João Donato: The New Sound of Brazil
Reedição Produzida por Arnaldo DeSouteiro (Jazz Station Productions) e lançada originalmente pela BMG, em 2001, na série "RCA 100 Anos de Música"
Reedição Produzida por Arnaldo DeSouteiro (Jazz Station Productions) e lançada originalmente pela BMG, em 2001, na série "RCA 100 Anos de Música"
Texto de Arnaldo DeSouteiro
Reissue Produced by Arnaldo DeSouteiro (Jazz Station Productions) and released worldwide by Sony/BMG
Catalog Number: 74321284512
Liner Notes wriiten by Arnaldo DeSouteiro
A RCA/BMG orgulhosamente apresenta, depois de 36 anos inédito no Brasil, “The New Sound of Brazil”. A ironia é automática e inevitável. A pompa, merecida. Afinal, trata-se do primeiro disco de João Donato, como líder, gravado nos Estados Unidos. Sim, porque o seu primeiro LP lançado nos EUA, em 63, sob o título “Sambou Sambou”, pelo selo Pacific Jazz, não passava de uma reedição, com nova capa e novo título, de seu histórico “Muito Á Vontade”, registrado no Brasil para a Polydor. Ainda via Pacific Jazz, saiu também “Bud Shank and His Brazilian Friends”, com Donato reduzido a musico acompanhante, embora, na edição brasileira do selo Elenco, constassem na capa, em igualdade de condições, os nomes de Bud, João e Rosinha de Valença.
Concentremo-nos, pois, em “The New Sound of Brazil”, captado em 1965 para a RCA norte-americana. Em New York, depois da fase californiana do músico, caso único de artista brasileiro que iniciou sua carreira internacional atuando na cena do latin-jazz, tocando e gravando com Mongo Santamaria (quando saiu do conjunto foi substituido por um tal Armando “Chick” Corea), Cal Tjader, Eddie Palmieri, e até mesmo integrando, como trombonista!, a banda de Tito Puente.
Curiosamente, o disco não foi gravado em um estúdio convencional. Por sugestão de Luiz Bonfá, apaixonado pela fantástica acústica natural do local, aonde havia gravado seu célebre disco com Stan Getz (“Jazz Samba Encore!”), um estúdio foi montado no amplo Webster Hall, com o engenheiro Mickey Crofford encarregado da parte técnica. O maestro Claus Ogerman, também encantado com o alto pé-direito daquela proeza arquitetônica, ajudou a superar os problemas de instalação dos equipamentos, e tudo fluiu as mil maravilhas.
Por “distração” do produtor Andy Wiswell, os nomes dos músicos não constaram do LP original. E olha que era um timaço! Luiz Bonfá, já rico e famoso nos EUA, fez questão de tocar nos dois mega-hits – “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu” - de sua trilha para o filme “Black Orpheus”. Nas demais faixas, alegando preguiça, perdão, cansaço, deixou o violão nas mãos de Carlos Lyra, então trabalhando em NY no grupo de Stan Getz. Para o contrabaixo, Ogerman convocou Richard Davis, de longa experiência com Sarah Vaughan, Ben Webster, Chet Baker, Gil Evans e Wes Montgomery (depois gravaria também “Águas de Março” e “Ana Luiza” com Tom Jobim, duas faixas do disco “Matita Perê”).
Para a bateria, Donato chamou Dom Um Romão, recém-chegado a NY. Mas o produtor remanejou o lendário músico para a percussão, entregando as baquetas a Bill Goodwin, naquela época integrante do quarteto de Art Pepper, e que mais tarde se consagraria no quinteto de outro ás do sax-alto, Phil Woods. “O tal do Andy achou que o Dom Um tocava de um jeito muito brasileiro, e que isso poderia atrapalhar o rendimento comercial do disco”, desvenda Donato. “Argumentaram que seria melhor ter um baterista americano tocando com sotaque, porque era assim que eles estavam acostumados a ouvir bossa nova. Achei uma explicação esquisita, mas preferi concordar para evitar um mal-estar”.
