Wednesday, May 30, 2007

Ahmad Jamal, Betty Carter e Horace Silver em DVDs





Momentos antológicos em nova safra de DVDs
“Shows de Ahmad Jamal, Betty Carter e Horace Silver estão entre os destaques”
Arnaldo DeSouteiro

Artigo escrito por Arnaldo DeSouteiro em 03 de Novembro de 2005 e publicado originalmente no jornal "Tribuna da Imprensa"

Embora o mercado de DVDs esteja em franca expansão no Brasil, os lançamentos jazzísticos ainda aparecem em número insignificante, especialmente em comparação com a quantidade de títulos no mercado internacional. Em compensação, a facilidade de aquisição através das lojas virtuais (Tower, Amazon, Barnes and Noble, Dusty Groove, HMV e Fnac, entre outras) tem estimulado o consumidor a ceder à tentação da importação. Como de costume, na mais nova safra de interesse para os jazzófilos, os shows relativamente recentes (como a soberba apresentação de Ahmad Jamal no Baalbeck Festival, em 2003) são minoria, prevalecendo a redescoberta de material gravado em décadas anteriores. Há excelentes concertos inéditos de Betty Carter (em Montreal), Bob James (Montreux), Horace Silver (Úmbria) e Chick Corea (Iowa), e decepcionantes performances de Joe Zawinul (Munique) e do trio Al DiMeola/Jean-Luc Ponty/Stanley Clarke (Montreux).

Sutileza e refinamento

Em matéria de sutileza, nada supera a concepção incomparável de Ahmad Jamal, no auge do auge em “Live in Baalbeck” (Dreyfus), juntando os melhores momentos de shows realizados no Baalbeck Festival em 18 e 19 de julho de 2003, em um cenário (os templos romanos em Beeka Valley) tão maravilhoso quanto o conteúdo da performance. Exibindo seu cada vez mais refinado ultrapessoal conceito de espaço, que tanto fascinou Miles Davis desde os anos 50, Ahmad interage de forma telepática com o jovem baixista James Cammack e o veterano batera Idris Muhammad. Curiosamente, o piano aparece posicionado no lado direito do palco (contrariando a “convenção” internacional), com o contrabaixo no centro e a bateria à esquerda. No cardápio, equilíbrio perfeito entre “originals” do estilista Jamal (“Island fever”, “The devil’s in my den”, “Topsy turvy”, a fantástica “Acorn”) e standards recriados de forma inigualável (destaque para “Young and foolish” e “Spring is here”). Além, claro, de seu maior hit, “Poinciana”. Nos “extras”, entrevistas com Jamal e Camaack (uma pena que, sabe-se lá porque, dispensaram Muhammad, outra figuraça) e um documentário sobre a viagem a Baalbeck, situada a 89km de Beirute, a capital do Líbano. Ah, o DVD foi formatado em dois sistemas: PAL (no lado A) e NTSC (lado B).

Formando uma dupla perfeita com o recital de Jamal, “Live in Montreal” (Universal) disponibiliza outro show (58 minutos) de grande refinamento, a cargo de Betty Carter na edição de 1982 do festival canadense. Comandando afiadíssimo trio com Khalid Moss (piano), Curtis Lundy (contrabaixo, autor do instrumental de abertura, “Jabbo’s revenge”) e Lewis Nash (bateria), a saudosa Betty dá sucessivas aulas de divisão. Reinventa, de forma pungente, baladas como “What’s new”, “Goodbye” e “Everytime we say goodbye”, mostrando seu peculiar fraseado também nas deliciosas “What a little moonlight can do” e “My favourite things”, e em arrojadas composições próprias (“With no words” e “Tight”, veículos para seu peculiar estilo de scat-singing). A platéia volta a ficar boquiaberta em “Social call”, tema de Gigi Gryce letrado pelo papa do vocalese, “Jon Hendricks.

Surpresas em Montreux

Dois títulos filmados no badalado Montreux Festival, fundado na bucólica cidade suiça por Claude Nobs em 1967, contrariam as expectativas. “Bob James live at Montreux” (Koch), captado em 17 de julho de 1985, tinha tudo para ser mais um item dispensável na videografia do tecladista e arranjador que ajudou a moldar o som da CTI nos anos 70. A despeito dos eficientes desempenhos em estúdio, as raras performances ao vivo de Bob costumam ser monótonas e decepcionantes. Por um motivo básico: a ausência de seu principal “instrumento”, a orquestra. Até agora, ao reduzir seus arranjos para pequenas formações, ele caía sempre de rendimento, como atestado pelos pífios shows anteriormente lançados em LaserDisc. Porém, naquela noitada em Montreux, Bob botou para quebrar, revezando entre o piano acústico e um autêntico Fender Rhodes.

BJ arrasa liderando energizado quinteto com os excelentes Gary King (baixo elétrico), Harvey Mason (bateria), Dean Brown (guitarra), mais Kirk Whalum (versátil saxofonista que peca apenas pela postura exibicionista) e Dennis Henderson, competente percussionista na linha de Leon Doc Gibbs, a ponto de ser chamado de “Mini-Doc” no texto do livreto (assinado por Quinton Scott) repleto de erros. Musicalmente, tudo funciona às mil maravilhas, com versões incendiárias de “Touchdown”, “Night crawler” e uma longa versão (18 minutos!) para “Westchester lady”, clássico do funk-fusion lançado no LP “Three” em 1976. O fenomenal Gary King, falecido em 2003, rouba a cena com alucinante desempenho, encaixando até “Lucille” ao atacar de cantor no meio de um solo que leva o público ao delírio. Bob se dá ao luxo de nem tocar “Feel like making love”, encerrando o show com a melosa “Angela”. No primeiro bis, volta sozinho na bela “Winding river”. Após nova ovação, retorna com a banda juntando “Spunky” e “Westchester lady”.

