Tuesday, May 22, 2007

Raridades do selo CTI reaparecem em CD



Raridades do selo CTI reaparecem em CD
Arnaldo DeSouteiro
Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 21 de Agosto de 2003 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Algumas das mais interessantes reedições deste ano, no mercado jazzístico, vem sendo proporcionadas pela companhia japonesa PJL, que licenciou vários títulos do selo americano CTI. Todos relançados em formato digipack , reproduzindo em miniatura os luxuosos “designs” originais dos álbuns de capa-dupla. Ou seja, com os disquinhos guardadinhos exatamente como ocorria na época do vinil. Entre os destaques estão obras que reaparecem pela primeira vez em CD: “Polar AC” (Freddie Hubbard), “Rambler” (Gabor Szabo), “Carnegie Hall” (Hubert Laws) e o estupendo “In Concert in Japan” (The New York Jazz Quartet).

Shows memoráveis

De saída, vale esclarecer que, em 1987, a Sony lançou nos EUA um CD exatamente com o mesmo título e a mesma capa de “In Concert in Japan”. O conteúdo, porém, era diferente do LP homônimo lançado doze anos antes, pois o produtor Didier Deursch optou por utilizar as fitas de um outro show realizado em 23 de março de 1975 no Yubin-Chokni-Kaikan-Hall de Tokyo, no início da primeira turnê japonesa do grupo batizado The New York Jazz Quartet. Uma ação judicial, movida pelos integrantes do conjunto (o contrabaixista Ron Carter, o pianista Roland Hanna, o batera Ben Riley e o flautista/saxofonista Frank Wess) logo retirou o tal CD de circulação, que agora vale cerca de duzentos dólares em leilões na internet.

Somente agora, graças a PLJ, o show “verdadeiro”, de 2 de abril de 75, quando o grupo já estava mais afiado no final da excursão, finalmente surge em CD. São apenas quatro faixas. Mas que faixas! E todas com mais de dez minutos de duração, sem cortes ou consertos em estúdio, com a espontaneidade da performance captada com irretocável qualidade técnica, realçada pela transparência da mixagem de Rudy Van Gelder. A turma abre os trabalhos com a lindíssima “Little waltz”, de Carter, seguida por uma recriação sensacional de “Well, you needn’t”, do gênio Thelonious Monk, destacando Wess na flauta. O saudoso Sir Roland Hanna, o “Chopin do jazz”, emociona a platéia com seu pungente número de piano-solo, “Introspection”. Assina também o crepitante tema de encerramento, “Mediterranean seascape”, com um show particular de Ben Riley enquanto Wess mostra sua classe no sax soprano.

O outro disco “ao vivo” do pacote é igualmente brilhante, embora tenha passado por uma certa maquiagem. Achando que a atuação do baterista Freddie Waits havia sido excessivamente sutil durante o concerto do flautista Hubert Laws no “Carnegie Hall”, em 12 de janeiro de 1973, o produtor Creed Taylor convocou Billy Cobham para fazer um “overdubbing” no estúdio de Van Gelder – mas sem poder deletar inteiramente o som de Waits, até porque tinha vazado através dos microfones de outros instrumentos. Acabaram ficando as duas baterias, gerando um efeito bastante interessante, embora com as viradas diabólicas de Cobham em primeiro plano. E os dois artistas receberam os devidos créditos na ficha técnica.

Creed planejara inicialmente um álbum-duplo, mas acabou lançando um LP simples por não querer repetir as músicas já gravadas por Laws nos discos de estúdio “Afro-classic” (com Waits impecável na bateria, vale dizer) e “Rite of spring”. Conforme ele próprio relembra, “não faria sentido que eu pedisse a Hubert para tocar apenas coisas novas, inclusive porque ele precisava centrar o repertório nos sucessos dos discos que queríamos divulgar”. Tanto que, depois de uma espetacular releitura do tema “Windows”, de Chick Corea, com ótimos solos de Laws, Bob James no piano e Dave Friedman no vibrafone, assim que o flautista emenda com a introdução de “Fire and rain”, de James Taylor (gravada tanto em “Afro-classic” como no antológico “California Concert” da bandaça CTI All-Stars), a faixa termina em abrupto fade-out.

