temple à toa. Quem me conhece sabe do meu lado místico, sabe da minha paixão pela obra Rosacruz. Sabe que sou um defensor da obra dos Cavaleiros Templários, estudo Teosofia, civilizações desaparecidas, Ufologia... Levo a mensagem do Cristianismo puro em tudo o que faço. Esta história esta parcialmente contada neste Cd. Ouçam e percebam!
14) Alguma música foi composta especificamente para este CD?
Não com uma finalidade específica do tipo: “Ah! Vou compor uma para este disco”. Tenho apenas três composições minhas no álbum e uma delas era bem antiga. Havia composto Meteor-Etude for Mr. Pastorius por volta de 98. Mostrei-a para alguns amigos e quando estávamos, eu e o Arnaldo, escolhendo o repertório do disco resolvemos incluí-la.
15) Qual o conceito musical proposto neste trabalho?
Música como forma de arte. Pura e simples como a natureza. Se eu fizesse um disco para contrabaixista estaria contradizendo meus próprios princípios. Este Cd é pra quem quer ouvir música, malabarismos deixamos para o circo. Quem quiser ouvir um cd com intermináveis e enfadonhos solos de contrabaixo só pra dizer: “Oh! Como ele toca bem... uau! Ele usou uma escala preenchetônica!..” Então passe longe, pois este não é cd pra esta finalidade. Tenho alguma mensagem pra passar adiante e como estou músico, uso meu dom pra divulgá-la.
18) De que forma este CD se encaixa no decorrer de sua carreira musical?
Como o começo, o start inicial de um projeto de vida. Hei! Quero ter uma carreira, não quero ficar no meio do nadar e morrer na praia. Já não chega meu Verdão (Palmeiras) nestes últimos anos, sem ganhar um campeonato? (risos)
19) Quantos e quais baixos foram usados nas gravações? Quais as sonoridades pretendidas com cada um deles?
No que se refere ao meu set up nestas gravações posso citar na escalação o Condor BC4000 para os pizzicatos, o Fender Jazz Bass vintage 74 model Marcus Miller signature nos slaps, o Condor BC600, 6 cordas fretless, com captação ativa, nas melodias, O StickBass Chapman Enterprise de dez cordas para os tappings, o Vertical Bass Electric Upright do DiCarmo-SP para extrair a sonoridade do acústico, o piccolo fretless Cheruti-RS para as melodias de ponta e os harmônicos, além do Ebow para o sustain infinito e pra imitar sopros indianos, o Baixolão Condor CB-1, cinco cordas, para um timbre de madeira, o Condor BC6000, seis cordas, para uma sonoridade mais moderna e o DiCarmo oito cordas fretless afinado em pares de oitavas, quintas ou quartas justas. Este último baixo possui cordas duplas sendo quatro pares de cordas padrão ao lado de cordas piccolo. É pra uma coisa mais cítara com as cordas ressonando o tempo todo, ou mesmo como uma viola caipira. Todos os baixos foram equipados com as cordas da NIG. No campo dos efeitos e apetrechos periféricos usei palhetas da Jim Dunlop .010¨ quando quis uma sonoridade mais radical, um EBow modelo novo que contém o Hi-EBow embutido para os feedbacks de harmônicos, e vários pedais analógicos sendo um Cry Baby Jim Dunlop, Um MuTron III, o Fuzz Big Muff, além do Octave Boss, o Bass Synthesizer, um Flanger Ibanez e por aí vai... Nos shows este setup é completado com caixas Selenium projetadas pelo amigo Homero Sette e feitas pela própria empresa para meu uso próprio (2x15¨, 4x10¨+horn), além da potência da StudioR SX ADL 1400 com EQ, Comp e Crossover embutido. Usei este set para gravar algumas coisas microfonadas para este disco e foi uma experiência fascinante.
21) Quais outros equipamentos de seu set-up foram utilizados na gravação?
Meu não do estúdio. Gravei em 4 ADAT’s, numa mesa Allen & Heat de 48 canais, com pres valvulados maravilhosos e alguns Lexicons. Já as mixagens foram feitas em uma mesa Amek de 48 canais.
22) Algum equipamento extra-set-up foi utilizado?
Alguns periféricos do estúdio Century, mas o grosso mesmo veio dos meus dedos e dos meus equipos.
23) Quais foram os músicos e artistas que participaram neste CD?