Caso Mr. Wiswell (que trabalhou com Judy Garland, Harry Belafonte, Perry Como e Liza Minneli, especializando-se em produzir trilhas de musicais da Broadway), tenha algum dia ouvido as gravações que Dom Um veio a fazer com Claus Ogerman (em discos de Sinatra, Jobim, Astrud, etc), sem falar dos álbuns com Sergio Mendes e Tony Bennett, deve estar até hoje se penitenciando pela tremenda mancada cometida...No final da história, Dom Um acabou tocando bateria em duas músicas: “Samba de Orfeu” e “No Coreto”. Completando o time, pontificam, como principais solistas da seção de sopros, Jerome Richardson (flautas) e Jimmy Cleveland (trombone). Nos violinos, violas e cellos, craques recrutados por Ogerman nas fileiras da Filarmônica de New York.
Um luxo, não? Sem esquecer da importância do genial Claus para o êxito musical (em termos de vendagem, o resultado foi inexpressivo) do projeto. Alemão radicado nos EUA desde 59, tinha recém-assinado contrato com a RCA (álbuns como “Soul Searchin” e “Watusi Trumpets” mereciam ser relançados) e havia se apaixonado pela bossa nova ao ser chamado, pelo produtor Creed Taylor, para trabalhar no primeiro LP de Tom Jobim (“The Composer of Desafinado, Plays”) em 63. Mais tarde, voltou a orquestrar para Tom (“Wave”, “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim”, “Matita Perê”, “Urubu”, “Terra Brasilis”), Astrud (“The Shadow of Your Smile”) e João Gilberto (“Amoroso”).
Jobim, aliás, encontra-se presente no repertório de “The New Sound...” através de sutilíssimas interpretações para “Insensatez” e “Esperança Perdida”, pouco regravada parceria com Billy Blanco. Donato passeia ainda com seu piano sutil e econômico por temas de Menescal & Boscoli (“O Barquinho”, talvez seu melhor solo no disco) e Dorival Caymmi (“Das Rosas...”, que o pianista havia gravado meses antes no LP de estréia de Astrud Gilberto), além das obras de Bonfá acima mencionadas. As outras seis faixas são de lavra própria: o hoje clássico “Amazonas” (aqui em sua primeira gravação), as singelas “Flor do Mato” (outro improviso modelar) e “Vento do Canavial” (de clima oriental), o baião “Não Se Acabou”, e duas pouco conhecidas parcerias com João Gilberto, “No Coreto” e “Coisas Distantes”, à qual Lysias Enio (irmão de Donato e seu melhor letrista) acrescentaria versos quatorze anos depois, para uma gravação de Leny Andrade no álbum “Registro”.
Donato gravou outros dois discos nos EUA: o psicodélico “A Bad Donato” (Blue Thumb, 1970, arranjos de Eumir Deodato, participações de Bud Shank, Dom Um, Conte Candoli & Oscar Castro-Neves), um marco do jazz-funk, e o antológico “Donato/Deodato” (Muse, 1973, com Eumir, Airto, Randy Brecker & Ray Barretto), cujo cachê ofertado a João serviu para pagar sua passagem de volta – definitiva – ao Brasil. Desde então, sua carreira teve altos e baixos, alternando períodos de ostracismo com outros de frenética atividade, como neste início de terceiro milênio. Para maiores detalhes sobre a carreira deste gênio incomparável e irrotulável, vale consultar o completíssimo site Discovering João Donato (www.bjbear71.com/Donato/joao.html), criado pela pesquisadora americana Barbara “ B.J.” Major. De preferência, saboreando as 12 faixas de “The New Sound of Brazil”!