Uma extraordinária reconstrução de Don Sebesky para a “Passacaglia em dó menor”, de Bach, fez parte de “Afro-classic”. Mas a gravação ao vivo ficou tão espetacular, e ainda superior a de estúdio, que acabou ocupando todo o lado B do LP. Composta originalmente para órgão, no início do século XIII, esta peça marcou a transformação da passacale (caracterizada pelo tema expresso pelo baixo ostinato enquanto as outraz vozes se encarregam dos adornos, desenvolvimentos e variações do tema) numa obra dramática de proporções épicas. Anunciado por Ron Carter, o tema amplia-se de forma espantosa, ornamentado pelas linhas de fagote (Dave Miller), vibrafone, violão, piano e flauta, passando por vários climas até chegar a um ponto de alta tensão que conduz a uma exaltação espiritual. Os solos “a capela” de Ron (certamente uma das três melhores performances de sua vastíssima carreira, provocando aplausos e uivos da platéia em vários trechos) e Gene Bertoncini no violão (completando o delírio do público) são antológicos. Quanto a Hubert, nada melhor do que lembrar a opinião de Leonard Feather: trata-se do melhor flautista da história do jazz – e na fase áurea de sua carreira, vale frisar.

Estilistas em ação

Outro artista a alcançar o ápice durante a colaboração com Creed Taylor, o trompetista Freddie Hubbard encontra-se representado por “Polar AC”, seu único trabalho na fase da CTI que permanecia inédito em CD. Na verdade, foi seu sexto e último LP de estúdio para a gravadora, sucedendo os elogiadíssimos “Red clay”, “Straight life”, “First light”, “Sky dive” e “Keep your soul together”, que o ajudaram a superar Miles Davis em concursos de popularidade, inclusive na votação dos leitores (sempre mais espertos do que os críticos) da Down Beat em 73 e 74. Quando Freddie aceitou, em 74, o convite da antiga CBS para mudar de gravadora, ainda devia um disco a Creed, e a solução foi autorizar o lançamento de “Polar AC”, construído a partir de takes não utilizados em projetos anteriores.

A faixa-título, por exemplo, cujo título provisório era “Fantasy in D”, havia sobrado das sessões para o disco “First light” em 71. Não por falta de méritos, mas de espaço. Tanto CT quanto FH adoravam o arranjo “pianoless” de Don Sebesky para o tema de Cedar Walton, com as cordas emoldurando os desempenhos impecáveis de George Benson, Hubert Laws e Jack DeJohnette. Em seguida, dois temas da dupla soul mais adorada pelos jazzistas dos anos 70, Thom Bell & Linda Creed, autores de hits tipo “Betcha by golly wow” (lindo solo de Benson, bem econômico, ao invés da habitual cascata de notas) e “People make the world go round”, previamente gravada por FH como “sideman” no disco “Sunflower” de Milt Jackson. Neste novo arranjo, de Bob James, os efeitos percussivos de Airto, misturados a sonoridades esdrúxulas obtidas por Freddie no flugelhorn, abrem o remake desta música popularizada por Michael Jackson em sua fase de criança-prodígio na Motown.

Don Sebesky volta como arranjador (empregando um naipe de metais) na faixa “Naturally”, do cornetista Nat Adderley, captada durante as sessões para o LP “Sky dive” em 72, com Billy Cobham em mais uma gloriosa atuação. Ao preparar a primeira reedição de “Sky Dive” em CD, em 88, o produtor Didier Deutsch incluiu dois takes de “Naturally”, ambos com Keith Jarrett ao piano. Um deles é exatamente o mesmo take usado em “Polar AC”, mas sem Jarrett, com a mixagem original de Van Gelder deixando a guitarra de Benson como principal instrumento de harmonia. Para completar o disco, uma longa (13m20s) versão de “Sky Dive”, rebatizada “Son of sky dive” por questões burocráticas. Gravada em descontraído clima de jam-session, traz um sexteto formado por Hubbard, Laws, Ron Carter, Lenny White dando uma aula de contratempo, Junior Cook no sax-tenor e George Cables atacando de piano elétrico.

Segundo trabalho de Gabor Szabo (falecido precocemente, em 1982, aos 45 anos) como líder para a CTI, “Rambler”, gravado em setembro de 73, não repetiu o sucesso artístico de “Mizrab”. Um dos motivos foi Creed Taylor ter dado, ao guitarrista húngaro de sonoridade inconfundível, carta-branca tanto na seleção do repertório como na escolha dos músicos. Todas as faixas são composições medianas do baixista Wolfang Melz, à exceção de “All is well”, do igualmente desconhecido Robert Lam. Ao invés de craques experientes, Gabor preferiu utilizar os membros de sua “touring band”: Melz, o batera Bobby Morin, e Mike Wofford no piano elétrico Fender Rhodes. Prontas as bases, Bob James foi chamado para adicionar, aqui e acolá, doses cuidadosas de piano acústico, órgão e sintetizador, numa tentativa de embelezar o resultado final. Mesmo assim, ficou muito aquém da categoria de um estilista como o mestre Szabo.

Legendas:
Freddie Hubbard no auge da forma em “Polar AC”
O jazz camerístico do New York Jazz Quartet em show no Japão

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