A lista é grande, então pra não esquecer ninguém vou ler aqui o featuring: Dom Um Romão (bateria e percussão), Ithamara Koorax (vocais), Luiz Bonfá (violão), Cláudio Zoli (guitarra semi-acústica), Eumir Deodato (Fender Rhodes), Laudir de Oliveira (percussão), jP Mendonça (flauta, sax, analog keyboards, programações), Paula Faour (MiniMoog), André Gomes (cítara), Alfredo Dias Gomes (bateria), Nick Remo (bateria), Sidinho Moreira (percussão), três caras do Barão vermelho José Carlos “Bigorna” Ramos (sax soprano, ternor e barítono) Guto Goffi (bateria) e Maurício Barros (Hammond organ com Leslie), além de Widor Santiago (sax barítono), Cláudio Infante (bateria e percussão indiana), Guilherme Isnard (vocais), Sérgio Vid (vocais), Glauton Simmas Campello (analog keyboards), Manny Monteiro (bateria), Sérgio Nacife (bateria), João Palma (bateria), Cláudio Kote (guitarra), Dudú Caribe (guitarra), Roberto Marques (trombone), Dino Rangel (guitarra acústica), Mila Schiavo (percussão afro), Ricardo Brasil (tambourine), Vander Nascimento (flugel horn), Jéferson Nery (fagote), Diógenes de Souza (trompa) e Sérgio Malafaia (oboé) e o obscuro artista nipônico Akira Akurai (Taiko). Ta bom pra você? (risos)
24) Quais os critérios de escolha em função de cada faixa? Que sonoridade era pretendida?
Cada um foi escolhido pelo o que de melhor se caracteriza. Após pensar no arranjo... aliás, quando eu fazia o arranjo já pensava: “quero fulano nesta”. Daí já fazia o arranjo com a pessoa em mente.
25) Conhecendo o padrão Jorge Pescara, em que nível de qualidade está este CD? Daria para melhorar algo? O quê?
Seria como livro, não largaria nunca. Ficaria mexendo a vida inteira, ainda bem que meu produtor tava lá pra me brecar. (risos) Algumas passagens foram cômicas com o João Moreira, do tipo ele dizer pra si próprio, mas todos no estúdio ouviram e riram: “você não está louco João, está apenas gravando e mixando o disco do Pescara!”, ou quando ele perguntava: “quantos baixos você vai gravar nesta faixa aqui 8 ou 10?” Eu estou constantemente me reciclando e revendo conceitos. Prefiro quebrar paradigmas minha vida toda do que ficar deitado em berço esplendido...
Perguntas para o Arnaldo DeSouteiro
1) Este CD reflete o que foi planejado para o trabalho? Que mudanças foram acrescentadas ao longo do projeto?
Nenhum disco “criativo” você consegue fazer exatamente como planejado. Nem sequer deve planejar isso...(rsss) Muito pelo contrário! Seguir uma bula é muito chato, coisa para quem não tem criatividade. A cada faixa, a cada sessão de gravação surgiam novas idéias, que iam sendo testadas, ou melhor, “tentadas”, no sentido de que surgiam mesmo como tentações. E um caminho escolhido não implicava necessariamente na exclusão de outro. Foi um processo bastante poligâmico e no final todos ficaram satisfeitos, sem necessidade de fumar um cigarrinho, e muito menos um charuto.
2) Percebe-se que não é um CD para baixista. A intenção era realmente esta, de fazer o CD soar destacando o baixo, como que servindo de "cozinha" para o instrumento?
Eu acho que não é um CD somente para baixistas. É um CD para baixistas, guitarristas, tecladistas, paraquedistas, ortopedistas... Também não é um disco daqueles “de músico para músico”, calcado em competitividade ou auto-afirmação. É um CD para amantes de música, resultado de muita cooperação entre todos os envolvidos, que foram de uma generosidade extrema. E de um entusiasmo contagiante, que envolveu todo o projeto. E eu me refiro não apenas aos músicos, mas aos engenheiros, donos de estúdio, ao mestre Doug Payne que fez as liner notes e ao Pete Turner, o mais importante fotógrafo da história do jazz, autor de capas antológicas para Weather Report, Chet Baker, Ron Carter, George Benson, Freddie Hubbard, Jim Beard, Hubert Laws, Don Sebesky, enfim, só craques. E pouquíssimos brasileiros – Deodato (“Prelude 2001”), Airto (“Fingers”), Tom Jobim (“Stone Flower”, “Tide”, “Wave”), Walter Wanderley (“Moondreams”) e Milton Nascimento (“Courage”) – tiveram a honra de merecer uma capa do Pete. O Pescara agora pertence a esta lista altamente seleta, e isso muito me honra também, porque é a primeira capa que o Pete faz para a minha gravadora JSR, seguindo o estilo do padrão gráfico que ele criou para a CTI, a gravadora que fez a minha cabeça desde criança. Ele é caríssimo (em todos os sentidos) e ultra-exigente, hoje em dia aceita pouquíssimos trabalhos porque está realizado e riquíssimo, e fez questão de ouvir o CD antes para escolher a foto que melhor retratasse a estética do álbum! Então, foi tudo muito gratificante, apesar do longo tempo de gravação, porque o Pescara bateu o recorde do Steely Dan, deveria ir para o Guiness...(rsss)
3) Como foi o processo de pesquisa de repertório e de sonoridades? Ele aconteceu antes mesmo do processo de gravação ou acabou sendo realizado também durante a gravação?