Decepção quase completa, o encontro entre Al DiMeola (violão), Jean-Luc Ponty (violino) e Stanley Clarke (contrabaixo), em 4 de julho de 1994 – DVD lançado no Brasil pela ST2 – acontece de forma apática, gélida, e a platéia reage da mesma forma, em situação constrangedora. Os três vituoses, expoentes do jazz-fusion, se perdem em uma sucessão de performances tecnicamente irrepreensíveis, mas com mínima dose de emoção. Como era o primeiro show que realizavam juntos, ainda estavam pouco entrosados e nada à vontade no palco, presos às partituras. Tocam, burocraticamente, algumas músicas (“Chilean pipe song”, “Memory canyon”, “La cancion de Sofia”) que viriam a fazer parte do álbum “Rite of strings”, lançado no ano seguinte com rendimentos muito superiores. Após os números-solo – Clarke anima um pouco a galera com o riff de “School days”, Ponty mostra seu lirismo em “Eulogy to Oscar Romero” – o clima melhora um pouco, rendendo uma boa releitura de “Renaissance”, do célebre LP “Aurora”, que consagrou JLP em 1976. Ironicamente, o melhor (e mais aplaudido) momento do show de 1h40m acaba sendo a reprise da música “Song to John”, graças à canja salvadora de Monty Alexander, em notável solo apesar de limitado a um chinfrim tecladinho Clavionova PF, de timbre irritante, empurrado às pressas para o palco.

Azes do teclado

Mergulhando nos anos 80, temos o austríaco Joseph Zawinul em uma das primeiras formações do Zawinul Syndicate, após o fim do Weather Report e da curtíssima existência do Weather Update, de vida abreviada por questões judiciais. O DVD (de 68 minutos) lançado pela TDK e filmado no Munich Philharmonic Hall, em 1989, traz Gerald Veasley (baixo elétrico), Cornell Rochester (baterista que tem o desagradável hábito de mascar chiclete durante os shows), Scott Henderson (primeiro guitarrista da Elektric Band de Chick Corea), Bill Summers (percussionista famoso por integrar os Headhunters de Herbie Hancock) e os vocalistas Carl Anderson (aposta furada da GRP) e Leata Galloway, morena responsável pelo melhor momento da noite: curta e certeira recriação da sublime balada “Solitude”, composta por Duke Ellington com letra de Irving Mills e Eddie DeLange em 1934. Outra antiguidade, “Little rootie tootie”, de Thelonious Monk, destaca-se entre as instrumentais. Cinco temas pouco inspirados de Zawinul completam o show, que se encerra com a influência brasileira de “Carnavalito”.

“Chick Corea & Elektric Band live at the Maintenance Shop”, da Iowa State University, capta o embrião do que viria a ser um dos conjuntos de maior sucesso naquela década. Na verdade, o título correto seria Elektric Trio, pois a Elektric Band nasceria somente meses depois com a entrada do guitarrista Scott Henderson, mais tarde substituído por Frank Gambale. Neste DVD do selo inglês Quantum Leap, a deficiente qualidade técnica de som (mono! Igual aos dos vídeos de Bill Evans no mesmo local) e imagem é compensada pelos impactantes desempenhos de John Patitucci (baixo elétrico), Dave Weckl (bateria) e, claro, do líder que se esbalda num arsenal de sintetizadores digitais e analógicos, tendo o piano elétrico Rhodes (stage model 73) como nave-mãe. Sem dispensar um teclado Yamaha portátil. Em um set demolidor de 48 minutos, os rapazes descem o sarrafo em instigantes temas do aplicado discípulo da cientologia (mais conhecida no Brasil como dianética): “Sidewalk”, “King Covkroach”, “Índia town” e “Rumble”, além de uma releitura da clássica “Malagueña” (da Suíte Española for solo piano – Andalucia), criação do cubano Ernesto Lecuona safra 1928, que depois seria reciclada por Chick em um tema próprio batizado “Spanish way”.

Voltando um pouco mais no tempo, uma preciosidade ainda maior: “Horace Silver Quintet live at Umbria Jazz Festival” (TDK), de 20 de julho de 1976. Naquela ocasião, o grupo do genial Horacio Tavares Silva contava com o hoje esquecido Steve Beskronne (baixo elétrico), Eddie Gladden (baterista desencarnado em 2003 após ganhar popularidade no quarteto de Dexter Gordon), e dois então promissores garotos: o trompetista Tom Harrell e o tenorista Bob Berg, precocemente falecido em 2002. Em 50 minutos de show, ao ar livre em Orvieto, quatro longas e densas obras do líder: o hard-bop “Adjustement”, a belíssima valsa “Barbara”, “In pursuit of the 27th man” (inspirada na numerologia e baseada em uma escala musical japonesa, conforme explica à platéia), e o resplandecente funky “Song for my father”, nascido após uma viagem ao Brasil nos anos 60. Ao mestre, todas as merecidas honras.

Legendas:
“Ahmad Jamal esbanja categoria e refinamento em show no Líbano”
“Bob James, autor da pintura usada na capa do DVD, leva ao delírio a platéia de Montreux”
“Betty Carter: aulas de fraseado e divisão no Festival de Montreal”

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