Arnaldo DeSouteiro
Amsterdam, July 20, 2001
(Produtor musical, historiador de jazz e música brasileira, jornalista e educador – membro da IAJE, International Assoc. of Jazz Educators)
A RCA/BMG orgulhosamente apresenta, depois de 36 anos inédito no Brasil, “The New Sound of Brazil”. A ironia é automática e inevitável. A pompa, merecida. Afinal, trata-se do primeiro disco de João Donato, como líder, gravado nos Estados Unidos. Sim, porque o seu primeiro LP lançado nos EUA, em 63, sob o título “Sambou Sambou”, pelo selo Pacific Jazz, não passava de uma reedição, com nova capa e novo título, de seu histórico “Muito Á Vontade”, registrado no Brasil para a Polydor. Ainda via Pacific Jazz, saiu também “Bud Shank and His Brazilian Friends”, com Donato reduzido a musico acompanhante, embora, na edição brasileira do selo Elenco, constassem na capa, em igualdade de condições, os nomes de Bud, João e Rosinha de Valença.
Concentremo-nos, pois, em “The New Sound of Brazil”, captado em 1965 para a RCA norte-americana. Em New York, depois da fase californiana do músico, caso único de artista brasileiro que iniciou sua carreira internacional atuando na cena do latin-jazz, tocando e gravando com Mongo Santamaria (quando saiu do conjunto foi substituido por um tal Armando “Chick” Corea), Cal Tjader, Eddie Palmieri, e até mesmo integrando, como trombonista!, a banda de Tito Puente.
Curiosamente, o disco não foi gravado em um estúdio convencional. Por sugestão de Luiz Bonfá, apaixonado pela fantástica acústica natural do local, aonde havia gravado seu célebre disco com Stan Getz (“Jazz Samba Encore!”), um estúdio foi montado no amplo Webster Hall, com o engenheiro Mickey Crofford encarregado da parte técnica. O maestro Claus Ogerman, também encantado com o alto pé-direito daquela proeza arquitetônica, ajudou a superar os problemas de instalação dos equipamentos, e tudo fluiu as mil maravilhas.
Por “distração” do produtor Andy Wiswell, os nomes dos músicos não constaram do LP original. E olha que era um timaço! Luiz Bonfá, já rico e famoso nos EUA, fez questão de tocar nos dois mega-hits – “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu” - de sua trilha para o filme “Black Orpheus”. Nas demais faixas, alegando preguiça, perdão, cansaço, deixou o violão nas mãos de Carlos Lyra, então trabalhando em NY no grupo de Stan Getz. Para o contrabaixo, Ogerman convocou Richard Davis, de longa experiência com Sarah Vaughan, Ben Webster, Chet Baker, Gil Evans e Wes Montgomery (depois gravaria também “Águas de Março” e “Ana Luiza” com Tom Jobim, duas faixas do disco “Matita Perê”).
Para a bateria, Donato chamou Dom Um Romão, recém-chegado a NY. Mas o produtor remanejou o lendário músico para a percussão, entregando as baquetas a Bill Goodwin, naquela época integrante do quarteto de Art Pepper, e que mais tarde se consagraria no quinteto de outro ás do sax-alto, Phil Woods. “O tal do Andy achou que o Dom Um tocava de um jeito muito brasileiro, e que isso poderia atrapalhar o rendimento comercial do disco”, desvenda Donato. “Argumentaram que seria melhor ter um baterista americano tocando com sotaque, porque era assim que eles estavam acostumados a ouvir bossa nova. Achei uma explicação esquisita, mas preferi concordar para evitar um mal-estar”.
Caso Mr. Wiswell (que trabalhou com Judy Garland, Harry Belafonte, Perry Como e Liza Minneli, especializando-se em produzir trilhas de musicais da Broadway), tenha algum dia ouvido as gravações que Dom Um veio a fazer com Claus Ogerman (em discos de Sinatra, Jobim, Astrud, etc), sem falar dos álbuns com Sergio Mendes e Tony Bennett, deve estar até hoje se penitenciando pela tremenda mancada cometida...No final da história, Dom Um acabou tocando bateria em duas músicas: “Samba de Orfeu” e “No Coreto”. Completando o time, pontificam, como principais solistas da seção de sopros, Jerome Richardson (flautas) e Jimmy Cleveland (trombone). Nos violinos, violas e cellos, craques recrutados por Ogerman nas fileiras da Filarmônica de New York.