Não houve pesquisa de nada, pelo menos da minha parte. O termo “pesquisa” talvez se aplique ao que o Pescara fez em termos de buscas de sonoridades e efeitos para os tracks de baixo, para que tipo de instrumento se encaixava melhor nesta ou naquela faixa. Mas, mesmo assim, acho que foi um processo mais orgânico, emocional, criativo, do que uma pesquisa no sentido científico do termo. Tudo fluiu muito naturalmente durante a gravação, todo mundo se surpreendia a cada instante, só tivemos momentos de prazer durante o disco. Nada de papo-cabeça, nada de resgatar coisa alguma porque quem resgata é policial, bombeiro, a SWAT... Ou seja, o repertório foi se formando de forma criativa, porque até no último dia de masterização ainda estávamos trocando faixas, alterando a ordem das músicas. Nem ali, aos 45 minutos do segundo tempo, o processo do disco se burocratizou. Eu sugeri algumas músicas (“Comin’ Home Baby”, “Black Widow” e “Power of Soul” por exemplo) porque achava que se encaixavam bem no estilo do Pescara. E ele sugeriu outras, como “Kashmir”, do Led Zeppelin, e eu comprei imediatamente a idéia. A maior prova da nossa “loucura criativa” é que a primeira música que eu sugeri para o Pescara, e que ele logo amou, acabou não entrando no disco. Aliás, nem chegou a ser gravada! O Pescara achou a partitura, chegamos a pensar na instrumentação, mas o tempo foi passando e nada de gravarmos a faixa que era para ter sido a “centerpiece” do disco. Só não entrego o nome porque quero que ela seja gravada no próximo CD!
3) Percebe-se uma preocupação muito grande com a sonoridade de todos os elementos em cada faixa. Este tipo de preocupação deve ser constante em trabalhos voltados para o exterior?
Não acredito em técnica sem emoção, nem em emoção sem técnica. Isso é papo-furado de quem não tem nem uma coisa nem outra e precisa enganar a mídia que acaba, por tabela, enganando o distinto público. E, lamentavelmente, virou regra-corrente no Brasil. No disco do Pescara, não houve preocupação, e sim um grande cuidado. Ambos somos perfeccionistas, mas sabemos que essa busca pela perfeição não pode implicar em perda de naturalidade nem brecar a originalidade. Por isso eu me dei tão bem com o Pescara, assim como adoro trabalhar com João Gilberto e com a Ithamara, porque eles também são perfeccionistas, sempre obcecados pelo melhor som, pela melhor performance. Então não fica aquele negócio de parecer que tem um produtor chato, sempre insatisfeito, enchendo a paciência do artista. Nem vice-versa. Sabíamos que estávamos sempre fazendo o melhor dentro das nossas capacidades, na verdade até tentando transcender nossos limites. Por isso as pessoas que ouvem o disco tem ficado “chapadas”, porque sacam esta densidade emocional do trabalho aliada ao perfeccionismo em todos os sentidos. A escolha do João Moreira como engenheiro-chefe foi fundamental também para se obter a sonoridade pretendida, já que o cara não é um engenheiro da geração Pro-Tools daqueles que acha que pode resolver tudo na base de plug-ins mas nem sabe microfonar uma bateria. O João gravou discos antológicos da música brasileira durante três décadas – Caetano, Jorge Ben, Bethânia, João Gilberto, Gal (“Cantar”, que eu comprei quando tinha dez anos de idade). Então foi uma grande honra trabalhar com ele, sem falar do altíssimo astral.
5) Existe diferença no nível de exigência destes dois mercados?
Infelizmente, sim. Um ótimo disco com som ruim não tem chance alguma no mercado exterior. A não ser que seja uma coisa tipo disco inédito de Jimi Hendrix ou Jaco Pastorius, que vai ser lançado como curiosidade. Já no Brasil... bem, melhor nem comentar porque já tenho inimigos suficientes para três reencarnações.
6) Como será desenvolvido o processo de divulgação do CD, no Brasil e no exterior?
Por ser um produtor formado em comunicação, eu tenho uma visão muito peculiar, penso sempre no marketing com muito carinho, sigo estratégias diferentes para cada caso. Não dá para usar num disco do João Gilberto, por exemplo, o mesmo processo de divulgação empregado num disco do Dom Um Romão ou da Ithamara, porque se destinam a facções diferentes de mercado. Como este álbum do Pescara é o primeiro disco que produzo para um baixista (em 83 fui convidado para produzir um disco do Alex Malheiros, e até hoje me arrependo de não ter aceito...), o processo também vai ser bastante experimental, no sentido de que é algo novo na minha carreira. E novamente vou ter que usar a criatividade. Mas, sem falsa modéstia, um disco que tem esse timaço de músicos, um engenheiro como o João Moreira, que tem capa do Pete Turner e liner-notes do Doug Payne, já nasce consagrado.
7) Num momento em que a música é vista como um produto de fácil "digestão" e perecível, fazer um CD o oposto desta filosofia é estar na contramão ou na vanguarda?
É estar garantindo um lugar na história da música!
8) Ouvindo o resultado final do trabalho, que contribuições que os convidados fizeram que você destacaria como as mais relevantes para o projeto?
Impossível destacar este ou aquele músico, ou um determinado solo. Longe de querer paracer Hebe Camargo, até porque ela não faz o meu tipo, todos foram magníficos. Eu poderia analisar os desempenhos de cada um, faixa por faixa, mas aí você precisaria fazer uma edição especial da Backstage....(rsss)
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