Um luxo, não? Sem esquecer da importância do genial Claus para o êxito musical (em termos de vendagem, o resultado foi inexpressivo) do projeto. Alemão radicado nos EUA desde 59, tinha recém-assinado contrato com a RCA (álbuns como “Soul Searchin” e “Watusi Trumpets” mereciam ser relançados) e havia se apaixonado pela bossa nova ao ser chamado, pelo produtor Creed Taylor, para trabalhar no primeiro LP de Tom Jobim (“The Composer of Desafinado, Plays”) em 63. Mais tarde, voltou a orquestrar para Tom (“Wave”, “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim”, “Matita Perê”, “Urubu”, “Terra Brasilis”), Astrud (“The Shadow of Your Smile”) e João Gilberto (“Amoroso”).
Jobim, aliás, encontra-se presente no repertório de “The New Sound...” através de sutilíssimas interpretações para “Insensatez” e “Esperança Perdida”, pouco regravada parceria com Billy Blanco. Donato passeia ainda com seu piano sutil e econômico por temas de Menescal & Boscoli (“O Barquinho”, talvez seu melhor solo no disco) e Dorival Caymmi (“Das Rosas...”, que o pianista havia gravado meses antes no LP de estréia de Astrud Gilberto), além das obras de Bonfá acima mencionadas. As outras seis faixas são de lavra própria: o hoje clássico “Amazonas” (aqui em sua primeira gravação), as singelas “Flor do Mato” (outro improviso modelar) e “Vento do Canavial” (de clima oriental), o baião “Não Se Acabou”, e duas pouco conhecidas parcerias com João Gilberto, “No Coreto” e “Coisas Distantes”, à qual Lysias Enio (irmão de Donato e seu melhor letrista) acrescentaria versos quatorze anos depois, para uma gravação de Leny Andrade no álbum “Registro”.
Donato gravou outros dois discos nos EUA: o psicodélico “A Bad Donato” (Blue Thumb, 1970, arranjos de Eumir Deodato, participações de Bud Shank, Dom Um, Conte Candoli & Oscar Castro-Neves), um marco do jazz-funk, e o antológico “Donato/Deodato” (Muse, 1973, com Eumir, Airto, Randy Brecker & Ray Barretto), cujo cachê ofertado a João serviu para pagar sua passagem de volta – definitiva – ao Brasil. Desde então, sua carreira teve altos e baixos, alternando períodos de ostracismo com outros de frenética atividade, como neste início de terceiro milênio. Para maiores detalhes sobre a carreira deste gênio incomparável e irrotulável, vale consultar o completíssimo site Discovering João Donato (www.bjbear71.com/Donato/joao.html), criado pela pesquisadora americana Barbara “ B.J.” Major. De preferência, saboreando as 12 faixas de “The New Sound of Brazil”!
Arnaldo DeSouteiro
Amsterdam, July 20, 2001
(Produtor musical, historiador de jazz e música brasileira, jornalista e educador – membro da IAJE, International Assoc. of Jazz Educators)
Texto para contracapa (text for back cover):
Primeiro disco gravado por João Donato, como líder, nos Estados Unidos, “The New Sound of Brazil” (1965) conta com impecáveis orquestrações do maestro alemão Claus Ogerman e a presença de um super-time de músicos: Luiz Bonfá, Carlos Lyra, Dom Um Romão, Bill Goodwin, Richard Davis, e muitos outros. No repertório, raras parcerias de Donato & João Gilberto em “Forgotten Places” e “Glass Beads”, além de temas de Jobim, Caymmi, Bonfá e Menescal.
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